Notícias
Carpintarias de São Lázaro - o novo centro cultural de Lisboa
Numa das zonas mais multiculturais da cidade, mesmo ao lado da Mouraria, um pólo de criação multidisciplinar abre nesta sexta-feira as suas portas.
Depois do incêndio, uma explosão. O primeiro contacto que os lisboetas vão ter com as Carpintarias de São Lázaro, o novo centro de criação contemporânea de Lisboa, situado na Rua de São Lázaro, apela à memória deste lugar surpreendente. Móveis suspensos no ar, em equilíbrios difíceis, colocam-nos dentro de uma deflagração, como se estivéssemos no primeiro momento do caos criativo ou antes de a tragédia se abater.
Show Room é uma grande instalação, uma imagem congelada, resultado do trabalho dos artistas cubanos Los Carpinteros, Marco Castillo e Dagoberto Rodríguez – um coletivo artístico fundado em Havana em 1992 e atualmente representado nas mais importantes coleções de arte, do MoMA de Nova Iorque ao Rainha Sofia de Madrid.
E nada melhor do que Los Carpinteros, que fazem aqui a sua primeira exposição individual em Portugal, para apresentar as Carpintarias de São Lázaro, reconhece ao PÚBLICO Alda Galsterer, co-curadora da exposição e um dos cinco elementos da direção do Centro de Criação e Artes Contemporâneas Carpintarias de São Lázaro que abre este sábado em Lisboa, entre as praças do Martim Moniz e do Campo Mártires da Pátria, mesmo ao lado da Mouraria. “A ideia foi mesmo trabalhar a redundância. Faz sentido, porque é óbvio. Em Portugal temos muito medo de assumir as coisas banais mas que funcionam.” Verónica de Mello, a outra curadora da exposição, “sempre quis inaugurar as Carpintarias com os Carpinteros”.
Mas, explicando a redundância, este início das Carpintarias de São Lázaro também indica, como o próprio nome da personagem bíblica, “ressuscitação”.
Dois concursos públicos
De facto, as Carpintarias de São Lázaro renasceram das cinzas, depois do incêndio de 2002 que destruiu esta fábrica de mobiliário de madeira, a funcionar desde as primeiras décadas do século XX num edifício Art Déco. Agora na posse da Câmara Municipal de Lisboa (CML), que fez um reforço da estrutura para evitar o colapso do edifício muito afetado pelo incêndio, renasce com um projeto da responsabilidade da Associação Recreativa e Cultural das Carpintarias de São Lázaro, vencedora do segundo concurso público internacional para arrendamento do espaço lançado no final de 2014, e que previa a criação de um novo espaço cultural.
No primeiro concurso, lançado logo em 2012, ainda antes das obras de consolidação feitas pela CML, não se apresentou qualquer concorrente.
Com 1800 metros quadrados distribuídos por quatro pisos e uma vista deslumbrante das suas grandes janelas para as colinas da Graça e do Castelo, as Carpintarias de São Lázaro “são um novo centro cultural de criação contemporânea que, além das artes plásticas, atua nas áreas do teatro, da dança, da música, do cinema e da gastronomia”, explica Fernando Belo, coordenador-geral do projeto e outro dos membros da direção, juntamente com a mulher, Alda Galsterer, e mais três sócios. Tal como a curadora, Fernando Belo é dono da Galeria Belo-Galsterer, e programou para as Festas de Lisboa durante nove anos, trazendo espetáculos como os Urban Sax ao Rossio, ou para a Câmara de Cascais, no contexto da Bienal da Utopia. Vê como fundamental esta experiência de programação, produção e divulgação de eventos com alguma dimensão junto das autarquias.
Os outros membros da direção das Carpintarias são Marcos Barbosa, até muito recentemente diretor artístico do Teatro Oficina, em Guimarães, Jaime Dominguez, que vem da área da hoteleira e da restauração, estando ligado a espaços como o Gambrinus e o Chapitô à Mesa, e Manuel Fúria, músico e produtor, ex-vocalista dos Golpes e atualmente líder da banda Manuel Fúria e os Náufragos.
