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Orquestra de Jazz de Matosinhos “ainda está longe de chegar à meia-idade”

Orquestra de Jazz de Matosinhos DR


Orquestra celebra esta segunda-feira, com um concerto em Matosinhos, naquela que será a sua futura casa, o 20.º aniversário do primeiro concerto no Héritage Café, quando ainda se chamava Héritage Big Band.

“Tínhamos especial vontade de criar uma big band na zona do Porto, onde não existe nada do género e onde, ultimamente, o jazz tem tido grande animação”, diz Pedro Guedes, diretor artístico da Orquestra de Jazz de Matosinhos (OJM), precisamente há 20 anos, em entrevista ao PÚBLICO, no dia em que a Héritage Big Band, (primeira designação da OJM) se apresentou pela primeira vez ao vivo, a 30 de janeiro de 1997, no Héritage Café, em Matosinhos.

Há 20 anos havia em Matosinhos o Héritage Café e o B Flat, dois bares dedicados ao jazz. Ainda existiam o Festival de Jazz do Porto e o de Matosinhos e a Exponor era palco de passagem para concertos do género. A contrastar com a oferta de espaços para tocar, encontrar músicos não era tão fácil, recorda Pedro Guedes.

“Hoje, graças ao trabalho das escolas superiores de música do Porto, Lisboa e Évora temos uma geração de músicos, em qualidade e em número, como nunca existiu em Portugal. Por outro lado, atualmente, nenhum desses bares ou festivais existem”, compara, sublinhando que a programação “mais regular”, na zona da Invicta, está agora dependente da que existe na Casa da Música, no Hot Five ou do Porta Jazz, que organiza um festival dedicado ao género e concertos aos sábados na Baixa do Porto.

“Relativamente ao número de espaços para tocar parece-me existirem menos do que na altura, o que é uma pena. Por outro lado, existem muito mais músicos e de qualidade muito superior em relação àquele período”, afirma.

Uma estreia "a abarrotar"

Em 1997, quando criou a orquestra, essa dificuldade em reunir músicos de qualidade condicionou um dos objetivos iniciais: ter uma formação típica de big band com 17 elementos. Começaram com 12, mas “paulatinamente” foram acrescentando músicos até chegar à formação habitual de uma orquestra do género, composta por 4 trompetes, 4 trombones, 5 saxofones e secção rítmica.

Outro objetivo era criar uma rotina, à semelhança do que acontece nos clubes de jazz de Nova Iorque, que estabeleceram a quinta-feira como o dia das big bands: “Todos os clubes mais importantes têm uma big band residente que se apresenta nesse dia”.

Nessa altura sugeriu a João Vilhena, proprietário do Héritage Café, que replicasse essa dinâmica. Nasce a Héritage Big Band, que entre 1997 e 1998, quinzenalmente, “por ser impossível fazê-lo todas as semanas”, se apresentou no palco do bar já extinto, cumprindo o sonho de Pedro Guedes de criar uma orquestra de jazz, com a qual pudesse tocar as próprias composições, à qual se juntou Carlos Azevedo, também diretor artístico, que assumiu essas funções numa altura em que o fundador foi para Los Angeles fazer uma pós-graduação na University of Southern California.

No primeiro concerto, “estava uma casa a abarrotar”, recorda. O público, que se dividia entre a programação do Héritage e do B Flat, “era diversificado e tinha realmente interesse”. As salas “estavam sempre cheias e o ambiente era animado. Havia um público para isso”. Importante, na altura, considera ter sido a possibilidade que tiveram de, “durante quase dois anos”, tocarem com regularidade, o que diz ter sido fundamental para que a banda crescesse e progredisse.

Um ponto de viragem

“Infelizmente, a dada altura, o João (Vilhena) deixou de ter condições para continuar a suportar a orquestra”. Foi aí que a orquestra teve que procurar soluções e abordou a Câmara Municipal de Matosinhos (CMM), em 1998, que atualmente é o maior suporte da OJM. Em novembro do mesmo ano, já com o apoio da autarquia, a orquestra faz o concerto de inauguração da FNAC do Norteshopping, onde se apresenta pela primeira vez com a designação atual.

A parceria estabelecida com a CMM marca um ponto de viragem no percurso da OJM. Essa viragem permitiu à orquestra formalizar uma associação sem fins lucrativos, o que permitiu a candidatura a fundos da DGArtes, na altura Instituto Português das Artes do Espetáculo, que desde 2001 é um apoio “fundamental” que tem ajudado a manter a estrutura da orquestra, como refere o diretor artístico. Os ensaios da banda tornaram-se mais regulares e os concertos, que até então estavam praticamente limitados à zona do Porto, passam a acontecer num raio de ação mais alargado que se estende a todo o território nacional.

