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Três anos e 350 mil espectadores depois, o Teatro Municipal do Porto dá o salto para o estrangeiro

Ricardo Castelo/NFactos


A coreógrafa sul-coreana Eun-Me Ahn e o encenador argentino Sergio Boris são dois destaques deste último quadrimestre em que entra também em cena a figura do artista residente. O futuro do projeto a médio e longo prazo decide-se nas autárquicas, mas a internacionalização já é facto consumado.

Não foi como candidato à Câmara Municipal do Porto, mas como presidente e vereador da Cultura ainda em funções que Rui Moreira esteve esta quarta-feira no Teatro Municipal do Porto (TMP) a fazer o balanço dos primeiros três anos de funcionamento daquele que é possivelmente o feito mais emblemático do seu mandato – e a divulgar números que ficam bem em qualquer campanha eleitoral (a sua tem de resto posto a cultura no topo da lista das missões cumpridas), como o dos 350 mil espectadores que neste triénio passaram pelo Rivoli e pelo Campo Alegre, as duas frentes ativas do projeto, para ver cerca de 450 espetáculos (235 de criadores ou companhias do Porto, 74 de artistas internacionais).

Mas isso é o passado, lembrou, e com umas eleições pela frente não é seguro edificar sobre o ele o TMP futuro: “Quem vier a seguir definirá [o rumo do teatro municipal]”, foi repetindo Moreira, que considerou prematura qualquer discussão sobre o destino do Teatro Sá da Bandeira (a compra da sala pela autarquia está ainda pendente de visto favorável do Tribunal de Contas) e a sua eventual conversão num terceiro pólo do TMP. Certa, seja qual for o desfecho a 1 de outubro, é a permanência de Tiago Guedes como diretor artístico até agosto de 2018: foi reconduzido apenas por mais um ano, explicou à margem da conferência de imprensa, para não comprometer a margem de manobra do próximo executivo.

Programação da casa à parte, Tiago Guedes terá uma parte da sua agenda tomada pelas primeiras grandes saídas do Rivoli-Campo Alegre ao estrangeiro. “Colocar o TMP no circuito internacional e afirmá-lo como parceiro confiável para coproduções com parceiros de outros países sempre foi um dos nossos objetivos, e nos próximos tempos esse esforço ganhará mais visibilidade”, explicou, enumerando o papel que terá como curador nas próximas edições dos festivais Panorama (Rio de Janeiro, Novembro) e DañsFabrik (Brest, Março) e da Bienal de Dança de Lyon (Setembro), bem como a realização no Porto, em Abril, coincidindo com mais uma mega-operação Festival DDD – Dias da Dança, do plenário de Primavera da IETM – International Network of Contemporary Performing Arts, em que é esperada a participação de 500 a 700 delegados internacionais.

Se a ida ao Rio de Janeiro servirá sobretudo para tomar o pulso ao estado atual da dança brasileira e para desbravar algumas das suas mais recentes evoluções, com repercussões que só se sentirão no Porto na temporada de 2018/2019, as visitas a Brest (onde Portugal será o país em foco em 2018) e a Lyon (“o festival de dança mais importante do mundo, ouso dizer”, assinalou Tiago Guedes) darão a alguns dos coreógrafos que o TMP tem coproduzido a oportunidade de mostrar lá fora as suas peças mais recentes. Marco da Silva Ferreira, Cláudia Dias, Vera Mantero, Jonathan Saldanha e Ana Rita Teodoro serão os enviados de Tiago Guedes ao DañsFabrik; os dois artistas a incluir nesta primeira incursão a Lyon (haverá mais, já que o diretor do TMP passou a integrar o comité fixo de curadores e terá direito à sua quota bienal) “ainda não estão escolhidos”.

Da Coreia do Sul à Argentina

Por cá, o TMP regressa já no próximo dia 15 com Le Syndrome Ian, a peça assombrada pelo fantasma de Ian Curtis com que o coreógrafo francês Christian Rizzo encerra uma trilogia sobre danças sociais (depois das danças comunitárias de raiz folclórica de D’après une histoire vraie, vista no Porto em 2015, e das danças de casal de Ad Noctum, as danças noturnas, de discoteca); a estreia em Portugal da coreógrafa sul-coreana Eun-Me Ahn (3 de novembro, Rivoli), que Tiago Guedes classificou algo relutantemente como “a Pina Bausch da Ásia”, é outro sublinhado da temporada internacional de dança neste último quadrimestre: traz Dancing Grandmothers, resultado do encontro imediato de dez bailarinos da sua companhia, sediada na grande metrópole que é Seul, com dez idosas vindas da Coreia do Sul rural. Do Brasil, regressam, com novas peças, dois nomes aos quais o público português já foi mais do que apresentado: Marcelo Evelin, com Dança Doente (6 e 7 de outubro, Rivoli), e Lia Rodrigues, com Para que o céu não caia (8 e 9 de dezembro, Campo Alegre).

