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Vermelho, azul, dourado. Eis as cores vibrantes da Batalha

Projeto pioneiro junto cinco equipas de investigadores que durante o último ano recolheram amostras, fizeram levantamentos a laser, consultaram fontes para poderem dizer com certeza: a Capela do Fundador era rica e extensamente colorida.

Um pi…. pi… pausado que ao fim de cerca de seis minutos termina com um dlin dlon facilmente confundido com uma qualquer campainha. É sempre este o ritual em cada uma das dezenas de leituras a laser que a equipa do Politécnico de Leiria, liderada pelos professores Florindo Gaspar e Luísa Gonçalves fez na capela. [Sara Matos / Global Imagens] A equipa do Laboratório Hércules fez duas campanhas no local durante as quais fez vários exames e recolheu 54 amostras [Direitos Reservados] Equipa de Évora recolheu amostras dos pilares e da arca tumular [Direitos Reservados] A fotografia com luz ultravioleta revelou vestígios que não é possível ver a olho nu [Direitos Reservados] Há vestígios de diferentes cores em vários locais da Capela do Fundador [Direitos Reservados]

 

Os sinais estavam lá, nas paredes (quase) nuas da Capela do Fundador do Mosteiro da Batalha. Mas eram precisas provas científicas para, com certeza, se puder dizer que o aspeto atual do primeiro panteão nacional, mandado construir no início do século XV por D. João I, está bem diferente do original. Após quase um ano de trabalho de uma equipa multidisciplinar que junta investigadores de cinco entidades chega "a confirmação feliz" pela voz da coordenadora do projeto, Joana Ramôa: "a abrangência e riqueza da utilização da cor na capela foi provada com segurança do ponto de vista científico".

"Este projeto teve como ponto de partida a identificação de vestígios de policromia sobreviventes em algumas superfícies pétreas da Capela do Fundador no Mosteiro da Batalha", começa por contar, a partir de Bruxelas onde agora está a trabalhar a historiadora de arte, referindo a pesquisa realizada pela investigadora do Instituto de História de Arte da Universidade Nova, Begoña Farre Torres, durante o seu mestrado. "Logo nessa altura, foi registando a presença dos vestígios de cor numa série de locais e ficaram essas pistas para virmos a desenvolver através de um projeto, quando fosse oportuno."

As condições reuniram-se no ano passado. "Começámos a montar o projeto e pedimos um pequeno financiamento à unidade de onde o projeto saiu, o Instituto de História de Arte da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa. Entretanto, por coincidência, abriu um concurso para financiamento de projetos nas áreas da língua e cultura portuguesa da Fundação Calouste Gulbenkian. Como estávamos a arrancar, tentámos." E conseguiram os dez mil euros que permitiu reunir uma equipa interdisciplinar. Ao Instituto de História de Arte, berço do projeto, foram associando outras entidades: o Mosteiro da Batalha, o Laboratório Hércules da Universidade de Évora, o Instituto Português de Heráldica e o Instituto Politécnico de Leiria. São estas as cinco entidades que desde setembro do ano passado desenvolvem o projeto "Monumental poly-chromie revealing medieval colours at Batalha" que assenta em três elementos-chave: a novidade do tema (a cor na arquitetura medieval), a interdisciplinaridade e a abertura à sociedade.

Como explica Joana Ramôa, com este projeto "pretendemos abrir um novo campo de estudo no panorama historiográfico português que entre em diálogo com esta área de investigação que também a nível internacional é relativamente recente". "O reconhecimento de que a cor constituía um elemento fundamental das estruturas arquitetónicas medievais estava latente, mas o estudo verdadeiramente aprofundado desta temática só começou há poucos anos", contextualiza.

Apesar de a Capela do Fundador ter "vestígios suficientes para pensarmos que poderíamos chegar à conclusão de que ali a cor tem um papel fulcral e não é apenas um elemento pontual, antes de o projeto arrancar, a primeira coisa que fizemos foi dirigirmo-nos à Capela com a equipa do Laboratório Hércules para que eles, com a sua experiência, nos pudessem dizer se tínhamos de facto matéria-prima para avançar com um projeto deste tipo".

Tinha e avançaram. No local, o trabalho das equipas do Laboratório Hércules e do Politénico de Leiria pouco alteraram o dia a dia dos quase 400 mil visitantes que em 2016 visitaram o monumento, classificado como Património da Humanidade pela UNESCO desde 1983.