Apesar de abrir portas agora, para as duas exposições que tem em parceria com a Lisboa 2017 – Capital Ibero-Americana, o centro só vai começar a sua atividade regular em setembro-outubro. Programação própria, residências artísticas, parcerias e acolhimentos poderão passar por aqui, num centro que ainda está a nascer, mas que explora o conceito de oficina. “É um projeto que se vai construindo. Vai demorar a estar em pleno funcionamento”, sublinha Fernando Belo. O investimento estimado em obras e equipamentos está entre 250 e 350 mil euros, mais 150 mil para a programação no primeiro ano, que também procura apoios.
Catarina Vaz Pinto, vereadora de Cultura da Câmara de Lisboa, afirma que esta foi a melhor das 13 candidaturas apresentadas em 2014. O espaço fica concessionado por 30 anos, com um aluguer de mil euros por mês. “A grande diferença do primeiro para o segundo concurso foi termos feito obras de infra-estrutura. Os custos do investimento já eram muito mais reduzidos, porque os investidores privados não tinham de fazer a reconversão integral do edifício. Deixámos tudo em tosco para depois poder acolher o que viesse a ser decidido.” O que foi pedido é o que vai acontecer: “Sempre quisemos um projeto de índole cultural, que pudesse dinamizar o espaço, tanto quanto possível numa dimensão multidisciplinar, estabelecendo uma ligação com a comunidade.” Tal como com outras estruturas que a autarquia apoia, há a contrapartida de o espaço poder albergar programação municipal.
Fernando Belo chama a atenção para o facto de a zona do Martim Moniz e da Mouraria ser das mais multiculturais da cidade, onde se cruzam lisboetas que também são bengalis e franceses, entre tantas outras nacionalidades, e com quem é preciso trabalhar.
Não contrariar o espaço
Durante a exposição de Los Carpinteros, que abre este sábado e fica até maio, para além de os visitantes “poderem observar o espaço”, como diz Fernando Belo, estará à sua disposição uma pequena mostra com o projeto desenhado para o espaço pelos arquitetos do Studio CAN, sublinhando-se novamente a ideia de génese nesta pré-programação.
Tal como sugerido pela câmara, o atelier de Guimarães explora o espaço existente sem contrariar a memória industrial. Os arquitetos recorrem à expressão das paredes em betão sem reboco, apenas pintadas de cinzento escuro, trabalham um pé-direito com sete metros de altura, criando um andar intermédio em mezanino. A ideia “é não contrariar o espaço existente”, explica a arquiteta Maria Luís Neiva. “Vamos manter a maior parte das coisas, a nossa intervenção é muito subtil”, continua.
No Piso 0 fica o espaço para exposições de artes plásticas de grande formato, um auditório de 120 lugares (Black Box), que pode comunicar com a área de exposição e ganhar dimensão.
“O espaço acaba por poder sofrer uma metamorfose constante”, afirma o coordenador-geral.
Mas, por agora, a maior parte destas valências ainda não passou do projeto à obra, e com a exposição de Los Carpinteros vai ser possível observar toda a amplitude do Piso 0. No futuro, entre os elementos adicionados pelos arquitetos estarão as portas que fecham a Black Box, uma estrutura em ferro e vidro parcialmente amovível.
No Piso -1, a zona de trabalho, o pólo das oficinas, salas de ensaio, o estúdio de gravação áudio e vídeo, dois apartamentos para artistas em residência, camarins, balneários.
Na cobertura visitável haverá um bar, que ocupa uma área de 90 metros quadrados. Estão ainda previstos dois restaurantes no interior, uma cafetaria e outro mais formal.
Para já, o horário é de sábado a quarta-feira (das 15h às 19h), porque as obras nas Carpintarias de São Lázaro têm de continuar. A inauguração da exposição é esta sexta-feira às 19h.
por Isabel Salema, in Público | 17 de fevereiro de 2017
Notícia no âmbito da parceria Centro Nacional de Cultura | Jornal Público