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Rainha e artista, Maria Pia mostra-se pela primeira vez

"Um olhar real - Obra Artística da Rainha D. Maria Pia" reúne desenhos, aguarelas e fotografias da rainha na galeria de pintura D. Luís.

A exposição reúne 352 obras da rainha Maria Pia,algumas foram executadas antes da data de chegada a Portugal, em 1862 O comissário científico da exposição, João Vaz, conservador de pintura e desenho do Palácio da Ajuda  |  Paulo Alexandrino/ Global Imagens Uma série de aguarelas pintadas por Maria Pia em Portugal  |  Paulo Alexandrino/ Global Imagens Um estojo de pintura da rainha, quase intacto.   |  Paulo Alexandrino/ Global Imagens José Alberto Ribeiro mostra o trabalho para um leque  |  Paulo Alexandrino/ Global Imagens Sabe-se hoje que o Palácio tinha uma câmara escura de reveleção de fotografias  |  Paulo Alexandrino/ Global Imagens

 

Quando a chegou Portugal, a 5 de outubro de 1862, a onze dias de fazer 15 anos, para confirmar o casamento por procuração com D. Luís, a princesa Maria Pia trazia no enxoval alguns dos desenhos feitos com o seu mestre, Angelo Beccaria, italiano como ela. Esses trabalhos ao ar livre, no Piemonte natal, podem ser vistos pela primeira vez na exposição que reúne a obra artística da soberana na galeria de pintura com o nome do seu marido, no Palácio da Ajuda, em Lisboa, a partir de hoje.

"O desenho ao ar livre era uma característica destes naturalistas", afirma ao DN João Vaz, comissário científico da exposição. É nessa categoria que inclui Maria Pia, "com incursões no tradicionalismo romântico". Uma artista amadora e intimista, a quem não nega qualidades. "Pinta para ela e para os amigos", diz João Vaz, decifrando o trabalho da rainha. "Ela não pinta por obrigação, pinta porque quer, porque lhe dá prazer."

Para esta exposição foram selecionadas 352 obras. Demasiadas, segundo o autor do projeto expositivo, o arquiteto João Herdade, que acabou vencido. "Temos o dever como serviço público de a pôr em evidência", afirma o conservador de pintura e desenho sobre a obra da rainha. "Não vamos ter oportunidade de o voltar a fazer tão depressa", defende João Vaz. "Não é todos os dias que mostramos uma exposição assim", considera o diretor do Palácio da Ajuda, José Alberto Ribeiro. 

Dentro do labirinto

Labirinto com passagens entre os vários núcleos, a exposição abre com uma fotografia e dois autorretratos. Uma fotografia de corpo inteiro da rainha em diálogo com um esquisso da sua autoria. Quase um espelho. "A única diferença é que numa tem a cara a três quartos a olhar para cá [na foto] e na outra tem a cara a três quartos a olhar para lá [no desenho]", nota João Vaz, pondo fim ao enigma das diferenças. Ao lado, uma escultura em gesso, também da sua autoria.

O primeiro núcleo prima pela ausência de obras da rainha. "No currículo escolar, à semelhança de outras princesas e membros da aristocracia, o desenho e a pintura são uma parte importante da aprendizagem", afirma João Vaz. Por isso, selecionaram peças daqueles que mais a influenciaram (exceto Beccaria, de quem não existem obras na Ajuda), começando (à esquerda) com a mãe, Adelaide de Habsburgo, que morreu quando Maria Pia tinha 7 anos.

"Trouxe para Portugal uma quantidade razoável de desenhos da mãe", contextualiza João Vaz. Na parede oposta, trabalhos de Enrique Casanova, o espanhol que foi professor dos infantes D. Carlos e D. Afonso, e com quem Maria Pia também aperfeiçoou a sua técnica.

