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De esbocetes a versões finais, assim trabalhava Domingos Sequeira

Exposição revela método de trabalho do pintor  |  Gustavo Bom/Global Imagens

 

O nome de Domingos Sequeira saltou para o espaço mediático quando o Museu Nacional de Arte Antiga lançou uma campanha de crowdfunding para adquirir uma importante obra do pintor português. Recolhidos os 600 mil euros necessários para a aquisição, o quadro em questão, Adoração dos Reis Magos, está no museu desde o verão passado. Agora, como que a completar um ciclo, a instituição dedica uma pequena exposição à fase em que o pintor se dedicou à pintura histórica, revelando ainda os seus métodos de trabalho.

Na Sala do Teto Pintado, Alexandra Markl organizou esta exposição em torno de duas pinturas relacionados com episódios da história medieval portuguesa - Egas Moniz e a família diante do rei de Leão (1796-1799) e D. Afonso V armando seu filho cavaleiro na Mesquita de Arzila perante o cadáver do conde de Marialva (1803-1807). Aos quadros juntam-se diversos estudos preparatórios, entre desenhos e estudos a óleo, que revelam o método de trabalho de Domingos Sequeira (1768-1837) e mostram uma faceta mal conhecida da sua obra.

"Sabemos que entre 1791 e 1807 [Domingos Sequeira] pintou uma série de temas de História de Portugal, incidindo muito na primeira dinastia portuguesa. Foram encomendas da família real", explica a comissária. Este tipo de encomenda, que hoje nos pode parecer normal, "era muito pouco comum, até a nível internacional", sublinha Alexandra Markl. "Não havia praticamente temas de história dos países, sobretudo de história medieval. Estamos numa época em que os pintores retratam sobretudo História da Antiguidade, de Roma e da Grécia, e ainda pouco se dedicam às histórias nacionais. Ao contrário do que aconteceu depois no século XIX". Com as pinturas que executou nesse período, "Sequeira é um dos pintores que está na génese desse movimento artístico que internacionalmente se dedicou a este tipo de produção, um dos capítulo mais interessantes da pintura na viragem dos dos séculos", defende a comissária.

Foram 12 os temas que pintou, embora muitos desses trabalhos não se saiba onde se encontram. "Grande parte das pinturas desapareceram. E é por isso que é uma história mal conhecida", destaca. Sabe-se, no entanto, que o primeiro tema que tratou, o Milagre de Ourique, pintado em Roma durante os anos de aprendizagem, foi um projeto pessoal, mas os restantes "integram-se numa encomenda da Corte, para os palácios de Mafra e da Ajuda". "Foi uma época de afirmação de Portugal face a Espanha e portanto deve ter sido importante estas encomendas sobre estes temas. Mas não sabemos muito sobre isso". Em 1807, com a ida da corte para o Brasil, Sequeira abandona estes temas.

Um estudo preparatório para uma figura  |  MNAA


Para além da temática, Alexandra Markl teve outro objetivo claro na idealização da exposição e do seu catálogo: "aquilo que procurei também ver foi um bocadinho como é que o pintor pensava e, tentando fazer quase que uma arqueologia da imagem, ver como é que ele trabalhava".

Pegando no tema relacionado com Egas Moniz, que trata o lendário episódio do resgate da honra do fiel aio e precetor do primeiro rei de Portugal, narrado pelos Livros de Linhagens, um dos estudos de composição, desenhado à pena a tinta castanha, é bastante elucidativo do método de trabalho do pintor. Numa única folha, Domingos Sequeira desenha sete estudos de composição, "ensaiando distintas soluções para a disposição das principais figuras" do quadro que pertence ao Museu Nacional de Arte Antiga. "Parecem os primeiros pensamentos, em traço rápido, mas já pensou na solução principal para a figura principal, Egas Moniz", diz, apontando para a margem inferior da mesma folha onde, numa escala reduzida, repete a figura suplicante do aio.

Estudo preparatório a óleo   |  MNAA

Medieval à renascimento

Estes trabalhos mostram ainda outra característica da pintura desta época. "Aquilo que se nota nesta primeira geração [de pintores que se dedica aos temas de história] e também no Sequeira é uma grande desadequação nos trajes, nos objetos, nas armas e mesmo nos ambientes que têm de reconstituir do interior das casas". O conhecimento dos artistas sobre a época medieval era escasso e, "por isso, estas pinturas implicavam um processo muito exigente e eles precisavam de fazer muitos estudos inclusivamente estudos detalhados dos panejamentos, das cabeças, dos chapéus até chegar às composições finais". Aliás, "no fundo, [os artistas] utilizam sempre como referência o século XVI, apesar de ser um episódio passado no século XII".

A complexidade era tal, explica, que para a definição de certos detalhes, como cabeças ou panejamentos, "um estudo gráfico prévio não era suficiente, havendo a necessidade de preparar estudos a óleo, próximos da escala definitiva". É o caso de "duas magníficas cabeças presentes nesta exposição e o estudo de panejamentos, ambos certamente destinados às composições históricas, sem que seja possível identificar qual".

"Acho que as pessoas não têm muito bem a noção dessa complexidade", remata. Algo que esta pequena exposição promete mudar.


por Marina Marques, in Diário de Notícias | 21 de dezembro de 2016

Notícia no âmbito da parceria Centro Nacional de Cultura | Jornal Diário de Notícias

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