Roteiros
Rota dos Judeus
Inicia-se na Costa Verde a primeira de quatro rota de judeus a publicar, reveladoras da rica infuência da cultura sefardita.
A “Sefarad” era a designação da Península Ibérica em ladino, a língua comum dos judeus desta região. No século XV é em Portugal que se concentra esta afirmação. Não é, aliás, possível compreender o extraordinário desenvolvimento científico e técnico em Portugal neste período sem a referência à ativa participação judaica sefardita nos domínios económico, financeiro, científico, desde a medicina às navegações, e teológico – com especial destaque para a introdução da imprensa. Teve razão Antero de Quental em salientar na sua célebre conferência de 1871 esse facto incontestável.
Apesar das resistências e limitações de índole política e religiosa, a verdade é que em Portugal, a empresa das “Descobertas”, desde o Infante D. Henrique a D. João II, contou com o contributo decisivo de uma elite intelectual originária de diversos horizontes culturais, sem a qual não teria sido possível chegar onde se chegou. Se os modelos da sociedade medieval exigiam a separação de credos e de minorias étnicas, dando lugar às Judiarias e às mourarias, o certo é que até ao século XIV houve uma tradição portuguesa de não impor barreiras físicas rígidas. Apesar de esses limites terem sido adotados no final daquele século (através de muros e portais), a verdade é que há indícios inequívocos de uma significativa integração e respeito mútuo, que explicam, aliás, a grande influência da cultura sefardita nos meios intelectuais, académicos e financeiros. O final do século XV foi marcado pela atitude de D. João II de receber os judeus expulsos de Espanha e, depois da morte deste e do decreto de expulsão de Portugal de 1496, notou-se a tentativa de D. Manuel, sem sucesso, de evitar uma hemorragia intelectual e financeira, que viria a revelar-se com efeitos dramáticos. O massacre dos judeus em Lisboa de 1506 marca uma trágica viragem. É desse tempo o reforço da rota das montanhas e do interior e da fixação das comunidades de “marranos”, com centros marcantes em Belmonte, Guarda e Trancoso. As rotas dos judeus em Portugal são, no fundo, reveladoras de uma muito rica influencia da cultura sefardita na identidade portuguesa e hispânica.
Vida Quotidiana
A comunidade judaica constituía um corpo específico dentro da estrutura da sociedade medieval portuguesa. Os judeus possuíam diferentes estâncias de representação, com uma hierarquia própria. O número mínimo de dez judeus formava uma “comuna”, que tinha como centro aglutinador a sinagoga. As comunas tinham o poder de se organizar e viver como entidades administrativas independentes do concelho em que se localizavam.
A par do termo comuna, utilizava-se também o de judiaria (ou judaria). A utilização da palavra judiaria designava o espaço físico da instalação dos judeus nas povoações, enquanto o termo comuna dizia respeito ao conjunto da população judaica duma localidade, instalada em uma ou mais judiarias. Estas, conforme o número de habitantes, podiam ocupar uma rua, ou parte desta, como um bairro inteiro.
De acordo com os modelos da sociedade medieval europeia, o princípio de separação de credos religiosos e minorias étnicas vigorava em Portugal e refletia-se na organização das cidades e nas ambiências da vida urbana.
Até ao reinado de D. Pedro I (1357-1367), as Judiarias, tal como as mourarias, não tinham barreiras que as delimitassem fisicamente. A partir deste reinado, passaram a ter portões que se fechavam durante a noite e limitavam as áreas de circulação de judeus, mouros e cristãos. A convivência entre os membros das diferentes religiões foi também regulamentada e, por isso, estabelecidos horários de circulação entre as áreas. Havia casos excecionais, como o dos médicos, que para atender doentes poderiam sair da Judiaria a qualquer hora.
Cada judiaria possuía a sua sinagoga, que era o centro da vida comunitária e tinha as funções de templo, assembleia, tribunal e até escola. Podia incluir outros edifícios, como o açougue, o hospital ou gafaria, a cadeia, os banhos e as estalagens. Não tendo dimensão suficiente para todos os serviços, as comunas utilizavam os existentes noutras comunas do concelho ou partilhavam equipamentos comuns.
