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O distorcido e estranho mundo de Alberto Giacometti

A exposição na Tate Modern, em Londres, celebra a arte e o mundo fascinante de um dos maiores pintores-escultores do século XX com 250 peças.

Foto EPA/ Tim Ireland Foto Reuters/ Stefan Wermuth Foto Reuters/ Stefan Wermuth Foto EPA/ Tim Ireland


As figuras esguias, distorcidas, fantasmagóricas e estranhamente belas de Alberto Giacometti estão de volta à Tate Modern. Uma enorme exposição retrospetiva, com mais de 250 peças do genial artista suíço, ocupa agora dez salas do museu de Londres. Prevê-se que esta mostra possa bater o recorde de visitantes estabelecido por outro blockbuster de verão da Tate - a exposição de recortes e colagens de Henri Matisse, que teve 563 mil visitantes entre abril e setembro de 2014.

O escultor suíço, radicado em França durante grande parte da vida, tinha uma história antiga com Londres e com a Inglaterra. Uma das suas primeiras exposições europeias, fora de Paris, foi numa galeria londrina, em 1955. Alberto Giacometti (1901-1966) influenciou vários escultores britânicos. Muitos deles atravessavam a Mancha para o visitar frequentemente no estúdio caótico da Rua Hippolyte-Maindron, em Paris, muito antes da consagração que alcançou com o Grande Prémio de Escultura da Bienal de Veneza (1962).

Quando Giacometti voltou a Londres, no verão de 1965, para uma enorme mostra individual de esculturas, quadros e desenhos na Tate Gallery, era já um artista estabelecido e com fama mundial. Apesar disso, desdenhava os luxos. Vivia desligado do dinheiro, deixando para trás envelopes com maços de notas. Preferia um hotel rasca ou o ateliê decrépito de Paris, onde podia passar horas na companhia de um simples bloco de notas. Excêntrico, hiperativo (enquanto esteve na capital londrina, durante a exposição, trabalhou todos os dias numa cave da Tate), carismático, fumador crónico, Giacometti manteve até ao final uma vida atribulada e fascinante. Morreu poucos meses depois daquela mostra, em janeiro de 1966. Tinha 64 anos.

"Giacometti adorava a Tate. Há muito tempo que pensávamos fazer esta exposição", explicou a nova diretora da Tate Modern, Frances Morris, durante a apresentação à imprensa internacional. "Estávamos só à espera do momento adequado para celebrar Alberto Giacometti."

Esse momento chegou. Nas últimas décadas, o fascínio pela obra de Alberto Giacometti transformou-o num dos artistas mais cotados do mundo, com várias peças a trocarem de mãos, em leilões de arte, por valores acima dos cem milhões de dólares. As três esculturas atualmente mais valiosas no mundo inteiro têm todas a assinatura do mestre suíço. Em 2010, a viúva milionária brasileira Lily Safra, senhora de quatro casamentos e alguns funerais, pagou mais de 104 milhões de dólares por L"Homme Qui Marche I (1960), uma das peças mais icónicas de Giacometti. Este preço-recorde voltaria a cair cinco anos mais tarde. Em 2015, o multimilionário norte-americano Steve Cohen pagou mais de 141 milhões de dólares por L"Homme au Doigt (1947), que passou a ser a escultura mais cara alguma vez vendida num leilão.

Este boom recente da obra de Giacometti reflete, em parte, a atitude de abertura que os grandes colecionadores passaram a ter relativamente à escultura em geral. O boom está ligado, igualmente, ao trabalho desenvolvido pela Fundação Alberto e Annette Giacometti, em Paris - a instituição, fundada em 2003, tem presentemente a maior coleção do mundo de obras de Giacometti e faz uma gestão muito cuidadosa e inteligente do legado do artista.

O mais provável é que a cotação suba ainda mais ao longo de 2017. Além da exposição na Tate, organizada em parceria com a Fundação Giacometti, a capital britânica tem presentemente duas outras mostras dedicadas ao mestre suíço em galerias de prestígio como a Gagosian ou a Thomas Gibson Fine Art. Esta overdose de Giacometti no verão londrino estará completa com a estreia, no próximo mês, do filme Final Portrait, de Stanley Tucci. Esta fita, ainda sem estreia marcada no mercado português, retrata a relação tumultuosa de Alberto Giacometti (representado pelo ator australiano Geoffrey Rush) com a mulher, Annette, e as ligações extramaritais de ambos (Annette dormia sobretudo com Isaku Yanaihara, um académico japonês, professor de Filosofia, amigo de Alberto; Giacometti tinha uma predileção por meretrizes de bordéis, em particular Caroline, que serviu de modelo a muitas obras do artista).

