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Cinemateca: o que será da cidade sem o cinema e do cinema fora da cidade?

Rentrée da Cinemateca Portuguesa vai ter dezenas de filmes sobre as cidades, numa altura em que elas perdem salas e que alguns espectadores preferem a sua sala para o ver, mas também sobre a revolução soviética de 1917 e sobre, e com, Luis Miguel Cintra.

Pedro Cunha Luis Miguel Cintra, Enric Vives-Rubio Uma sessão ao ar livre em Lisboa de "O Homem da câmara de filmar" de Vertov - Nuno Ferreira Santos "Outubro", de Eisenstein DR "Playtime" de Jacques Tati DR


As cidades, e o país com elas, têm perdido salas de cinema – o que lhes acontece, e ao próprio cinema, neste momento de “transformação profunda que nos transcende”, como descreve o diretor da Cinemateca Portuguesa José Manuel Costa? Em que a experiência cinematográfica e as cidades onde surgiram “os grandes templos do cinema”, como detalha a programadora Joana Ascensão, mudam tanto? A resposta tentará estar algures entre Godard, Oliveira, Warhol, Tati, Vidor, Scorsese e o ciclo de cinema que pontuam, e debates e colóquios a marcar a rentrée da Cinemateca em setembro.

O Cinema e a Cidade é um dos três “ciclos principais” da Cinemateca até ao final do ano, como disse aos jornalistas José Manuel Costa na manhã desta quinta-feira, inicialmente abafado pelo ruído das obras que são, nos últimos tempos, a banda-sonora do filme lisboeta. No mês de regresso à cidade no fim do Verão, e numa capital que se transforma a olhos vistos, a Cinemateca quer “reforçar o diálogo” com Lisboa, com a qual partilha uma “existência participada” cujo final feliz, sem ilusões, como frisa José Manuel Costa, seria o de “discutir, sugerir ações concretas e trabalhar com as comunidades [sobre] formas dignas de continuar a dar às populações um espetáculo que merece condições nobres de visionamento”, defendeu.

Não se trata apenas de refletir sobre uma paisagem em mudança. Em 2013 o país, e com ele muitos distritos e cidadesperderam mais de 60 salas de cinema. A esta “destruturação do parque de salas”, como lhe chama o diretor da Cinemateca, junta-se a forma como recebemos o cinema. “Passa muito pela mutação tecnológica”, explica José Manuel Costa, mas há “também uma transformação sociológica, da história da arte cinematográfica” — nesta “nova etapa” o cinema já não é só consumido em sala, mas muitas vezes “é uma experiência individual e isolada”. No fundo, “é preciso perceber e discutir isto intensamente”, pede. “Como vamos transmitir às próximas gerações o património cinematográfico do século XX”, pergunta-se.

Tudo começará, dia 2 de setembro, com o ciclo de cerca de cem filmes, entre curtas e longas, datados desde o século XIX de Chegada ao Cais do Sodré do Primeiro Comboio de Cascais (1896), de Henry Short, até Holy Motors, de Leos Carax, de 2012, por exemplo. Até novembro, o ciclo inclui “sinfonias urbanas dos anos 1920 e 30”, como categorizou Joana Ascensão falando, entre outros, de Manhattan, de Paul Strand e Charles Scheeler, e Berlim, Sinfonia de uma Capital, de Walter Ruttmann. Os grandes temas são filmes sobre uma cidade, filmes que fundem a experiência cinematográfica com a cidade como nessas sinfonias urbanas ou filmes que focam a sala de cinema e a sua fruição.

Lá dentro cabem obras pop como Blade Runner – Perigo Iminente, de Ridley Scott e clássicos como Metropolis, de Fritz Lang, bem como as Roma de Fellini ou Rossellini, a Lisboa do Cinema Novo português de Os Verdes Anos de Fernando Lopes, O Acossado, Vontade IndómitaPlaytime, ou Los Angeles Plays Itself de Thom Andersen, o Chacun son Cinéma de tantos realizadores e aqueles que filmaram a sala – Il giorno della prima di Close Up, de Nanni Moretti, junta-se a Hoje Estreia, de Fernando Lopes sobre o cinema Condes. Um ambicioso ciclo que terá um dia de abertura especial, com sessão à tarde, fim de dia e noite, já na esplanada, e jantar no espírito de uma longa sessão única de sábado; outro momento especial será a projeção integral das oito horas de Empire, de Warhol, um olhar sobre o edifício homónimo de Nova Iorque. Em vésperas de tudo isto, a 1 de setembro, Jules e Jim passa na Cinemateca, tributo à atriz Jeanne Moreau.