A partir daí a OJM, que de há uns anos para cá começou a ensaiar na Casa da Música (CdM), percorreu um percurso até atingir um patamar com representação a nível internacional. Um protocolo assinado com a CdM, que prevê a apresentação de três programas diferentes por ano, acabou por se tornar numa porta aberta para que essa realidade se tornasse possível.

“Essa parceria obrigou-nos a mudar a nossa natureza. Dantes éramos uma banda só de autores, que tocava as minhas composições e as do Carlos Azevedo. De repente, porque temos que apresentar 3 concertos diferentes por ano na CdM, tivemos que iniciar as nossas colaborações com outros músicos, estrangeiros e nacionais, tornando-nos também numa orquestra de reportório”, explica Pedro Guedes.

Essas colaborações, foram o ponto de partida para que a realização do primeiro grande concerto internacional se realizasse. Anos antes a orquestra já tinha passado por Espanha, mas em 2007 apresentou-se no Carnegie Hall, em Nova Iorque, com Lee Konitz, na sequência de uma parceria iniciada, precisamente num desses programas apresentados na CdM, que deu origem ao álbum Portology, editado em 2006. Foi a primeira formação portuguesa de jazz a participar num festival norte-americano, neste caso no JVC Jazz Festival, e para Pedro Guedes o primeiro grande concerto internacional.

Depois disso, além de Nova Iorque, a OJM já passou por cidades como Barcelona, Bruxelas, Milão, Boston ou Marselha e realizou temporadas nos clubes nova-iorquinos Birdland, Jazz Standard, Jazz Gallery e no Iridium.

Novos projetos em 2017

O ano de 2017 marca a mudança da orquestra para uma nova casa. A partir de junho a OJM muda-se para o edifício da Real Vinícola, onde vai dividir o espaço, do primeiro edifício industrial de Matosinhos do final do século XIX, que a CMM está a reabilitar, com a Casa da Arquitetura. Aquela que vai ser a sede da OJM terá uma área total de 800 metros quadrados e conta com um estúdio e uma sala de ensaio com 180 metros quadrados.

“Com este novo edifício podemos ainda aumentar mais a nossa interação com a população do concelho. A nossa ideia, agora que temos um espaço, é podermos receber na nova sede as entidades com quem estamos a desenvolver projetos”, afirma. Exemplo dessas entidades são algumas escolas secundárias com as quais, no âmbito do serviço educativo da OJM, levam a cabo A Grande Pesca Sonora, este ano na 4.ª edição, um trabalho que tem como finalidade trabalhar as capacidades dos alunos na área da composição musical e que em 2017 continuará a fazer parte da agenda de atividades da orquestra.

Na agenda de atividades para este ano está programada, também, uma série de concertos de reportório de compositores portugueses como Mário Laginha, Sassetti, Carlos Azevedo, Luís Tinoco, Pedro Moreira ou Carlos Guedes, que será apresentado em maio. 

A tocar na casa nova

Entre 25 e 28 de setembro, já no edifício da Real Vinícola, fruto de um protocolo desenvolvido com o INESC-TEC e com a Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, a OJM vai ser a anfitriã da 13.ª edição da conferência CMMR – Computer Music Multidisplinary Research, de acordo com Pedro Guedes, uma das maiores conferências que existe sobre computer music, que no ano passado se realizou em São Paulo.

No final do ano, em dezembro, a OJM volta ao Festival de Jazz de Barcelona, onde são a orquestra de jazz residente, com a cantora Rebecca Martin.

Hoje, às 21h30, a OJM celebra no edifício da Real Vinícola o dia que assinala a primeira apresentação ao vivo da orquestra, há 20 anos, com um concerto onde, de acordo com Pedro Guedes, vão ser tocadas composições de sua autoria e de Carlos Azevedo, sobretudo do princípio da orquestra. Para a apresentação com entrada gratuita, aberta ao público, foram convidados todos os músicos que já tocaram na orquestra ou de alguma forma interagiram com a mesma. O músico diz querer contar com a presença de todos os envolvidos para celebrar o aniversário da banda que ainda está “longe de atingir a meia-idade” e que ainda tem muitos objetivos para cumprir.

“Desde o início que tinha em mente criar uma orquestra de nível nacional capaz de ombrear com as de renome internacional”. De futuro, é esse caminho que diz pretender continuar a trilhar.


por André Vieira, in jornal Público | 30 de janeiro de 2017

Notícia no âmbito da parceria Centro Nacional de Cultura | Jornal Público

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