A primeira sala da exposição na Tate Modern é uma introdução perfeita para este complicado mundo das relações pessoais de Alberto Giacometti. Os visitantes são recebidos por um exército de cabeças que o mestre suíço esculpiu, modelou ou cinzelou ao longo das décadas. Giacometti preferia usar modelos que conhecia pessoalmente, incluindo o irmão Diego, a artista Isabel Rawsthorne, Annette e Caroline. A cabeça humana foi sempre um tema importante ao longo das cinco décadas da carreira.

A exposição prossegue nas salas seguintes numa ordem mais ou menos cronológica. Sublinha o interesse de Alberto Giacometti pelas artes decorativas e a inspiração encontrada, por exemplo, nas artes egípcia, etrusca e africana. Aborda as experiências dele com o cubismo, o surrealismo e a arte abstrata. Uma das salas é dominada por Femme Égorgée, de 1932, uma das peças mais importantes da fase surrealista - um objeto complexo e macabro, parte mulher, parte crustáceo, parte inseto, deitado de costas no chão - aparentemente inspirada pelos problemas de disfunção erétil que sempre afligiram o autor.

A rutura com o movimento surrealista representou o regresso de Alberto Giacometti às figuras humanas, sobretudo em esculturas de bronze, mas também em simples esboços, desenhos e óleos, geralmente monocromáticos e deprimentes. Giacometti regista a fragilidade da vida humana em esculturas de todos os tamanhos: desde a enorme Grande Femme IV (1960), de 270 centímetros de altura, à pequena Toute Petite Figurine de 1937-39, mais pequena do que um dedo. Mas todas elas impressionam.

As peças produzidas no período mais fértil da carreira, entre 1950 e 1965, refletem as inquietações existenciais do artista. As esculturas são subtis e parecem sombras. Mas ninguém fica indiferente perante a intensidade e a ferocidade do olhar. São figuras simples e esguias, que adquirem uma grandeza no confronto com a vastidão do vazio. "À primeira vista, parece que estamos perante mártires sem carne saídos do campo de concentração de Buchenwald. Mas pouco depois temos uma perceção bem diferente: aquelas naturezas finas e delgadas elevam-se para o céu", escreveu o amigo Jean-Paul Sartre, em 1948, no catálogo de uma exposição de Giacometti em Nova Iorque.

Um dos focos principais da exposição é o conjunto de esculturas, gessos e gessos pintados intitulado Les Femmes de Venise. A maior parte destas peças foi inspirada na mulher, Annette, e esteve exposta no pavilhão francês da Bienal de Veneza de 1956 (Giacometti, curiosamente, recusou todos os convites anteriores que lhe foram feitos para integrar a representação suíça; rejeitava a ideia da "identidade nacional" do artista). Os nus femininos foram modelados inicialmente em barro e depois em gesso, que Giacometti trabalhava de forma paciente e obsessiva. Ele usou por vezes tinta preta e vermelha. Estas figuras de gesso foram restauradas pela Fundação Giacometti e voltam a estar juntas, agora - pela primeira vez em 60 anos -, numa sala da Tate Modern.

A intensidade assustadora destas "sentinelas" femininas, frágeis e etéreas, contrasta com as esculturas em bronze que eram o resultado final, natural, do trabalho de Giacometti. "Um museu como a Tate Modern deve ter a aspiração de trazer uma leitura nova", diz ainda Frances Morris, que foi comissária da exposição juntamente com a amiga Catherine Grenier, diretora da Fundação Alberto e Annette Giacometti de Paris. "Do que [Giacometti] gostava mais era da fluidez do barro e do gesso, materiais maleáveis, quentes e humildes. Isso foi algo revolucionário na época e antecipou a reação contra a dureza dos materiais adotada pelos escultores das décadas de 1960 e 70."


por Paulo Anunciação em Londres, in Diário de Notícias | 24 de julho de 2017

Notícia no âmbito da parceria Centro Nacional de Cultura | Jornal Diário de Notícias

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