O ciclo será pontuado por um colóquio na Cinemateca a 28 e 29 de setembro, em vésperas de eleições autárquicas, e está em aberto — no sentido de aberto a desafios e colaborações país fora — o plano para debates descentralizados sobre o tema, talvez até com filmes na bagagem. Costa quer “dizer ao país que a Cinemateca não volta a cara à responsabilidade de pensar este problema a nível nacional” e que tem “um plano estratégico” para o papel da Cinemateca na descentralização. Porém, as verbas e o momento ainda não chegaram para o pôr em prática.

Os outros dois ciclos da rentrée da Cinemateca são dedicados ao centenário da revolução soviética de 1917, desde 7 de setembro, e a Luis Miguel Cintra, a partir de dia 4.

Em 1917 no Ecrã convocam-se os incontornáveis Outubro e O Couraçado de Potemkin, esse filme de Eisenstein que “incendiou a imaginação de cineastas de todo o mundo” e que, sendo sobre a revolução de 1905, tornou-se símbolo da revolução de 17 — “é essa a força do cinema”, decreta José Manuel Costa — mas também é preciso “confrontar pontos de vista”. É aí que entram filmes de realizadores da Alemanha nazi ou da Itália fascista sobre a revolução ou as luzes da grande indústria americana sobre o acontecimento histórico em Dr. Jivago (1965) ou Reds (1981). Noventa anos de cinema, de A Mãe, de Pudovkine a O Barqueiro do Volga de De Mille ou à “obra-prima pouco conhecida” Os 26 Comissários de Baku, de Nikolai Chenguelaia, estão a partir de 7 de setembro, sem ordenação cronológica, à mostra na Barata Salgueiro. Entre 4 e 8 de setembro, o diretor do arquivo nacional russo de cinema, o Gosfilmofond sem o qual muitas das obras do ciclo não seriam vistas em Portugal, vai contar Histórias do Cinema sobre o realizador Fridrikh Ermler.

“Uma das maiores figuras da cultura portuguesa das últimas décadas”, nas palavras de José Manuel Costa, o ator e encenador Luis Miguel Cintra será homenageado no âmbito da sua relação com o cinema e num momento de fim de um ciclo, após o fecho da Cornucópia – companhia com uma “obra absolutamente histórica”. Os filmes em que atuou, de Quem Espera por Sapatos de Defunto Morre Descalço, de João César Monteiro, até O Novo Testamento de Jesus Cristo Segundo João, de Joaquim Pinto e Nuno Leonel, passando pelas direções de Paulo Rocha, do seu cúmplice Manoel de Oliveira, de Pedro Costa, João Botelho ou Catarina Ruivo, estarão em diálogo com o ciclo em que lhe deram Carta Branca. A programação de dez filmes, alguns dos quais coincidentes com os do ciclo da Cidade, que o marcaram. Escolheu Fatalidade, de Sternberg, mas também Assim Nasce Uma Estrela, de Cukor, ou Acto da Primavera, de Oliveira, e Os Pássaros, de Hitchcock, entre outros.

Além destes três ciclos, a Cinemateca ocupar-se-á até ao final do ano com um ciclo dedicado a Jean-Marie Straub em dezembro, um novembro também marcado pelo ciclo Hollywood B e cerca de 20 sessões com as escolhas do público da instituição. Para 2018, o ciclo de cinema anunciado, mas ainda não detalhado, será sobre o Medo. Também para o futuro próximo, José Manuel Costa prevê um “grande ciclo Manoel de Oliveira, agora que a obra está fechada”.

A programação diária e detalhada dos ciclos estará a partir de sexta-feira no site da Cinemateca


por Joana Amaral Cardoso in Jornal Público | 4 de agosto de 2017

Notícia no âmbito da parceria Centro Nacional de Cultura | Jornal Público

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