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A rapariga que nunca deixou de desenhar

Joana Estrela não é só ilustradora, é autora. Tem 27 anos e ganhou um prémio no Amadora BD do ano passado. O seu último livro é A Rainha do Norte.

Joana Estrela na Livraria Alambique, no Porto | Carolina Branco/Global Imagens


Era uma vez um rei mouro que se apaixonou por uma criada. Casaram e foram felizes para sempre. Bem, na verdade, foram felizes só durante algum tempo, pois a criada, agora rainha, vinha de um país do Norte, daqueles onde o chão se cobre de neve, e a rapariga teve imensa dificuldade em se adaptar ao palácio e foi ficando cada vez mais triste, isolada, sem vontade de comer, sem conseguir dormir, sem sequer querer sair do seu quarto e ver o sol. A Rainha do Norte, que Joana Estrela escreveu e ilustrou e que a Planeta Tangerina editou este ano, é um livro sobre a depressão.

"Há muito tempo que andava a pensar na Lenda das Amendoeiras em Flor, que tem coisas tão contemporâneas. Por exemplo, o facto de ela ficar doente de tristeza. Ou ser estrangeira e não ter ninguém parecido com ela. Ou o facto de o conto começar onde muitos acabam, que é um casamento", conta a autora. "Não queria que fosse uma tese sobre a depressão mas queria mostrar como a doença mental também tem efeitos físicos e como é gradual. Não é como ter um dia mau."

Este é apenas o terceiro livro desta autora, que nasceu em Penafiel e reside no Porto, mas já é possível perceber algumas coisas sobre o trabalho de Joana Estrela. Primeiro, que mais do que uma ilustradora, é uma autora. "Desde pequena que tinha muitos projetos de livros, sentia que se tivesse de escolher o desenho e deixar a escrita estava a deixar para trás algo de que gostava muito", explica.

Depois, é que lhe interessa muito o universo feminino, nas suas muitas vertentes. Isso já era visível no seu projeto de final de curso, sobre Santa Quitéria, mas é ainda mais claro em Mana, o seu segundo livro (e aquele que no ano passado ganhou o prémio de Melhor Ilustração para Livro Infantil no festival Amadora BD), no qual se baseou na relação com a sua irmã, três anos mais nova, para falar desse mundo das raparigas que se amam e se odeiam, com episódios que todos os que têm irmãos facilmente irão reconhecer. "É um livro para os mais novos, mas há muitas pessoas a comprá-lo para oferecer às irmãs", conta Joana.

Uma das ilustrações de "Mana"  | DIREITOS RESERVADOS

 

Estudou Design de Comunicação nas Belas-Artes do Porto, fez Erasmus em Budapeste (Hungria) e, terminado o curso, foi fazer voluntariado numa associação LGBT em Vílnius, na Lituânia. "O trabalho era muito exigente. Tínhamos o projeto maior, que era organizar a marcha de orgulho gay mas, ao longo do ano, organizávamos outros eventos para a comunidade local e era preciso arranjar estratégias para cativar as pessoas. Foi muito importante para mim. Eu não era uma pessoa de começar a fazer coisas, ficava sempre à espera que alguém tivesse a iniciativa, e isto deu-me mais confiança, nem que fosse para organizar uma festa, uma feira de publicações, um workshop." Até para escrever um livro. A partir das muitas histórias vistas, ouvidas e vividas em Vílnius fez o seu primeiro livro, Propaganda (2014), uma espécie de diário ilustrado com cem páginas.

Quando lhe perguntamos quando é que começou a desenhar, Joana Estrela responde com uma provocação: "Eu nunca deixei de desenhar." E é verdade. Todas as crianças desenham, ela limitou-se a continuar. Para sobreviver faz muitas outras coisas na área do design, como convites de casamento, mas tem outros projetos. Não estranhem, por exemplo, se um dia a encontrarem numa feira ou numa esquina com uma máquina fotográfica a imitar os antigos fotógrafos "à la minuta".


por Maria João Caetano, in Diário de Notícias | 7 de agosto de 2017

Notícia no âmbito da parceria Centro Nacional de Cultura | Jornal Diário de Notícias

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