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As três mil páginas que Agustina escreveu para os jornais
Organizados por Lourença Baldaque, neta da romancista, os três volumes de Ensaios e Artigos (1951-2007) são lançados esta segunda-feira.
A Fundação Calouste Gulbenkian lança esta segunda-feira em Lisboa os Ensaios e Artigos (1951-2007) que a romancista Agustina Bessa-Luís publicou em jornais e revistas ao longo de mais de meio século, e que foram recolhidos e organizados em três volumes, num total de nada menos do que 2791 páginas, pela neta da escritora, Lourença Baldaque.
A obra, naquela que não será a sua menor surpresa, é prefaciada pelo ex-diretor dos semanários Expresso e Sol, José António Saraiva, que co-apresentará o livro com Lourença Baldaque na sessão da Gulbenkian – marcada para as 18h, no Auditório 3 da fundação –, e também no Porto, onde os livros serão lançados sexta-feira, pelas 18h30, na biblioteca do Museu de Serralves.
Que quase três mil páginas de Agustina Bessa-Luís estivessem, na prática, indisponíveis, mostra bem a relevância e a urgência da tarefa a que se entregou a sua neta. Ela própria, de resto, e desde logo por razões de idade, não tinha uma noção prévia da dimensão do trabalho que a esperava. Se entre as suas memórias de infância ainda sobreviviam, contou ao PÚBLICO, vagas recordações de a sua avó escrever no Primeiro de Janeiro, diário portuense que Agustina dirigiu em meados dos anos 80, já “desconhecia por completo” que tivesse colaborado, por exemplo, no Diário Popular, onde a escritora assinou, entre 1965 e 1971, mais de 200 crónicas.
O facto de Agustina “nunca ter tido o hábito de organizar arquivos e manuscritos” não facilitou a reconstituição do seu percurso de ensaísta e articulista, e por vezes só “um recibo de pagamento ou a carta de um responsável de uma publicação a convidá-la a colaborar” davam à neta a pista necessária para saber onde devia procurar. Mas a primeira fonte foi “a memória fantástica” do avô, Alberto Luís, que começou por lhe passar uma lista de todos os jornais e revistas nos quais se lembrava de Agustina ter escrito.
Estes três volumes mostram uma outra Agustina? Vão surpreender quem julgava já a conhecer? Lourença Baldaque não vai tão longe. “Acho que a minha avó era muito genuína no que escrevia, e reconheci-a aqui”, diz. E se a autora destes textos “tem muito humor e é muito sarcástica, acutilante e crítica”, isso não deverá surpreender “quem alguma vez lidou com ela”.
Numa brevíssima caracterização do que se pode encontrar nestes três volumes, a organizadora nota que antes de 1974 o registo de Agustina “é menos político”, mas adquire “uma consciência social forte” logo a seguir ao 25 de Abril – “fala das ruas, dos pobres, dos jovens, dos acontecimentos da época” –, e observa que estes textos mostram não apenas “a profunda cultura literária” da avó, mas também “uma leitora atenta da imprensa portuguesa e estrangeira”.
Muitos dos artigos são dedicados a outros escritores, de Aristófanes ao Marquês de Sade, de Dante e Goethe a Proust, de Bernardim Ribeiro a Camilo Castelo Branco ou Florbela Espanca. Uma rápida vista de olhos ao índice onomástico incluído no terceiro volume permite ver que são centenas os autores que em algum momento a interessaram. Um conjunto eclético, com nomes de todos os tempos e de todos os lugares, incluindo o Portugal da sua época – mas, como sugere Lourença Baldaque, Agustina “via a literatura como um só universo”, onde todos eram virtualmente contemporâneos.
Além dos índices que se poderiam esperar, a obra oferece ainda um curioso, útil e extenso índice toponímico, que mostra o lado globetrotter de Agustina Bessa-Luís, convidada, como escritora, a ir aos quatro cantos do mundo, e que gostava de nos deixar as suas sempre singulares impressões dos locais que visitava. E sobre algumas cidades escreveu tantas vezes, que seria possível organizar volumes autónomos com os seus textos dedicados ao Porto ou a Lisboa, a Roma ou a Paris.
por Luís Miguel Queirós, in jornal Público | 6 de fevereiro de 2017
Notícia no âmbito da parceria Centro Nacional de Cultura | Jornal Público