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Cinco imperdíveis "Adorações dos Magos" portuguesas

Encerram-se as festas com a seleção do historiador de arte e professor universitário Paulo Pereira. 

O Presépio da Basílica da Estrela, de Machado de Castro

O presépio é das "manifestações mais características da arte portuguesa", começa por dizer Paulo Pereira. "Como criação artística é no século XVIII que atingem a perfeição conceptual quando as encomendas aumentam e o processo de representação se torna não apenas num dispositivo de arte da memória com incidências devocionais, mas também um autêntico projeto "artístico" abraçado pelas oficinas dos escultores e entalhadores mais conhecidos, como Joaquim Machado de Castro, Joaquim José de Barros (conhecido também por Barros Laborão), Silvestre Faria Lobo ou António Ferreira. É do primeiro o presépio da Basílica da Estrela, escolhido neste lote de cinco. 

Com mais de 400 personagens, este presépio encaixa na descrição que faz deles o historiador. "São verdadeiras encenações teatrais: constituem um formidável palco de representação dos passos da vida da Sagrada Família, mas são também provas de invenção, suscitando as variações mais inesperadas em torno das representações, geralmente por grupos significativos que remetem para uma passagem bíblica". Sobre eles "disse-se já que, com o seu naturalismo, são como que uma forma de democratização da arte, como nenhuma houve antes", diz o autor de Arte Portuguesa - História Essencial . "As cenas figuradas são, muitas vezes, autênticas cenas de género, inspiradas no dia a dia mais banal, ou até tornadas meio cómicas pelo lado caricatural que, por vezes, apresentam e constituem prova de perícia dos artistas."

Basílica da Estrela, Lisboa

Aberta das 08.00 às 20.00

Os visitantes são convidados a doar 1,5 euros ao visitar o presépio.


A Adoração com o índio, no Museu Grão Vasco, Viseu

"A celebridade desta pintura sobre tábua que fez parte do retábulo da Sé de Viseu, reside no facto de um dos Reis Magos - que corresponderá ao Rei Baltazar, o "rei mouro" -, ser figurado como um índio brasileiro, vestido com traje cerimonial, indumentária característica dos membros da tribo tupinambá, com a coroa de penas", diz o historiador e professor Paulo Pereira acerca desta pintura que se pode ver no Museu Grão Vasco, em Viseu (gratuito no domingo), e cuja autoria é atribuída ao português Vasco Fernandes, uma das cinco Adorações dos Magos mais importantes que selecionou a pedido do DN.

O especialista atalha para a grande particularidade da obra: "Trata-se da primeira figuração conhecida de um índio brasileiro - e de um ameríndio -, em todo o Ocidente". Esse detalhe faz viajar no tempo, até à época em que o Brasil foi achado pelos portugueses. "O facto tem a ver com a imperiosa necessidade de se mostrar que aquela parte do mundo era conhecida, após a oficialização da "descoberta", ocorrida a 2 de abril de 1500, pela armada chefiada por Pedro Álvares Cabral", situa. "Somente o conhecimento de um índio nativo com tais atributos - certamente embarcado e trazido para Portugal - , poderia levar a que o pintor registasse com tão notável precisão os pormenores de parte da indumentária e do armamento", acrescenta Paulo Pereira, sobre esta pintura e o modo como foi produzida, entre 1501 e 1506.

 

 

O que está também nos 131 centímetros de altura por 81 de largura da tela, é a "necessidade de sinalizar, a poucos anos do "achamento" do Brasil, as potencialidades da cristianização das terras recém-descobertas e dos seus habitantes, o que concorda com a primeira impressão no contacto com os ameríndios transmitida pela Carta de Pêro Vaz de Caminha [1500]".

"A fisionomia do índio parece estar de acordo com um tipo antropológico único, distinto do negro africano que muitas vezes aparece como rei Baltazar noutras pinturas representando este episódio do Nascimento e Vida de Jesus. Veja-se o brinco e o colar perlado, ou a pulseira de metal. Não é figurado nu, como deveria de ser, mas vestido com camisola e calção", sustenta. Da tela, a óleo, chama ainda a atenção para dois detalhes: "no Rei Mago ajoelhado em adoração [Belchior], há quem veja a efígie do próprio Pedro Álvares Cabral" e os "apontamentos do quotidiano em contraponto com a elevação da cena", como o pote de barro com colher pousada.

Museu Nacional de Grão Vasco, Viseu

Aberto às terças-feiras, das 14.00 às 18.00; de quarta a domingo, das 10.00 às 18.00.

Bilhete: 4 euros. Desconto de 50% para estudantes e maiores de 65.

Na porta do Mosteiro de Santa Maria de Belém, em Lisboa

"Pode ser escultura?", questionou Paulo Pereira quando o DN o desafiou a eleger cinco Adorações dos Magos. Com a resposta vinha a razão de ser da pergunta do historiador: "O portal poente [da igreja de Santa Maria de Belém], da autoria do mestre escultor francês Nicolau Chanterêne, introduz elementos ornamentais inspirados em fontes clássicas também ditas "ao romano". É uma das primeiras manifestações do renascimento "escultórico" em Portugal", diz, sobre este trabalho, a quem foi entregue a respetiva execução a 2 de janeiro de 1517. Paulo Pereira descreve-o como "o mais importante mas não o maior do templo".