Uma noite no Mosteiro

António Candeias e Sara Valadas do Laboratório Hércules, de Évora, fizeram duas campanhas no Mosteiro onde, para além de exames de área no local (como fotografia técnica e de ultravioleta), recolheram também 54 amostras, 17 na arca tumular do casal real D. João I e D. Filipa de Lencastre, e as restantes nos pilares da Capela.

Os exames no local deixaram logo boas indicações quanto à abrangência da utilização de cor na capela. Para além dos vestígios de cor, que até agora nunca tinham sido estudados, "também há vestígios que se conseguem identificar não a olho nu mas através de algumas tecnologias que o Laboratório Hércules utiliza, nomeadamente através da luz ultravioleta, uma técnica que só pode ser feita quando não existe iluminação absolutamente nenhuma e, por isso, houve uma noite em que ficámos no Mosteiro, apagámos as luzes absolutamente todas do interior e do exterior para conseguirmos a melhor leitura possível com a luz UV", conta Joana Ramôa.

Para além desses exames feitos no local, o trabalho dos investigadores de Évora continuou depois no laboratório onde as micro amostras recolhidas com estilete - "com um milímetro quadrado, algo muito pouco intrusivo", sublinha António Candeias - são ainda divididas para serem submetidas a diferentes técnicas analíticas complementares. "Isto porque não há uma técnica que nos dê todas as informações", explica. "Uma parte é montada com a resina para ser usada nas análises feitas com diferentes microscópios, e a outra é usada para outras análises como a cromatografia, que destrói a amostra", especifica.

Quanto a novidades, Joana Ramôa sintetiza: "Percebemos, por exemplo, que o túmulo de D. João I e de D. Filipa estava completamente coberto de cor e de cores fortíssimas, à boa maneira medieval."

E Sara Valadas, do Hércules, corrobora. "Em termos de cores temos o azul, o vermelho - à base de vermelhão que era um pigmento bastante caro, o que é interessante porque foi aplicado em extensas áreas, mostrando a riqueza em termos dos recursos económicos - e o dourado".

Um dourado que Joana Ramôa destaca: "sempre que detetámos superfícies que eram originalmente douradas, a utilização do ouro corresponde a uma pureza de 99%, algo que é de uma riqueza, apesar de tudo, surpreendente. Seria expectável, compreensível do ponto de vista histórico e simbólico por tudo o que esta Capela significou para quem a mandou construir e para quem lhe deu continuidade, mas ainda assim é uma confirmação de facto que a utilização da cor aqui era riquíssima não só do ponto de vista visual, estético, mas também do próprio ponto de vista material". E sublinha. "Há aqui uma aliança muito interessante confirmada por diversos estudos entre o reconhecimento do valor simbólico de uma cor e o seu valor material pela riqueza do pigmento usado. Houve um investimento extraordinário no programa da capela que já reconhecíamos do ponto de vista arquitetónico e que, certamente agora, também vamos poder reconhecer do ponto de vista pictórico."

Sara Valadas não vai mais longe porque, explica, "agora estamos na parte de compilar dados, integrar informações e aqui é muito importante um apoio muito bem fundamentado na parte da heráldica".

Miguel Metelo Seixas, que juntamente com João Portugal são os dois especialistas dos Instituto Português de Heráldica envolvidos no projeto, também é cauteloso mas, nesta tentativa de compreender de que forma a dimensão heráldica pode ter influenciado a decoração de uma forma geral, dá um exemplo concreto. "A utilização do azul e do vermelho na Capela do Fundador faz todo o sentido: são cores marianas e o mosteiro é dedicado a Santa Maria da Vitória. Mas, além disso, são as cores que D. João I escolhe para a sua empresa e eram as cores heráldicas da casa real inglesa na época. A heráldica joga muito com estas confluências."

O Instituto Politécnico de Leiria tem neste projeto um papel que responde à vocação pedagógica do projeto: a reconstrução 3D da Capela do Fundador, com as suas cores originais. Para tal foram feitos três levantamentos a laser, com resoluções diferentes, e o resultado será apresentado brevemente na própria capela onde, utilizando um ecrã tátil, os visitantes poderão ver como seria o seu aspeto original.

Após este ano de trabalho, o objetivo de Joana Ramôa é dar continuidade a este projeto. E para Joaquim Ruivo, diretor do monumento, a cereja em cima do bolo seria mesmo conseguir recriar a cor nas esculturas e nas paredes da Capela. O que falta? Dinheiro, claro.

Acompanhe o projeto no site


por Marina Marques, in Diário de Notícias | 19 de agosto de 2017
Notícia no âmbito da parceria Centro Nacional de Cultura | Jornal Diário de Notícias

 

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