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Nos bastidores com a diva Sarah Bernhardt

Beatriz Batarda protagoniza "Paris > Sarah > Lisboa", espetáculo em estreia no foyer, nas escadas e nos recantos do Teatro São Luiz, em Lisboa.

Beatriz Batarda como Sarah Bernhardt no Teatro São Luiz | Pedro Rocha/ Global Imagens

 

Ela desce as escadas do teatro com o seu vestido comprido, rendas nas mangas, gestos dramáticos. Está ocupada. Está no seu teatro, tem que de decidir tudo, escolher os figurinos, verificar as luzes, dar indicações aos atores, preparar-se para ir para o palco, "atuar apaixonadamente", voltar ao camarim. Só sai do teatro às três da manhã, depois de todos os outros já terem ido para casa. Não consegue dormir. "Aproveito para ir estudar um papel."

Esta mulher obcecada com o seu trabalho é Sarah Bernhardt, interpretada por Beatriz Batarda no espetáculo Paris > Sarah > Lisboa, escrito e encenado por Miguel Loureiro e que se estreia hoje no Teatro São Luiz, em Lisboa. A viagem, como o título indica, começou em Paris, no Théàtre de la Ville onde, em maio, foi apresentada uma primeira versão, mais curta, em forma de leitura encenada, com uma atriz francesa, Astrid Bas. "Tinha a curiosidade de aproveitarmos o espaço onde terá sido o camarim da Sarah Bernhardt", explica Miguel Loureiro.

Em Lisboa, há uma outra curiosidade. O espetáculo começa logo à entrada do São Luiz, junto às escadas, onde, entre as placas afixadas na parede, há uma iluminada, onde se lê: "Sarah Bernhardt. 10 de novembro de 1899." Acima da placa que recorda a passagem por aquele teatro de Ângela Pinto, ao lado das placas de Eduardo Brazão, Augusto Rosa e Rosa Damasceno. Miguel Loureiro, que leu quase tudo o que havia para ler sobre a atriz francesa, a começar pela sua autobiografia, explica que quando vinha a Lisboa, Sarah Bernhardt chegava de comboio à estação do Rossio e ia a pé para o Hotel Avenida Palace, acompanhada por um criado negro que só cuidava dos cães e seguida por uma série de outros criados e criadas que carregavam as malas e cuidavam para que tudo corresse bem à diva. "Conseguem imaginar?"

Sarah Bernhard (1844-1923) não foi só atriz, foi também empresária, diretora, escritora. "É uma figura fascinante, nem que seja pela capacidade de agregar multidões e de investimento financeiro no seu trabalho. Comprou o seu próprio teatro, fazia digressões de anos, com equipas de trinta pessoas e carruagens e carruagens só para si. E ainda mais admirável por ser uma mulher", diz Batarda.

Sarah Bernhardt leva-nos escadas acima, até ao janelão do primeiro andar, que é quase como se fosse o seu camarim, um espaço de memórias e intimidade, onde Sarah se prepara com uma série de trava-línguas e exercícios de voz. E, recostada sobre a chaise longue, recorda o impacto da primeira vez que foi ao teatro.

Grita com a aia. Pede ajuda ao ponto. "Rafael, o texto." Ensaia uma dramática entrada em cena. O espetáculo termina no Jardim de Inverno. O palco. Momento para sabermos mais sobre o método de Sarah Bernhardt e a sua aversão a um "teatro de lágrimas e de ranho". Miguel Loureiro explica que a atriz "desenvolveu a sua arte dentro de um quadro estético muito preciso, que era o romantismo. Fazia as divas trágicas, era especialista em longas agonias e foi exímia nisso, de estetizar um texto através da métrica, da forma como se apropriava da enunciação. Não tinha as preocupações psicologistas que surgiram depois, no século XX. Ao contrário do que fazia na sua vida, que era uma revolucionária, em palco fez sempre, até ao fim, aquilo que sabia fazer melhor."

"Queria respeitar o mito de Sarah Bernhardt", diz Miguel Loureiro. "Ela gostava de se projetar como mártir e heroína, alguém que subiu a pulso. Os biógrafos dizem que não foi tanto assim, que há ali muita mentira, mas eu gosto que ela seja uma mentirosa maravilhosa". Não foi por acaso que escolheu ter, logo no início, uma frase do Giorgio Colli sobre a dicotomia do exterior e o interior de cada um de nós: "Ela é sempre um excesso em construção. Hoje em dia, prefere-se o que é mais puro, mais genuíno. Pois eu tenho um fascínio pelo artifício e pelas camadas sobrepostas. A minha Sarah é essa, que se oculta, sempre um eclipse lunar, e quando se decide mostrar é sempre em extremo. E era exímia nisso."

Paris > Sarah > Lisboa

De Miguel Loureiro. Com Beatriz Batarda.
Teatro São Luiz LisboaAté 22 de fevereiro. De quinta a sábado.
Bilhetes: 12 euro


por Maria João Caetano, in Diário de Notícias | 2 de fevereiro de 2017
Notícia no âmbito da parceria Centro Nacional de Cultura | Jornal Diário de Notícias

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