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The Doors. Meio século é eternidade para estreia superlativa

Revelou um poeta, expôs um performer, apresentou um grupo capaz de bater o pé aos britânicos. Morrison & C.ª continuam a lutar pelo título de melhor álbum de estreia de sempre. The Doors faz 50 anos e volta a ser escutado.

O álbum em que os Doors de Morrison e companhia dão o salto, de coqueluche universitária a fenómeno global

 

A primeira canção lança, sem subterfúgios, o desafio: "break on through to the other side". Em tradução livre, dir-se-ia um convite ou uma instrução dirigido/a a quem ouve, para que "se passe para o outro lado". De entrada, ficava imediatamente explicada a tese do nome do grupo, que abreviou o conceito de "the doors of perception" [as portas da perceção] que, além dos aspetos psicológicos e filosóficos, também não escondia a alusão aos excessos e aos consumos "proibidos" ou, ao menos, fortemente desaconselhados. Por outras palavras, Jim Morrison, Ray Manzarek, Robbie Krieger (que só começara a tocar guitarra elétrica seis meses antes de chegar ao quarteto) e John Densmore (baterista muito influenciado pelo jazz) mostravam rapidamente ao que vinham - e vinham em nome do rock psicadélico, marcadamente dependente das palavras que Morrison escrevia em qualquer situação, a propósito de tudo e de nada. Era a partir da poesia que quase tudo era construído, cabendo a conceção do embrulho sobretudo a Manzarek, que não só se ocupava das partes tradicionalmente reservadas a uma guitarra-baixo, transferindo-as para um Fender Rhodes e redimensionou o papel do órgão no rock, como ainda era a voz predominante na definição dos arranjos.

A 4 de janeiro deste ano, completou-se meio século sobre a edição original de The Doors, álbum de estreia do grupo formado em Venice por dois californianos (Krieger e Densmore), um nativo de Chicago, Illinois (Manzarek) e um homem vindo de Melbourne, Flórida (Morrison).

Curiosamente, a indústria das efemérides decidiu esperar três meses para assinalar a data, produzindo uma edição especial que soma, em três CD distintos, a mistura original em mono, a remistura para estéreo e também um concerto datado de 7 de março de 1967, no Matrix (em que, face ao álbum, falham três canções: I Looked at You, End of the Night e Take It as It Comes). A edição contempla ainda a mistura original em vinil e um livro com textos de David Fricke (jornalista e divulgador musical) e de Bruce Botnick (engenheiro de som da gravação de 1966). Permite, por exemplo, descobrir duas "versões" muito diferentes do primeiro grande êxito da banda, Light My Fire, que, por razões técnicas difíceis de discernir, surge muito mais lenta na mistura mono. Krieger disse, a este respeito, que, felizmente para os músicos, "houve oportunidade de retificar a velocidade quando foi lançado o single que, caso contrário, talvez não tivesse tido a mesma resposta do público".

O "despedimento" abençoado

Este álbum que mostrou que os Doors podiam ultrapassar - e muito - um sólido culto local, deixando de ser apenas uma coqueluche universitária, tornou-se mais um dos muitos casos em que responsáveis da indústria erraram de forma grosseira. Basta pensar que, antes de se comprometerem com a etiqueta Elektra (que, como refere Robbie Krieger, parecia, antes dos Doors, "reservada aos folks e aos flamencos"), estes músicos estiveram sob contrato com a poderosa Columbia que, em boa verdade, nunca viu neles uma prioridade. Rompido o acordo, com os Doors a anteciparem-se a um "despedimento" anunciado, tudo mudou, mesmo depois de Break on Through (To the Other Side), primeiro single do disco, ter falhado o assalto às listas de mais vendidos. Como se disse, Light My Fire relançou tudo: The Doors chegou ao segundo lugar da lista da Billboard, atrás do inalcançável Sgt. Pepper"s Lonely Hearts Club Band, dos Beatles, vendeu mais de vinte milhões de cópias e marca presença em todos os inquéritos, da crítica especializada ou do público consumidor, que visam escolher os melhores álbuns da idade rock.

De resto, é ainda mais notável pensarmos que, considerados apenas os discos de estreia, serão poucos - se é que há algum... - aqueles que podem ombrear com este arranque, que faz conviver o visceral Light My Fire com o desapaixonado e angustiante The End (que Francis Ford Coppola voltou a "imortalizar" quando repescou a canção para o arranque do épico Apocalypse Now), ou o sarcasmo inteligente de Twentieth Century Fox com a piscadela de olho erudita, sensível na inclusão de Alabama Song (Whiskey Bar), da autoria de Bertolt Brecht e Kurt Weill, escrita originalmente em 1927 e depois popularizada na ópera A Ascensão e Queda da Cidade de Mahoganny. Globalmente, o álbum transborda energia e, tanto pela forma como pelo conteúdo, é mesmo um daqueles que acrescenta novos mundos ao mundo. Até pelo que deixa antever quanto aos desempenhos do "touro enraivecido" que era James Douglas Morrison, pletórico de força, ambição, talento e libido, no apogeu dos seus 22 anos. O que, com o desregramento total inerente, também não tornava difícil a previsão de que se consumasse a "profecia" cinéfila de John Derek: "viver depressa, morrer novo e ter um belo cadáver". Morrison morreria apenas quatro anos e meio depois (Julho de 1971), juntando-se ao clube da maldição dos 27 (é longa a lista dos músicos de primeira linha que tombaram aos 27 anos, nenhum deles por causas naturais, como se imagina), depois de Brian Jones (Rolling Stones), Jimi Hendrix e Janis Joplin, antes de Kurt Cobain (Nirvana) e Amy Winehouse.

Quanto ao disco agora festejado, uma última nota: ele deixa marca e sobressai num ano em que a concorrência não andou propriamente a perder-se em brincadeira: além do suprassumo Sgt. Pepper"s, registam-se Surrealistic Pillow, dos Jefferson Airplane, Their Satanic Majesties Request, dos Rolling Stones, The Piper at the Gates of Dawn, estreia dos Pink Floyd, The Velvet Underground & Nico, dos Velvet Underground, Are You Experienced?, de Jimi Hendrix, Days of Future Passed, dos Moody Blues, e Songs of Leonard Cohen, de Leonard Cohen. Tempos de abundância, para não alongar a conversa...


por João Gobern, in Diário de Notícias | 6 de abril de 2017 

Notícia no âmbito da parceria Centro Nacional de Cultura | Jornal Diário de Notícias

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