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"Da Organização da Ciência à Política Científica (1910-1974). A emergência da Junta Nacional de Investigação Científica e Tecnológica"
O livro de Tiago Brandão narra uma história institucional, a da emergência da Junta Nacional de Investigação Científica e Tecnológica (JNICT), que é ao mesmo tempo uma história humanizada, vivida, que dá ampla voz aos protagonistas.
Este livro é editado 50 anos após a publicação do diploma que criou a JNICT (Decreto-Lei n.º 47 791, de 11 de julho de 1967).
O livro foi lançado em 12 de julho passado no Centro Nacional de Cultura (CNC) na presença da Prof.ª Maria Fernanda Rollo, Secretária de Estado da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, e do Prof. Paulo Ferrão, Presidente da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT). A apresentação do livro esteve a cargo da Prof.ª Maria Eduarda Gonçalves.
SINOPSE
O livro de Tiago Brandão narra uma história institucional - a da emergência da JNICT (hoje, Fundação para a Ciência e Tecnologia) - que é ao mesmo tempo uma história humanizada, vivida, que dá ampla voz aos protagonistas. Trata-se de uma obra notável de rigor e sensibilidade apoiada numa pesquisa exaustiva de documentos de arquivo – muitos deles consultados certamente pela 1ª vez - e em vasta bibliografia histórica, mas também de sociologia da ciência e de economia política, uma obra que concilia a densidade teórica e a subtileza da análise com uma exposição que se lê com muito agrado, como uma “story” a par da “history”...
O conhecimento aprofundado da génese e dos primeiros anos da JNICT e da política científica em Portugal, sob um pano de fundo que recua à Primeira República, permite-nos compreender melhor a grande transformação operada no domínio da investigação científica no nosso país, espelho do progresso da sociedade portuguesa.
A obra põe em evidência aspetos interessantes da “construção” da política científica em Portugal, em particular:
- as fraturas e tensões internas a um regime, o do Estado Novo, frequentemente apresentado como monolítico, evidenciando o combate de algumas elites mais “esclarecidas”, afetas ao regime ditatorial, mas, não obstante, atentas à modernidade da época;
- o papel dos indivíduos: Leite Pinto é a ilustração mais evidente, personagem central da narrativa do livro, mas outros como Celestino da Costa, Sousa da Câmara, Simões Raposo, Manuel Rocha..., contribuíram para a tomada de consciência da necessidade de investir na investigação científica contrariando visões tradicionalistas (uma “cultura mnemónica e teórica, descuidando a habilidade técnica e as qualidades de observação”, nas palavras de Celestino da Costa) em favor de uma investigação apoiada empiricamente e da afirmação da ciência como condição de progresso cultural, social e económico numa sociedade onde prevalecia ainda a ideia de que a investigação era um luxo para ricos...;
- a influência dos contextos europeu e internacional: a importância da participação de delegações nacionais em organizações internacionais, proporcionando alguma abertura do regime a novas ideias e novas práticas: no período considerado, e mais tarde, os próprios dirigentes da JNICT socorreram-se por vezes da opinião dos peritos externos como argumento para defender a causa da ciência junto do próprio governo português.
A obra suscita, além disso, questões sugestivas, desde logo, a de saber o que define uma política científica, “expressão propositadamente equívoca”, segundo o autor. Uma política define-se por objetivos (estratégias, prioridades...) e pelos meios de os prosseguir: nesta ótica, entre 1967 e 1974, a JNICT deu passos significativos no sentido do desenho de uma política científica, em articulação com os planos de fomento. No que respeita aos meios, sublinhe-se a interessante discussão em torno da função de “coordenação” da JNICT: mais do que atribuir-lhe conotação autoritária, importa reconhecer que a JNICT operou como uma plataforma de diálogo e concertação, relevante para superar a fragmentação institucional no domínio da investigação científica em Portugal. Nesta perspetiva, foi decisiva a ação das comissões permanentes instituídas no seio da Junta (como a INVOTAN, a COCEDE, a Comissão Nacional do Ambiente ou a Comissão Permanente de Estudos do Espaço Exterior), verdadeiras incubadoras de políticas que viriam a ser autonomizadas posteriormente para lá da dimensão propriamente científica.
O livro vai relatando, do mesmo passo, episódios curiosíssimos, como o do projeto de comissão permanente de oceanografia que acabaria malogrado, à época, por resistências da Marinha; ou o do projeto do estabelecimento de um laboratório internacional de estudos oceanográficos numa ilha artificial, revelador de ousadia mas também da limitação das capacidades e de uma certa dose de improvisação, como bem nota Tiago Brandão.
À JNICT terão faltado, porém, os meios de influenciar de modo determinante os rumos da ciência e da tecnologia no país, vendo-se confrontada com fortes resistências para desenvolver a sua ação por parte das instituições de investigação sectoriais e das universidades, ciosas da sua autonomia. Terá por isso acabado por se centrar no que estava ao seu alcance: a produção de estatísticas e indicadores; a informação científica e técnica; a coordenação da participação das delegações nacionais nas organizações Internacionais.
Será interessante ler este livro perspetivando a evolução da JNICT, hoje FCT, até aos nossos dias. Poderá porventura falar-se a este respeito de um paradoxo: na origem, faltavam-lhe os meios, designadamente financeiros, para pôr em prática uma verdadeira política, tendo ficado “livre”, por assim dizer, para exercer um papel criativo e inspirador, atípico na Administração Pública, o “Estado Maior pensante” que Leite Pinto ambicionou; depois, a sua capacidade de influir sobre a investigação científica e o desenvolvimento tecnológico cresceu, sobretudo com a adesão de Portugal à CEE, em 1986, evoluindo para um organismo “normal” de atribuição de fundos, perdendo em certa medida a vertente de pensamento e reflexão estratégica.
Concluindo, esta obra inovadora na temática e no estilo abre perspetivas estimulantes e pistas para uma agenda futura de estudo das políticas científicas e tecnológicas, ao mesmo tempo que alerta para a necessidade de investir nos arquivos, na recolha de espólios pessoais e de um modo geral na edificação da memória de um campo da ação coletiva e individual, a ciência e a tecnologia, cada vez mais decisivo para o nosso futuro.
O AUTOR
Formado em História, Mestre em História Contemporânea e Doutor em História Económica e Social/História Contemporânea pelo Instituto de História Contemporânea da Universidade Nova de Lisboa (IHC, FCSH-UNL/Portugal). É investigador do Instituto de História Contemporânea da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa e Senior Research Fellow do Center for Innovation, Technology and Policy Research do Instituto Superior Técnico (IN+/IST) além de vinculações académicas ao Brasil (PPGTE/UTFPR - Programa de Pós-Graduação em Tecnologia da Universidade Tecnológica Federal do Paraná) e Canada (INRS - Institut National de la Recherche Scientifique). A sua investigação tem-se focado na história das políticas científicas e na história da organização da ciência e das instituições científicas em Portugal e em quadros comparados.
Título: Da Organização da Ciência à Política Científica (1910-1974). A emergência da Junta Nacional de Investigação Científica e Tecnológica
Autor: Tiago Brandão
Editora: Caleidoscópio, Edição e Artes Gráficas SA
N.º páginas: 647