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Fortaleza de Peniche deverá ser um museu nacional da resistência

Proposta do grupo consultivo prevê a concessão de espaços para restaurante e cafetaria, mas não para uma pousada.

Algumas áreas da antiga prisão política estão abandonadas há décadas [Foto: Daniel Rocha]

 

O grupo consultivo nomeado pelo ministro da Cultura para encontrar uma solução para o futuro da Fortaleza de Peniche chegou à conclusão de que este monumento nacional não deve ser parcialmente transformado numa pousada, como previa o Revive, o programa criado pelo Governo tendo em vista a recuperação do património para fins turísticos. A fortaleza, diz o documento entregue esta segunda-feira ao ministro, deve ser, prioritariamente, afetada a um museu, mas a proposta prevê também a existência de restaurante, cafetaria, auditório e posto de turismo cultural.

A Fortaleza de Peniche, cuja construção recua até ao século XVI-XVII, deve grande parte da sua fama a ter guardado a mais infame prisão política do Estado Novo, onde foram presos durante 40 anos os opositores ao regime ditatorial. Foi aqui que se deu a célebre fuga de Álvaro Cunhal, secretário-geral do PCP.

A "afetação prioritária à função museológica", acrescenta o documento de 14 páginas, passa por um projeto capaz de se afirmar "como testemunho vivo da repressão nas prisões do regime fascista, mas também da luta pela liberdade e a democracia", permitindo "sobretudo às novas gerações um contacto direto, pedagogicamente orientado, com essas realidades e memórias". Ao mesmo tempo, "a recuperação e requalificação da Fortaleza de Peniche para esse fim é um ato de justiça". 

Foi com estes dois pontos que depois de receber a proposta o ministro da Cultura se comprometeu. "O que diz respeito à nossa parte é o museu nacional da resistência – se lhe quisermos assim chamar, depois veremos o nome –, e a recuperação patrimonial", explicou ao Público Luís Filipe de Castro Mendes. O museu terá "uma dimensão nacional", mas para já é prematuro definir se o termo significa a sua integração no organismo da Cultura responsável pelos museus nacionais, que é a Direcção-Geral do Património Cultural.

Para o modelo de gestão, o grupo defende "a criação de uma entidade gestora" da fortaleza, com "modelo e mandato legal" definidos, que tenha a "participação da administração central, local e outras entidades". Pediu também a designação "de uma comissão específica para a instalação do núcleo museológico".

O presidente da Câmara Municipal de Peniche, António José Correia, sublinha ao Público que o documento apresentado ao ministro pelo grupo de trabalho foi aprovado por unanimidade. A expectativa deste independente eleito pela CDU (PCP e Os Verdes), que está no seu último mandato, é que seja anunciada alguma coisa ainda em abril, no mês da liberdade, a partir do "conjunto de pistas de utilização" avançado pelo grupo de trabalho. Mas avisa: “Sem dinheiro não se compram melões.” 

“O grupo fez uma proposta ao ministro. Para lá do que o grupo propôs fazer, estou expectante com o que o Governo quer fazer. Ou seja, o que vai fazer com base nos contributos que recebeu.” A unanimidade que o grupo foi capaz de encontrar, ressalva, não se refletiu na Câmara Municipal de Peniche, onde o PSD votou contra a proposta apresentada no documento — por “não dar qualquer garantia de financiamento” e “não deixar claro” que entidades assumirão a gestão, justificou à Lusa o vereador social-democrata Filipe de Matos Sales.

Atualmente, apesar de aí estar instalado o Museu Municipal de Peniche, com um núcleo dedicado à resistência ao fascismo e outro às artes da pesca, a Fortaleza de Peniche apresenta partes muito degradadas. Num orçamento preliminar feito no passado, a Câmara de Peniche avançava com 5,5 milhões de euros só para obras de conservação.