 

A obra quase passa despercebida, entre a entrada para a igreja e a entrada no mosteiro, e pode ser vista sem comprar bilhete. Reúne as estátuas dos Reis Fundadores acompanhados dos santos patronos eleitos: D. Manuel com S. Jerónimo, e a sua segunda esposa, D. Maria, com S. João Baptista. "As estátuas constituem verdadeiros retratos em retrato verdadeiro - "tirado natural" como se diria então - , na tradição dos panteões senhoriais", afirma o historiador.

Os nichos sobre a porta falam do Nascimento do Messias e dos Mistérios da Encarnação de Cristo: Nascimento; a Adoração dos Magos, e o Presépio de Belém . Paulo Pereira situa-os para vincar que "o Mosteiro dos Jerónimos, embora fundado antes da descoberta do Caminho Marítimo para a Índia, só veio a ser completado mais tarde, depois do grande feito estar consumado". Continua: "E o facto de se tratar de uma invocação de Belém, lugar de nascimento de Cristo, coloca o monumento como uma homenagem à evangelização: não por acaso, o Portal Sul possui como figura central a imagem de Nossa Senhora dos Reis, ou seja, a Virgem do Presépio. Outro dado: "A primeira pedra do edifício foi lançada, precisamente, no Dia de Reis de 1500, o que faz dos Jerónimos um dos maiores templo dedicados, em suma, à... Adoração dos Magos! "

Mosteiro dos Jerónimos, Belém

Aberto de terça a domingo, das 10.00 às 17.30 (última entrada às 17.00), até abril. Das 10.00 às 18.30 (última entrada às 18.00), de maio a setembro.

Bilhete: 10 euros. Gratuito para crianças até 12 anos e desempregados.

O que Francisco de Campos pintou para a Sé de Évora

Executado em pleno maneirismo, pelo pintor de origem flamenga Francisco de Campos, a Adoração dos Magos que se encontra no Museu da Sé de Évora, entre 1565 e 1570, "possui um cromatismo aberto, alegre, com cores ácidas, já em contraste com a suavidade lumínica dos quadros renascentistas", caracteriza Paulo Pereira. O artista terá sido chamado à cidade por D. Luís da Silveira, acredita-se.

 

"As variantes iconográficas ou as soluções plásticas aliam-se para conferir uma nova coloratura às pinturas e ao que representam, geralmente com mais movimento e maior dramatismo", afirma.

A "introdução dos acompanhantes dos Reis Magos, que penetram nas ruínas e as admiram com espanto" é de salientar, segundo Paulo Pereira, notando que são "ruínas clássicas". Para ler o quadro, Paulo Pereira analisa a composição das personagens. "S. José ficou posicionado atrás da Virgem, numa posição expectante, e certamente de modo intencional respeitando os cânones teológicos já que o pintor coloca assim a níveis diferentes a Mãe de Deus, imaculada, com a figura paternal". E continua: "A posição dos Reis Magos é de subjugação à pessoa do Menino e à Virgem, ajoelhados e inclinados numa devoção terna. Inspirado em gravura da época, apenas o rei negro, mais altivo, parece esperar a sua vez."

Museu da Sé de Évora

Aberto de terça a domingo, das 14.00 às 17.00.

Bilhete: 3 euros.

Sequeira e os seus estudos para a Adoração dos Magos

Se há pintor que se colou à representação de Baltazar, Belchior e Gaspar foi Domingos Sequeira, depois do Museu Nacional de Arte Antiga ter adquirido a sua Adoração dos Magos, por angariação de fundos em 2016, dando ao quadro uma grande notoriedade (e de entrada livre no domingo). "Já menos conhecidos são os estudos a giz e carvão para a realização da tela, de uma riqueza sem precedentes na pintura nacional", constata Paulo Pereira. "O traço de Sequeira força os contrastes entre a escuridão, que parece dar lugar, como se ficasse comprometida, adiada, pela presença de uma fonte de luz imanente. Os brancos gizados são o reagente matérico, o combate entre o negro e o branco, uma luta psicológica pictórica e em desenho", analisa.

 

Domingos Sequeira foi forçado a exilar-se e viveu em Roma, onde despertou para a temática religiosa, "por causa das encomendas que obteve mas também por vocação própria", nota Paulo Pereira. "Fê-lo de forma espetacular, em rompimento com as convenções académicas características das oficinas e dos prestigiados pintores da cidade, criando aquilo a que se pode chamar, como alguém já o disse, o seu "testamento artístico", mas também, obras-primas absolutas, através de quatro quadros, que estudou minuciosamente. Deste trabalho resultaram quatro quadros de temática religiosa central: Descimento da Cruz (1828), Ascensão (1828-1832), Juízo Final (1829-1832) que ficaria incompleto, e aquele que se veio a tornar o seu quadro mais conhecido e até celebrizado: Adoração dos Magos (1828).

Museu Nacional de Arte Antiga, Rua das Janelas Verdes, em Lisboa

Aberto de terça-feira a domingo, das 10.00 às 18.00.

Bilhete: 6 euros. Descontos de 50% para estudantes, cartão jovem, maiores de 65 anos e bilhete de família.


por Lina Santos, in Diário de Notícias | 3 de janeiro de 2017

Notícia no âmbito da parceria Centro Nacional de Cultura | Jornal Diário de Notícias

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