Seguem-se aguarelas da italiana Virginia Panizzardi. Salta à vista o seu interesse por flores, partilhado por Maria Pia. "São coisas de Itália, da terra natal, do Piemonte e da sua condição de princesa de Saboia, que ela afirma constantemente", diz o conservador, anfitrião da visita, antecipando o que vem a seguir: os herbários de Maria Pia, assentes na prensa original do palácio. Antes de chegarem à exposição fizeram uma viagem ao Museu Nacional de História Natural para serem expurgados de insetos.

Ao lado, alguns álbuns de desenhos da rainha, a propósito dos quais João Vaz lança um descodificador ao visitante: "Não podemos desmantelar álbuns e cadernos, por isso assumimos um compromisso com o público, fazendo reproduções. Essas não estão emolduradas, ao contrário das pinturas soltas", explica. 

Os estojos de pintura

Era assim, em cadernos, que os desenhos estavam organizados no ateliê da rainha, uma sala do Palácio da Ajuda, imortalizada por Enrique Casanova (também na exposição). Mais, acrescenta o diretor do palácio, as suas fotografias também estavam guardadas nesta divisão da casa, juntamente com o material de pintura que pode ser visto na exposição. Caixas de madeira de pintura, uma delas quase intacta, outra muito usada e até uma caixa de lápis da Faber. O estojo portátil reforça o que a obra demonstra: Maria Pia pintava onde quer que estivesse.

O Palácio da Ajuda é uma constante. Detém-se nos detalhes. Esculturas ou jarrões, por exemplo, que saíram do percurso permanente para a galeria e podem ser vistos ao lado dos desenhos. Tal como estudos para leques ou pratos de cerâmica.

As fotografias são as únicas obras da sua autoria que expôs em vida. As máquinas fotográficas tornam-se omnipresentes nas imagens da família real em geral, nas suas em particular. "Sabe-se hoje, havia uma câmara escura no palácio", conta José Alberto Ribeiro. E na exposição podem ver-se algumas dessas máquinas, compradas pela rainha ao fotógrafo francês Felix Nadar, em Paris. Essas relíquias que fazem parte da história da fotografia, assim como os livros usados para aprender a fotografar e a revelar, também estão na exposição.

Nos núcleos temáticos, descobrem-se estudos ou pinturas em todas as casas onde passou férias. Do Paço de Sintra à Cidadela de Cascais, de Mafra ao chalé do Estoril, adquirido após a morte de D. Luís. Pinta também quando vai a qualquer lugar do país em representação do rei, dizem-nos os barcos pintados na Granja, perto do Porto. "Atenção a estes dois desenhos porque é muito bom o que está aqui", dispara João Vaz, referindo-se à forma como retrata os pescadores.

"Ela tinha uma empatia especial pelas camadas mais populares, mais do que pela nobreza", considera o conservador. Chamaram--lhe Anjo da Caridade. "É muito generosa, não é por acaso que funda creches em Lisboa e tem uma forte atividade assistencial", nota João Vaz, lembrando uma das suas citações, retirada de uma carta que escreve para Itália. Diz que o povo gostou dela e ela gostou do povo. A 5 de outubro de 1910, 48 anos depois de ter chegado, partiu para o exílio. 

Quando ver

A exposição Um Olhar Real - Obra Artística da Rainha D. Maria Pia pode ser vista até 21 de abril de 2017 na galeria de pintura D. Luís no Palácio Nacional da Ajuda, em Lisboa. Aberta todos os dias, exceto à quarta-feira, das 10.00 às 18.00. Bilhete: 5 euros. Entrada livre no primeiro domingo de cada mês, crianças até 12 anos, cidadãos desempregados, membros do ICOM; descontos de 50% para cartão jovem, estudantes, maiores de 65 anos, bilhete família (a partir de 4 elementos) e membros da Associação de Famílias Numerosas.

 


por Lina Santos, in Diário de Notícias | 16 de dezembro de 2016

Notícia no âmbito da parceria Centro Nacional de Cultura | Jornal Diário de Notícias

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