O projeto museológico, defende o grupo, deve incluir as diversas fases históricas da fortaleza e abrir-se à "criação de um núcleo de atividades e negócios ligados ao mar", albergando, nomeadamente, "uma incubadora de empresas ligada à economia do mar, atraindo startups associadas à indústria do surf e desportos de ondas, pesca, biologia marítima e turismo".

Sobre a vertente tecnológica ou das startups ligadas ao mar, o ministro da Cultura diz que “há muitas ideias”, mas que os dois grandes objetivos do Ministério da Cultura são “o museu” e “a conservação do monumento, que tem a ver com a fortaleza seiscentista e com a memória da resistência contra o fascismo e a luta pela liberdade”. “A parte cientifica-tecnológica e a das startups ligadas ao mar são ideias excelentes, mas isso é melhor perguntar aos meus colegas da ciência e da economia, porque todos os planos são bem-vindos." 

Avanços e recuos

Foi em Setembro do ano passado que o Governo de António Costa anunciou a inclusão do projeto de adaptação da Fortaleza de Peniche a pousada no Programa Revive, que pretende concessionar cerca de 30 monumentos degradados a investidores privados durante períodos de 30 a 50 anos, tendo como contrapartida a sua reabilitação, num investimento previsto de 150 milhões de euros.

Um mês depois, em outubro, foi entregue uma petição na Assembleia da República, defendendo que a decisão punha em causa “a preservação da memória histórica do que foi o regime fascista e a luta pela liberdade, bem como as funções e características do monumento”. Já em Novembro, o Forte de Peniche acabaria por ser retirado do Programa Revive. Nessa altura, o presidente da Câmara, que defendia a instalação de uma pousada na fortaleza, apresentou o seu protesto junto do ministro da Cultura, lamentando que a fortaleza fosse retirada do programa sem uma contraproposta. 

Já este ano, o Ministério da Cultura nomeou o grupo de trabalho que agora apresentou esta proposta, com o objetivo de apresentar possíveis usos para a fortaleza. O grupo, presidido pela diretora-geral do Património, é constituído por dez pessoas, quatro das quais foram nomeadas pelo ministro da Cultura (Adelaide Pereira Alves, do PCP; Alfredo Caldeira, do Arquivo e Biblioteca da Fundação Mário Soares; Gaspar Barreira, ex-preso político e cientista; e José Pedro Soares, ex-preso político e membro da União dos Resistentes Antifascistas Portugueses). Além de Paula Silva, os representantes da administração pública são Jorge Leonardo, chefe do gabinete do ministro da Cultura, Hernâni Loureiro, adjunto do mesmo ministro, Inês Sequeira, representante da Secretaria de Estado do Turismo, e António José Correia, presidente da Câmara de Peniche. Este último indicou ainda o historiador João Bonifácio Serra.

O documento entregue pelo grupo tem ainda um último capítulo dedicado ao financiamento e ao modelo de gestão da fortaleza. Defende-se que é preciso executar o que já ficou previsto em sede de discussão do Orçamento de Estado para 2017, quando foi aprovado um plano urgente de reabilitação da fortaleza (apesar de isso não ter tido qualquer expressão no orçamento). Os peritos querem “um programa plurianual de financiamento para a recuperação e valorização da Fortaleza de Peniche, bem como uma rúbrica orçamental em sede de Orçamento de Estado destinada à gestão pública do complexo da fortaleza”.

Na construção de um orçamento destinado à gestão do museu, prevê-se como “outras fontes de financiamento” a concessão de espaços, ao lado do mecenato, do crowdfunding, dos fundos comunitários, do orçamento municipal e da bilhética.

O ministro diz que o projeto "não é para se fazer num espaço curto de um exercício orçamental": "Posso dizer é que este ano vamos fazer alguma coisa e que certamente entre as tarefas que temos está a elaboração desse orçamento plurianual." Com verbas, "embora haja muitos números a circular", Castro Mendes não se quer comprometer.

 


por Isabel Salema, in Público | 17 de abril de 2017

Notícia no âmbito da parceria Centro Nacional de Cultura | Jornal Público

 

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