A pesquisa levada a cabo por Rita Múrias, que entretanto está a fazer um doutoramento sobre o assunto na faculdade de Arquitetura, levou-a a descobrir que o arquiteto camarário se tinha enganado nome da sapataria, o que redundou numa troca de missivas com o proprietário. Informação adicional foi um dos requisitos da diretora do MUDE para a exposição Cidade Gráfica. Letreiros e Reclames de Lisboa no século XX . "O desafio que lhes coloquei como curadores foi o do contexto histórico". O museu franqueou as portas dos arquivos. "Quando começámos não sabíamos a riqueza do arquivo municipal de Lisboa", nota a diretora.
A exposição decorre fora do MUDE - Museu do Design e da Moda, enquanto decorrem as obras de reabilitação do edifício de Cristino da Silva rua Augusta, mas a escolha do Convento da Trindade, em parceria com a proprietária do imóvel, a Central de Cervejas, não foi ao acaso. A maioria destes objetos foi recolhida por Paulo Barata, aos sábados de manhã, alguns após muita conversa com os proprietários das lojas, em Lisboa. "A maioria é dali. Da Baixa, do Rossio, da Avenida da Liberdade", nota Bárbara Coutinho.
É uma cidade a desaparecer. Por razões de segurança, foram retirados os dos tetos, "expressão de uma cidade cosmopolita e moderna", como diz Bárbara Coutinho, depois os das lojas, "caros de manter", explica Rita Múrias.
"Um objetivo desta exposição era dar a conhecer uma área e uma expressão da cidade que ainda é pouco valorizada, essa parte gráfica que importa reconhecer", afirma a diretora ao DN. A segunda razão de ser da exposição é que "através dos letreiros, o MUDE pode tratar de uma expressão que permite avaliar e evolução da tipografia".
Para os designers gráficos, as famílias de letras foram um ponto de partida para a "arrumação" dos letreiros na exposição. Juntaram-nos por famílias de letra (itálica, manuscrita, com serifa e sem serifa...) e por época. No piso 1, os mais antigos: guarda-ventos das lojas e fachadas pintadas. Um lance de escadas mais e faz-se a homenagem à luz. Primeiro, explicando como funcionam por dentro, depois com os muitos exemplos que se espalham pelas salas: o da sapataria Rosa d"Ouro é anos 80 puro e estava na Amadora; BrilhaRio, o restaurante da Praça do Chile; o que pertence a um peep show, o geometrizado da loja Gracidini, na rua das Portas de Santo Antão, ou o gótico Diário de Notícias, da antiga livraria do Rossio, e, finalmente, o do Ritz. "O original", como diz Rita Múrias. Do final dos anos 50.
Através da empresa de reclames descobriram que as letras do hotel lisboeta iam ser substituídas por razões de segurança e que as antigas seriam destruídas. Conseguiram ficar com elas com a colaboração do próprio hotel. Ao lado, estão os projetos, à escala real com letras da palavra Ritz. Detalham a execução da letra luminosa, e encontram-se nos arquivos da Neolux. "Só vieram depois das letras terem chegado, porque seriam necessárias se alguma coisa corresse mal", conta Rita.
Houve perdas irreparáveis pelo caminho, assumem os colecionadores. Sem todas as licenças necessárias, a polícia parou a descida da palavra Morais na rua do Alecrim. Quando voltaram, já tinham desaparecido. A palavra Carrocel da pastelaria com o nome já tinha dono quando chegaram ao dono . Sobrou Charcutaria. Está na exposição.
Cidade Gráfica. Letreiros e Reclames de Lisboa no Século XX, faz parte do programa MUDE fora de Portas e pode ser vista até 18 de março de 2017 no Convento da Trindade (Rua Nova da Trindade, 20), em Lisboa. De terça a domingo, das 10.00 às 18.00. A entrada é livre.
por Lina Santos, in Diário de Notícias | 12 de dezembro de 2016
Notícia no âmbito da parceria Centro Nacional de Cultura | Jornal Diário de Notícias