Costa Verde
Zona noroeste de Portugal, entre os rios Douro e Minho. Aqui as comunas medievais de judeus tiveram um papel preponderante na economia regional. Mercadores e artesãos abasteciam o pequeno comércio local. Assim se desenvolveram importantes centros económicos, artísticos e literários, onde algumas figuras da comunidade judaica tiveram papel preponderante e as feiras, contribuindo para o desenvolvimento de cidades e vilas do litoral e do interior, articulando-as com o resto do país. Durante a primeira dinastia, muitas famílias de judeus prestaram um importante auxilio aos reis na organização do território e da economia. Por isso prosperaram comunidades judaicas em Guimarães, Braga, Vila do Conde, Ponte de Lima e Viana. A organização de judiarias com delimitação urbana fez-se sobretudo nos séc. XIV e XV. Depois da expulsão (1496), muitos cristãos-novos emigram para o Brasil e Índia.
1. Porto
Uma das principais cidades do reino, com marcada tradição comercial e burguesa, o Porto foi um dos maiores polos de concentração de judeus durante a Idade Média. A sua instalação na cidade remonta a épocas recuadas e, de acordo com referências documentais do século XV a mais antiga Judiaria esteve localizada no interior da cerca velha, na atual Rua de Sant’Ana, (antiga Rua das Aldas. Sinagoga), que desce da Igreja de N. Sra. Da Vitória até à Rua de Belmonte, referência à antiga localização da Judiaria.
Em função do aumento da comunidade, criou-se outra Judiaria extramuros, que se localizou perto da Rua Escura, entre esta e a Rua Chã. Outro núcleo foi criado em 1 386, quando D. João I ordenou ao concelho que estabelecesse lugar próprio para a instalação dos excedentários da comuna, em sítio que os mantivesse protegidos da guerra que, na época, decorria contra Castela. Estes foram instalados então no Campo do Olival. A Judiaria Velha, ou de Baixo, estava circunscrita pelos caminhos que de S. Domingos se dirigiam para o postigo da Esperança e para a Porta das Virtudes, centrada na Rua da Minhata ou de S. Miguel de Baixo. A Judiaria de Cima expandiu-se em direção à Porta do Olival e ao longo da Rua de S. Miguel. Deste conjunto, a toponímia urbana atual faz uma referência nas Escadas da Victória, ainda popularmente designadas como escadas da Esnoga (deturpação de Sinagoga), que descem da Igreja de N. Sra. Da Vitória até à Rua de Belmonte.
O Porto possuía ainda mais duas judiarias, a de Monchique e a de Gaia. Da primeira, a toponímia conservou o nome da Rua do Monte dos Judeus. Nesta área foi encontrada a Inscrição de Monchique, lápide que atualmente se encontra no Museu Arqueológico do Carmo, em Lisboa. Na Igreja de S. Bento da Vitória, uma inscrição em Latim faz também referência à antiga localização da Judiaria naquela área.
No séc. XIX, assistiu-se à instalação de uma nova comunidade e, no início do séc. XX, Artur Barros Basto, ele próprio um “marrano” que assumiu o judaísmo, iniciou um movimento de reativação e expansão designado “Obra de Resgate”. Em 1927, Barros Basto, juntamente com os judeus locais, organizou a Kahal Kodosh Mekor Haim (Sagrada Congregação da Força da Vida). Dois anos depois, com a ajuda financeira da família de Etijah Kadoorioe, a congregação mandou construir a Sinagoga na Rua Guerra Junqueiro com o nome de Beth Hak’nesseth M’Kor Chayim Kadoorie. Aqui se centra ainda hoje a vida religiosa e cultural dos judeus da cidade do Porto e do Norte do País.
2. Viana do Castelo
Eram numerosos os Judeus entre os mercadores e mesmo entre os navegadores que se dedicavam ao comércio com os países do norte da Europa. Em 1442, os procuradores da então chamada Viana da Foz do Lima requereram ao rei D. Afonso V a delimitação do bairro dos judeus que ocupava, na altura, uma das maiores praças do centro histórico. Todo o conjunto das antigas ruas comerciais do centro histórico perpetua hoje a memória desta vivência.
3. Ponte de Lima
Antiga povoação do vale do rio Lima, teve a Judiaria nos séc. XIV e XV. Os membros eram os dinamizadores da feira. A vila fortificada, com os edifícios medievais e muitas fachadas góticas, guarda a lembrança de uma das mais vitais comunidades económicas a norte do Douro, no percurso do Lima.