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A Gulbenkian vai mostrar mais o que tem

Penelope Curtis quer ter a "coleção moderna sempre à vista" – e ao mesmo tempo mostrar que o acervo reunido pelo fundador "está vivo" e pode continuar a inquietar. 

 

Penelope Curtis parece já se sentir em casa. À mesa do pequeno-almoço, falando aos jornalistas do novo modelo de programação que põe em prática a partir desta sexta-feira, a diretora do Museu Calouste Gulbenkian, em Lisboa, expõe com serenidade objetivos e expectativas. Quer, di-lo-á mais do que uma vez ao longo da conversa e da visita guiada em contra-relógio às quatro exposições que se prepara para inaugurar, ter a “coleção moderna sempre à vista” e mostrar, nos diálogos que com ele pode estabelecer, que o acervo reunido pelo fundador “está vivo” e pode muito bem continuar a inquietar.

Na nave central do antigo Centro de Arte Moderna (CAM) da Fundação Gulbenkian – desde que aqui chegou, há um ano e meio, esta designação desapareceu, estando as coleções moderna e do fundador sob o mesmo nome, Museu Calouste Gulbenkian – Penelope Curtis está no seu ambiente. O piso zero está a partir de agora ocupado sobretudo pela escultura – área de especialidade desta historiadora de arte que em 2009 se tornou a primeira mulher a dirigir a Tate Britain, em Londres –, dos monumentos públicos de glorificação das grandes figuras históricas nacionais que a Primeira República plantou em praças e jardins espalhados pelo país no início do século XX, até à atualidade, fechando com uma obra de Miguel Palma de 2006, um modelo original de uma bomba de napalm (Upa! União dos Povos de Angola). Mas também há espaço para a instalação e o filme.

As obras que agora se mostram neste que é o terceiro momento de Portugal em Flagrante, o programa iniciado no ano passado, permitem, explica a diretora do museu, completar o panorama que nos dá a coleção moderna da fundação, ajudando o público nacional e estrangeiro a “compreender o seu alcance e a sua variedade”. É preciso lembrar, acrescenta, que “a grande maioria destas peças estava escondida”, aparecendo pontualmente em exposições temporárias.

A escultura vem, assim, juntar-se às obras em papel e aos documentos da Biblioteca de Arte da fundação que ocupam o piso -1 do edifício e que dão um contributo essencial para retratar o contexto social e político em que trabalham os artistas portugueses dentro e fora de portas. No piso superior tinham já inaugurado em novembro as galerias de pintura, com paragem obrigatória em momentos chave da produção nacional, como a Exposição dos Independentes da década de 1930, passando pelas experiências surrealistas, a abstração dos anos 1960, os festivos 80 e o começo da década seguinte, alguns destes períodos já marcados pelas bolsas Gulbenkian que permitiram a muitos criadores instalarem-se em Paris, Londres e Berlim.

Marcam este piso nomes como Amadeo de Souza-Cardoso, José de Almada Negreiros, Mário Eloy, Mário Cesariny, Lourdes Castro, António Areal, Álvaro Lapa, Maria Helena Vieira da Silva e Julião Sarmento.

Na nave central, no piso 0, os portugueses também dominam, embora por vezes apareçam artistas brasileiros ou britânicos em contraponto, por um lado porque é reconhecida a ligação de Gulbenkian ao Reino Unido, por outro porque “os artistas portugueses não trabalham sozinhos, são tão internacionais como os outros e é preciso estabelecer ligações”.

Neste conjunto, que ficará em exposição em permanência, embora pontualmente possa ser alvo de alterações aqui e ali, há dezenas e dezenas de peças, algumas emprestadas pela Escola de Belas Artes ou pelo Museu do Chiado, outras vindas diretamente da outra ponta do jardim, da coleção do fundador, como Irmão e Irmã, de Auguste Rodin, ou a Jarra Cluny, de René Lalique.

Obras dos portugueses José Pedro Croft, Ana Jotta, Helena Almeida, Rui Chafes, e Fernando Calhau, do moçambicano Carlos Nogueira, da brasileira Lucia Nogueira e da britânica Rachel Whiteread convivem, assim, com peças que trazem o peso de outro tempo e de outras correntes e tradições artísticas.

De futuro, a ideia é abrir a coleção a outros diálogos com o exterior, estabelecendo parcerias com museus internacionais como o Rainha Sofia, em Madrid, para juntar a pop espanhola dos anos 1960 à da coleção Gulbenkian, exemplifica Penelope Curtis, explicando que, na preparação deste núcleo e dos dois anteriores de Portugal em Flagrante, “foi muito interessante perceber que, ao contrário do que acontece noutros países, em Portugal não se fala de períodos pré-guerras, entre guerras e pós-guerras quando se discute a arte do século XX”.

