Notícias
Um ano para lembrar os dez que já passámos sem Mário Cesariny
Uma exposição antológica no Centro Cultural de Belém marca o início de um extenso programa de comemorações que inclui a reunião num só volume de toda a poesia do autor surrealista.
A exposição Mário Cesariny: De cor e salteado, que esta terça-feira foi inaugurada no Centro de Congressos e Reuniões do Centro Cultural de Belém (CCB), em Lisboa, abre todo um ano de comemorações dos dez anos da morte do poeta e pintor surrealista, que culminará em Outubro com a até aqui inédita reunião da sua poesia completa num único volume, a editar pela Assírio & Alvim. Será, explicou o editor Manuel Rosa à agência Lusa, a primeira de três edições críticas: à poesia seguir-se-ão os volumes consagrados à sua prosa poética e aos manifestos surrealistas, ainda sem data de lançamento agendada.
Por enquanto, e até 17 de abril, o CCB recebe uma exposição composta por mais de 30 obras de arte da Coleção de Mário Cesariny, incluindo algumas das mais antigas. Ali chegaram vindas da Fundação Cupertino Miranda, detentora de um importante e representativo acervo de arte do surrealismo português. A abrir Mário Cesariny: De cor e salteado, e ocupando uma parede inteira, está o poema Faz-se luz, retirado do livro Pena Capital.
Na apresentação do programa com que se pretendem assinalar estes dez anos sem Mário Cesariny, o presidente do CCB, Elísio Summavielle, disse aos jornalistas que a instituição celebrará o próximo Dia Mundial da Poesia, a 25 de março, com uma série de evocações do autor, incluindo a estreia mundial de uma composição de Christopher Bochmann feita a partir dos seus versos e uma maratona de leituras "por diferentes personalidades". A instalação vídeo Poema Colagem – Homenagem a Mário Cesariny, o documentário de Miguel Gonçalves Mendes sobre o artista, Autografia, que recentemente regressou às salas em versão restaurada, e uma conversa sobre o artista também integram o tributo, de entrada gratuita.
José Manuel dos Santos, diretor cultural da Fundação EDP, evocou as diversas facetas artísticas do "grande poeta que era Mário Cesariny, que está sempre a ser descoberto e que, por isso, continua vivíssimo": "Muitas vezes se disse que era um poeta que também pintava. Poderia dizer-se o contrário, porque a sua pintura, como a poesia, era muito inovadora", afirmou. Lembrou também o "grande apreciador de música" que era, tendo aprendido a tocar piano com Lopes-Graça: "Mário Cesariny sentava-se ao piano, punha a tocar no gira-discos o concerto para piano e orquestra de Grieg, e tocava ao mesmo tempo", contou, referindo que por isso essa será uma das peças que serão tocadas pela Orquestra Sinfónica Juvenil no Tributo a Mário Cesariny do próximo dia 25. A orquestra vai tocar também outras obras de que Cesariny gostava, como a abertura de Tristão e Isolda, de Wagner, e as valsas de Erik Satie.
Também a Casa Pia evocará o poeta surrealista, lendo a sua poesia e executando peças de Ravel, Georg Frideric Handel e Johann Sebastian Bach.
No dia do aniversário de Cesariny, 9 de agosto, haverá uma evocação do artista no Largo da Oliveirinha, situado junto à Calçada da Glória, um dos seus percursos preferidos em Lisboa. Depois, em Setembro, será inaugurada uma exposição de fotografias de Duarte Belo e Susana Paiva, na Galeria do Núcleo Museológico do Cemitério dos Prazeres; e, em Novembro, coincidindo com a data da morte do artista, terão lugar os XI Encontros Mário Cesariny, organizados pela Fundação Cupertino de Miranda, com poesia dita, apresentação de livros e uma seleção dos melhores espetáculos dedicados ao poeta realizados ao longo das anteriores edições dos encontros.
Edições e reedições
Também em outubro, por alturas do lançamento do volume que pela primeira vez compilará toda a poesia de Cesariny, a Assírio & Alvim prevê editar correspondência inédita do poeta surrealista.
Comentando a reunião da poesia completa do autor, que "Mário Cesariny nunca quis que se fizesse enquanto fosse vivo", o editor Manuel Rosa disse à Lusa tratar-se de "uma mudança editorial significativa": "A edição crítica tem importância, porque vem permitir integrar poemas que não estão integrados em nenhum dos livros individuais". "Mário Cesariny alterou poemas de uns livros para os outros e alguns não encontraram publicação recente. Alguns foram publicados avulsos em antologias dispersas ou revistas surrealistas internacionais, que nunca encontraram lugar em livro e vão agora integrar a edição crítica", acrescentou.
Antes, já em maio, será reeditada Primavera Autónoma das Estradas (1980), o último livro de poemas de Mário Cesariny (1980), revisto e aumentado pelo autor em 2005.
Outra novidade será a publicação inédita, numa edição conjunta da Documenta e da Fundação Cupertino de Miranda, da correspondência de Mário Cesariny com "Laurens Vancrevel, um editor holandês e colecionador de arte, que tem das melhores pinturas de Cesariny de 1950/1960", e que "manifestou intenção de doar a [sua] coleção de pintura à Fundação Cupertino de Miranda". "Nessa correspondência inédita, Cesariny fala com muito pormenor da situação literária portuguesa e da sua própria poesia. É um valor acrescentando, porque, com Laurens Vancrevel, Cesariny sentia necessidade de se explicar melhor do que se falasse com um português", precisou Manuel Rosa, sublinhando que, no caso deste autor, "um simples postal ou carta para um amigo tem sempre um registo poético extraordinário". Entre a correspondência de Mário Cesariny já publicada contam-se volumes como Gatos comunicantes – Correspondência entre Vieira da Silva e Mário Cesariny, 1952-1985, Cartas para a Casa de Pascoaes, Cartas de Mário Cesariny para Cruzeiro Seixas e Um sol resplandecente nas coisas – Cartas de Mário Cesariny para Alberto de Lacerda.
Está ainda prevista a publicação do audiolivro Poesia de Mário Cesariny, dita por Graça Lobo e Mário Cesariny, numa edição Assírio & Alvim. "Os audiolivros são importantes para conhecer a poesia de Mário Cesariny", justificou Manuel Rosa, retomando as palavras de José Manuel dos Santos que antes afirmara ser "extraordinária a forma como ele interpreta a sua própria poesia". O próprio Herberto Helder terá admitido que ficou a gostar muito mais da poesia do autor de Titânia depois de a ter ouvido ser dita pelo próprio, contaram.
O programa de edições e reedições da obra de Cesariny em 2017 vai chegar ao Brasil, onde a Chão da Feira irá publicar Uma Grande Razão –Antologia Poética de Mário Cesariny.
por Lusa e Jornal Público | 8 de março de 2017
Notícia no âmbito da parceria Centro Nacional de Cultura | Jornal Público