No teatro, o primeiro grande acontecimento do Outono-Inverno do TMP é o regresso a Portugal do suíço Milo Rau, e do seu International Institute of Political Murder, com Five Easy Pieces, exumação do traumático caso de pedofilia que paralisou a Bélgica em meados dos anos 90 (Campo Alegre, 22 e 23 de setembro). Viejo, Solo y Puto (Campo Alegre, 2 de dezembro), primeira apresentação em Portugal do argentino Sergio Boris, numa joint-venture TMP-Teatro Maria Matos (tal como no caso de Milo Rau), é outra das apostas internacionais de Tiago Guedes – uma viagem ao submundo travesti de Buenos Aires.

Paralelamente, prossegue o trabalho de apoio à criação nacional nas áreas do teatro, da dança e até da ópera contemporânea, que neste quadrimestre resultará na apresentação de 18 coproduções de raiz – entre as quais novas peças de Quarteto Contratempus (As Sete Mulheres de Jeremias Epicentro), Joana von Mayer Trindade (Mysterium Coniunctionis), Nuno Cardoso (Apeadeiro), Renata Portas (Medeia), Daniela Cruz (What If…), Teatro Experimental do Porto (A Tecedeira que Lia Zola), Teatro Praga (Romeu e Julieta), Estrutura (The End), Visões Úteis (Teoria 5 S), Erva Daninha (Savar A.M.) e Raquel Castro (O Olhar de Milhões), por ordem de entrada em cena.

Eixo fundamental do TMP ao longo destes três anos, o Paralelo – Programa de Aproximação às Artes Performativas terá a 16 e 17 de dezembro um fim-de-semana inteiro de fama adicional, com um Foco Famílias que inclui espetáculos (Crevescer, da Companhia Caótica, e Horses, dos belgas Kabinet K), workshops e uma instalação interativa especialmente destinados às crianças e aos seus acompanhantes. E outros programas continuados, como os ciclos de música Understage e Porto Best Of, prosseguem até ao fim do ano – neste último caso, com a dupla Clã e Best Youth a 19 de outubro e o inesperado cocktail Repórter Estrábico, Holy Nothing e Mirror People a 14 de dezembro. Quanto ao resto, a temporada irá, como habitualmente, de festival em festival, sucedendo-se na agenda novas edições do MEXE – Encontro Internacional de Arte e Comunidade (18 a 24 de setembro), Queer Porto (4 a 8 de outubro), Festival Internacional de Marionetas do Porto (13 a 29 de outubro), Porto/Post/Doc (27 de novembro a 3 de dezembro) e Porta-Jazz (7 e 8 de dezembro); pelo meio, o Rivoli voltará a ser o quartel-general do Fórum do Futuro (5 a 11 de novembro), este ano consagrado às questões do futuro do planeta e do Antropoceno, sob o lema Terra Elétrica.

Fechado o ciclo do primeiro triénio, que representou, segundo Rui Moreira, um investimento total de quase 2,5 milhões de euros em programação, a nova temporada marca também o início de uma nova fase para o TMP. E se a redefinição da sua missão numa cidade já muito diferente daquilo que era quando o Rivoli reabriu, em Janeiro de 2015, dependerá de quem vier a seguir – em relação ao teatro municipal, como em relação à reabertura do Cinema Batalha e do Aniki-Bobó e à nova empresa municipal Porto Cultura, disse Moreira, “há um programa chave-na-mão e o próximo executivo pode usar a chave para abrir ou não…” –, certas novidades já estão em curso. É o caso da entrada em cena da figura do artista associado: ao longo das próximas duas temporadas, o coreógrafo e bailarino Marco da Silva Ferreira e o encenador e ator Jorge Andrade (mala voadora) terão no TMP, venha quem vier, a sua segunda casa.


por Inês Nadais, in Público | 7 de setembro de 2017
Notícia no âmbito da parceria Centro Nacional de Cultura | Jornal Público

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