O luxo francês

Se é verdade que a coleção moderna pode receber peças da do fundador, olhando para o passado enquanto caminha para a contemporaneidade, o contrário também é verdadeiro. Neste momento, o acervo reunido por Calouste Gulbenkian pôs-se já à conversa com a fotografia de uma portuguesa radicada em França que ganhou o BES Photo em 2011. Em Manuela Marques e Versailles. A face escondida do sol encontramos o olhar atento ao detalhe desta artista que, durante dois anos e meio, percorreu os espaços de intimidade do palácio de Luís XIV, muitos deles inacessíveis ao público, e criou um percurso que procura as marcas deixadas pelos visitantes num dia de Inverno numa janela escondida por uma cortina pesada, que se detém numa vista do jardim gelado enquanto uma orquestra ensaia na Sala dos Espelhos, que encontra a cada corredor “um espaço infinito”, uma “vertigem” (as palavras são da fotógrafa).

As suas imagens dialogam, sem esforço, com as peças do palácio que o fundador comprou e que estão hoje no museu. “Gulbenkian era um apaixonado por Versalhes e pela arte francesa do XVIII e é por isso que a coleção tem tanta coisa”, diz João Carvalho Dias, que divide o comissariado desta primeira exposição do ciclo Conversas com Nuno Vassallo e Silva.

Um libreto manuscrito de um ballet em um ato em que a Madame Pompadour, célebre amante de Luís XV, era a protagonista; jarras de porcelana chinesa em forma de carpa montadas em bronze; retratos em que é visível a riqueza dos têxteis em trajes e reposteiros; livros de festas de Versalhes, “o palácio espetáculo por excelência”, diz Carvalho Dias, em que se destaca a gravura de um baile de máscaras em que a Pompadour terá estado fantasiada de pastora e o rei de arbusto (sim, leu bem, arbusto).

“Aqui se vê o luxo do modelo francês, dos livros à ourivesaria, à pintura”, acrescenta Vassallo e Silva, chamando a atenção para um desenho, hoje à guarda da Torre do Tombo, em que se vê um colar muito provavelmente ligado à rainha Maria Antonieta, mulher de Luís XVI, e que tanto terá contribuído para manchar a sua reputação em vésperas da Revolução Francesa. “Estes três projetos para jóias [o do colar e mais dois], que não terão chegado a ser feitas, estão também ligadas ao casamento do príncipe D. João com D. Carlota Joaquina. É o luxo francês a espalhar-se por todas as cortes europeias.”

Penelope Curtis gosta destas contaminações entre o século XVIII e a arte contemporânea e fala delas como uma “oportunidade” e um “desafio”. Uma oportunidade porque lhe permite “entrar” na coleção do fundador sem mudar demasiado a sua apresentação: “Adoro esta instalação [do acervo], foi um dos motivos por que me candidatei a este trabalho, aliás, mas isso não significa que não possamos repensar esta coleção.” Um desafio porque corre-se o risco de forçar um diálogo com o presente: “O truque é não ir longe de mais, estarmos atentos às ligações que já existem, que já lá estão à nossa espera.”

Além do programa de Conversas e da coleção moderna em permanência, Penelope Curtis quer novos artistas como o húngaro Tamás Kaszás no Espaço Projetos do antigo CAM e duas exposições de “grande público” por ano, uma de Verão e outra de Inverno, feitas com base na coleção do fundador. A primeira, The Very Impress of the Object (13 de julho a 2 de outubro), explora a relação da escultura com o filme e a fotografia; a segunda, Do Outro Lado do Espelho (26 de outubro a 5 de fevereiro de 2018), vai à procura da presença do espelho na pintura desde o Renascimento e conta com empréstimos de importantes museus internacionais, como o Thyssen (Madrid), o Rainha Sofia (Madrid) e o Ashmolean (Oxford). 

Nova organização, novos preços

Com a reorganização das coleções, e o diálogo permanente que se pretende criar entre elas, o Museu Calouste Gulbenkian passa a ter novos preços. Deixa de ser possível comprar bilhetes separados para a coleção do fundador e para a moderna – a entrada é agora conjunta e custa dez euros.

Para os que decidirem passar o dia no museu e quiserem ver também todas as exposições temporárias – as das galerias do edifício sede, onde agora está José de Almada Negreiros: Uma maneira de ser moderno, mas também a do espaço frente à Biblioteca de Arte, hoje ocupado pelo projeto de Versalhes de Manuela Marques – há o passe All-Day, no valor de 14 euros (para quem optar por ver apenas a de Almada ou a da fotógrafa portuguesa radicada em França as entradas custam, respetivamente, cinco e três euros).

Na sala de temporárias do antigo CAM, rebatizada como Espaço Projecto e consagrada aos artistas mais jovens, portugueses e estrangeiros, a entrada é gratuita. É lá que está até 15 de maio Alegria e Sobrevivência, do húngaro Támas Kaszás. Grátis será também a exposição de Verão, feita com base nas coleções do museu e uma das novidades do novo modelo de programação. E grátis será ainda a visita todos os domingos, a partir das 14h.


por Lucinda Canelas, in Jornal Público | 3 de março de 2017
Fotografias de Miguel Manso
Notícia no âmbito da parceria Centro Nacional de Cultura | Jornal Público

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