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"Queremos muito que os fadistas sintam o Museu como a sua casa"

Exposições, edições, concertos, festivais, edições de livros e discos, residências artísticas, aulas: depois da declaração da UNESCO, o Museu do Fado é cada vez mais um centro cultural polivalente.

Sara Pereira, diretora do Museu do Fado_Daniel Rocha

 

Esta terça-feira, começa no Museu do Fado, em Lisboa, uma série de conversas com Mísia subordinadas ao tema As Músicas e as Palavras. Serão seis ao todo, durante as quais ela falará e cantará tendo como pretexto os seus 25 anos de carreira e por guia um roteiro que ela própria escreveu. E há também uma exposição com fotos de C.B. Aragão, tiradas em diversos momentos da carreira da cantora e fadista. Ao mesmo tempo, prossegue às segundas-feiras no espaço do museu a Comunidade Fado Para Todos, dirigida por Aldina Duarte, agora sobre A Poesia no Fado. Começou a 2 de fevereiro e termina a 27 de março. E se olharmos para as muitas iniciativas que levam o “carimbo” do museu veremos concertos (como os de Ricardo Ribeiro ou Camané no São Luiz), livros, discos, festivais, aulas e, claro, exposições. É um caminho natural, que se estende a outros museus: não se resumirem ao que expõem e irem mais além.

Mas no caso do Museu do Fado, que nasceu como Casa do Fado e da Guitarra Portuguesa, o grande salto foi proporcionado pela candidatura do fado a património Imaterial da Humanidade. “O Museu foi o esteio da candidatura”, diz o musicólogo Rui Vieira Nery, que teve um papel fulcral nesse processo. “Era ali que tínhamos os arquivos todos, a investigação nas universidades foi feita em ligação com o museu, há numerosa documentação ali depositada.” Sara Pereira, diretora do museu, diz que derivam do plano de salvaguarda apresentado à UNESCO as muitas atividades que a partir dali se organizam.

Há edições de livros, como as que permitiram a “ressurreição” fac-similada de obras relevantes há muito fora do circuito comercial (estas em parceria com o PÚBLICO e a Bela & o Monstro) ou o planeamento de obras de raiz em parceria com a Imprensa Nacional-Casa da Moeda. No prelo está, por exemplo uma antologia da poesia contemporânea, organizada por Maria do Rosário Pedreira e Aldina Duarte; e, para edição próxima, uma antologia do fado na arte portuguesa, da própria Sara Pereira (que fez essa pesquisa no âmbito do seu doutoramento). Sara fala ainda de “um estudo muito importante que Rui Vieira Nery está a fazer e será um levantamento do fado no ensaio e na ficção”, mas esse estudo deverá ficar-se apenas pelo ensaio, como diz o seu autor. “Devemos concentrar-nos no ensaísmo. Com Ramalho, Eça, Fialho de Almeida, Luís António Palmeirim, os artigos de Frederico de Freitas (se conseguirmos licença da família), autores brasileiros como Mário de Andrade. E gostava de fechar com o artigo do Joaquim Pais de Brito na revista Etnologia, o primeiro grande ensaio dele sobre o fado.”

Discos, aulas, uma oficina

A par dos livros, há também edição de discos. Não queremos competir com as editoras, queremos complementar o mercado”, diz Sara Pereira. No fundo, queremos apoiar os artistas, dar-lhes um bilhete de identidade com que se possam apresentar em qualquer parte do mundo.” Já foram editados discos de José Manuel Neto e Tânia Oleiro, por exemplo. Mas também está programada a reedição de gravações históricas e raras. “Temos um trabalho bastante sólido de digitalização e de gravação dos registos sonoros mais antigos, era um eixo programático fundamental do nosso plano de salvaguarda, o arquivo sonoro digital. Finalmente, no ano passado, disponibilizámos o arquivo sonoro ao público a partir do nosso site, onde é possível pesquisar milhares de gravações históricas das primeiras décadas do século XX.” De várias coleções. “Esse é um trabalho sistemático do museu, um trabalho de bastidor.”

O ensino artístico faz também parte da oferta educativa do museu. “Desde 2001 temos uma escola de guitarra, agora com mestre António Parreira na guitarra portuguesa, Guilherme Carvalhais na viola, seminários de poesia com Daniel Gouveia, que também abrem pontualmente ao longo do ano. Mas a guitarra portuguesa é a alma da nossa escola. Ainda na semana passada tivemos cá um antigo aluno, Kasu Fumi, que aprendeu aqui a tocar guitarra há catorze anos e hoje é professor de guitarra em Osaka e organizou um festival de fado no Japão.” Na área educativa há ainda outro projeto a concluir em breve: uma oficina de construção de guitarra nas imediações do museu, no Largo das Alcaçarias.

Conversas com música

Voltando à Comunidade Fado Para Todos (que vai na quarta edição): os participantes, orientados por Aldina Duarte, escutam os fados “e conversam sobre a interpretação, a poesia e as melodias.” Sara: “Nós não permitimos mais de 30 alunos por turma e tem atingido o limite.

Começou com oficinas de fado, também dirigidas pela Aldina, e criou de facto um grupo de alunos que a seguem e que são hoje em dia uma comunidade que vai passando o testemunho.” “Isto é um projeto de continuidade. Por exemplo: neste da poesia, eles escrevem as letras, ensaiam, cantam. Nós tivemos um outro projeto com a Aldina, que está disponível no nosso site, que se chama Fados e Tudo e que são conversas dela com personalidades vindas de outras áreas. Aqui, fica a experiência: as comunidades vão-se repetindo.”

Quanto à residência artística de Mísia, também inclui debates e música. “Haverá conversas e ela vai cantar alguns temas. Foi uma proposta nossa para assinalar os 25 anos de carreira. Se a convidámos para o CCB [um concerto marcado para 19 de maio, intitulado Mísia e os Seus Poetas] fazia todo o sentido trazê-la ao museu e prestar-lhe essa homenagem. Agora o programa foi ela que o apresentou.”

Lá fora e cá dentro

O Museu do Fado é também co-produtor de festivais internacionais (Madrid, Sevilha, Buenos Aires, Bogotá, Rio de Janeiro, São Paulo). Em termos expositivos, uma novidade: “Temos com o Google Cultural Institute um para disponibilizar online várias exposições do Museu: o Fado e o Cinema, o Fado e o Teatro, o Fado e a Moda, por exemplo.” E no quadro da Lisboa Ibero-Americana haverá um colóquio científico em outubro, Canções de Ida e Volta, e duas exposições temporárias, uma sobre o filme Fados, do Saura, em maio; e outra sobre a representação dessas músicas na pintura, em outubro.

E a relação do museu com a comunidade fadista? “Essa é a preocupação número um”, diz Sara Pereira. “Querermos muito que os fadistas se sintam em casa. Este espaço é do munícipe, do turista, de todos os portugueses, mas é antes de mais dos artistas.” Rui Vieira Nery acrescenta: “O Museu é o sítio em que a comunidade do fado, praticantes e estudiosos, se encontra para o desenvolvimento do género. E isso deve-se sobretudo ao mérito da Sara em conseguir criar pontes. Neste momento o Museu do Fado é uma plataforma giratória que se articula com todos os sectores da comunidade do fado, mesmo os que estão separados ou são adversários e acham que cada um é que tem a exclusividade do fado autêntico.”


por Nuno Pacheco, in Jornal Público | 14 de março de 2017
Notícia no âmbito da parceria Centro Nacional de Cultura | Jornal Público

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