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Côa pode entrar na lista do Património Mundial em perigo

João Zilhão, o arqueólogo que coordenou a criação do Parque Arqueológico do Côa, diz que a situação atual torna plausível uma decisão que seria “altamente desprestigiante” para o Estado português

Fotografia de Paulo Pimenta

 

“A situação atual é suficiente para que um cidadão, um grupo de cidadãos ou um organismo da sociedade civil requeiram a integração do Parque Arqueológico do Côa (PAVC) na lista do Património Mundial em perigo, uma coisa altamente desprestigiante para o Estado português, até tendo em conta o modo como a UNESCO apoiou o projeto”. O alerta é de João Zilhão, o arqueólogo que liderou a criação do PAVC, em 1996, que depois o tutelou através do então Instituto Português de Arqueologia, e que em 1998 coordenou a sua bem-sucedida candidatura a Património Mundial.

Zilhão interveio esta quarta-feira de manhã numa audição da comissão parlamentar de Cultura, Comunicação, Juventude e Desporto, realizada por proposta do PCP para ouvir várias entidades ligadas ao património acerca da situação do Museu e Parque do Côa, e em particular sobre o défice de vigilância que a recente vandalização da icónica Rocha 2 da Ribeira de Piscos veio pôr a nu.

Confrontado pelo PÚBLICO com esta possibilidade, o Ministério da Cultura afirma não reconhecer “qualquer situação de risco”, mas acrescenta que está “permanentemente disponível para dialogar com a UNESCO”.

Imediatamente antes deste aviso de Zilhão, a presidente da comissão portuguesa do Conselho Internacional de Monumentos e Sítios (ICOMOS-Portugal), Maria Magalhães Ramalho, já esclarecera os deputados de que, face a “uma situação que a cada dia que passa se torna mais grave”, defende a apresentação ao Comité do Património Mundial de um relatório sobre “o estado de conservação do bem”, propondo à UNESCO que abra um “processo de acompanhamento reativo” para avaliar a situação no terreno. Uma iniciativa que o ICOMOS preferia que fosse o Governo assumir, mas que, sublinhou a arqueóloga, pode ser desencadeada por outras entidades.

Ao longo da manhã de quarta-feira, os deputados ouviram José Morais Arnaud e Luís Raposo, da Associação dos Arqueólogos Portugueses (AAP), Mário Nuno Antas, responsável em Portugal do Conselho Internacional de Museus (ICOM), os já referidos arqueólogos João Zilhão e Maria Magalhães Ramalho, e ainda dois representantes dos trabalhadores da Fundação Côa Parque. E se houve ponto consensual em todas as intervenções foi a de recusar que a instalação de um sistema de videovigilância, medida anunciada pelo ministro da Cultura como uma das prioridades da futura direção da Fundação Côa Parque, possa ser uma opção eficaz para proteger o património do Côa. Por ser cara, por ser difícil de montar num lugar onde os pontos de energia podem estar a quilómetros de distância, por poder perturbar a própria paisagem do parque, já que, dada a escassez de árvores, seria presumivelmente necessário erguer postes, porque faltariam os técnicos para garantir a manutenção regular do sistema, e sobretudo porque só serviria, como notou Zilhão, “para apanhar os culpados, quando o objetivo da guardaria é impedir que haja culpados”.

Substituir os homens por máquinas “é uma solução dispendiosa, inadequada e contraproducente”, corroborou José Morais Arnaud, presidente da AAP, defendendo a reposição da guardaria e a criação de um corpo de guardas da própria Fundação (e não contratado com empresas de segurança), que eventualmente, sugere o arqueólogo, poderão ser formados para também funcionarem como guias.

A esta exigência consensual de que a guardaria seja imediatamente reposta nos sítios onde deixou de existir, designadamente na Ribeira de Priscos, um núcleo visitável que está há mais de dois anos sem qualquer vigilância, o gabinete de Luís Filipe Castro Mendes responde que o Ministério da Cultura (MC) já assumiu “o compromisso urgente de reforçar a vigilância” e que “o modelo a adotar será da competência do novo Conselho Diretivo da Fundação Côa Parque", que ainda não tomou posse. “A necessidade de guardas, combinados com um eventual sistema de videovigilância, é uma das possibilidades técnicas a ser equacionada”, informa ainda o MC.

Antes, na audição parlamentar pedida pelo PCP, no passado dia 6, Castro Mendes dissera que não se podia pôr um guarda atrás de cada rocha, afirmação muito criticada na sessão desta quarta-feira, quer por ser "o mesmo que dizer que é melhor acabar com a polícia porque não podemos ter um polícia em cada esquina”, notou André Santos, representante dos trabalhadores do Côa, quer por ser óbvio para quem conhece o local que “só os sítios conhecidos e abertos ao público é que correm riscos sérios de vandalismo”, defendeu João Zilhão, lembrando que o sistema de vigilância que sucessivos governos foram deixando degradar-se é na verdade uma herança da EDP e foi montado quando ainda não era certo que a barragem viesse a ser travada.

Lembrando que o MC foi atempadamente avisado para os riscos de vandalismo que a retirada dos guardas vinha criar, Luís Raposo defendeu mesmo que se o ministro, dois meses após a vandalização da Rocha 2 de Piscos, continuar a não tomar as medidas necessárias para resolver o problema, poderá vir a ser “judicialmente responsabilizado” por negligência caso ocorram novos atos de destruição patrimonial.

A continuidade em funções da administração assumidamente provisória presidida pelo diretor-regional de Cultura do Norte, António Ponte, “que nunca visitou as gravuras”, diz José Morais Arnaud, e “continua a mostrar um total desinteresse pela situação em que se encontra um património único no mundo”, é outro aspeto que mostrou preocupar todos os que foram ouvidos esta quarta-feira na comissão de Cultura. Um cenário agravado com a aposentação do até agora diretor do Museu e do Parque, António Martinho Baptista, argumenta Arnaud, para quem “todo o conjunto, incluindo o museu, se encontra à deriva”.

O gabinete do ministro, embora frisando que a atual administração se mantém em pleno funcionamento, assegura que o futuro Conselho Diretivo da Fundação Côa Parque “está pronto a tomar posse”. E se Castro Mendes já anunciara que o sucessor de Martinho Baptista iria ser escolhido por concurso público internacional, o seu gabinete precisa agora que “a escolha de um novo diretor será da competência do Conselho Diretivo”, mas que “há um consenso político entre as tutelas” para que este “realize essa seleção por um concurso público internacional que respeite as boas práticas”.


por Luís Miguel Queirós in Público | 16 de junho de 2017
Notícia no âmbito da parceria Centro Nacional de Cultura | Jornal Público

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