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Espólio de José Saramago doado à Biblioteca Nacional
Os originais de Manual de Pintura e Caligrafia e Memorial do Convento fazem parte desta doação, que será formalizada no dia 10, quando se cumpre o 18.º aniversário da atribuição do Nobel ao romancista português
A Fundação José Saramago e as herdeiras do prémio Nobel da Literatura – a sua viúva, Pilar del Río, e a sua filha, Violante Saramago Matos – vão doar o espólio do escritor à Biblioteca Nacional (BN), uma oferta que será formalizada no próximo dia 10 com a entrega de um primeiro lote de documentos, entre os quais se contam o manuscrito do livro póstumo Clarabóia, que o autor escreveu no final dos anos 40, logo após ter publicado o romance de estreia Terra do Pecado.
Os originais de Manual de Pintura e Caligrafia ou de Memorial do Convento – em ambos os casos, dactiloscritos com extensas anotações manuscritas – são outras peças que integram esta doação, que será simbolicamente concretizada no 18.º aniversário da data em que Saramago recebeu, em Estocolmo, o Prémio Nobel da Literatura. A sessão, de entrada livre, terá lugar às 16h30 no átrio da BN, e estará presentes, além de Pilar del Río, que preside à Fundação José Saramago, e da directora da BN, Maria Inês Cordeiro, o ministro da Cultura, Luís Filipe Castro Mendes.
“A Biblioteca Nacional já era depositária de alguns originais e de correspondência diversa doada pelo próprio José Saramago, que entregou também o diploma do Nobel”, explicou Pilar del Río ao PÚBLICO. “Quando começou a receber ofertas, soube que era isto que queria fazer, e nós soubemos que teríamos de continuar o que ele começara”.
Observando que Saramago “poderia ter vendido os seus documentos a instituições privadas, como fizeram outros autores, e isso seria legítimo”, Pilar del Río acrescenta que o escritor “quis que ficassem em Portugal, e que os portugueses fossem, de algum modo, seus herdeiros”. É esta “generosidade” que Pilar del Río quer salientar, garantindo que a respeita “com gosto” e que “colaborar para aumentar o património nacional é um orgulho e uma satisfação”, mesmo se “tanto a família como a Fundação sabem que estão a abrir mão do seu maior tesouro”.
Também a directora da BN acha que “deve ser sublinhada a atitude de José Saramago de deixar este seu legado a todos os portugueses”, confiando-o a uma instituição “que oferece garantias de conservação a longo prazo” e na qual esta documentação estará acessível aos estudiosos e ao público em geral. Inês Cordeiro realça ainda a importância do espólio de Saramago para a BN, “por ser o autor que é e pela relevância que tem na cultura portuguesa”.
O objectivo desta doação é que todo o arquivo de Saramago – que morreu a 18 de Junho de 2010, aos 87 anos –, venha a ser transferido para a Biblioteca Nacional, completando o pequeno núcleo documental do escritor que já integra o Arquivo de Cultura Portuguesa Contemporânea. Uma parte será fisicamente transferida já no dia 10: além dos originais mencionados, serão doados vários cadernos que o autor utilizava para ir estruturando os romances que se preparava para escrever, e também alguma correspondência, designadamente com Jorge Amado e Jorge de Sena.
O restante arquivo irá depois sendo transferido gradualmente, e será necessário produzir cópias das peças que integram a exposição que a Fundação José Saramago mantém na sua sede, na Casa dos Bicos, uma vez que os respectivos originais irão para a BN. Criada em 2007, a Fundação José Saramago é a actual depositária não apenas do arquivo do escritor, mas também da sua biblioteca, com mais de 20 mil títulos.
Esta doação é o corolário de um processo iniciado em Março de 1994, quando Saramago escreveu uma carta à BN dando conta das suas intenções: “Há cartas, papéis, manuscritos que não tenho o direito de conservar como coisa minha, pois na verdade pertencem a todos." Pouco depois, entregou à BN correspondência com Adolfo Casais Monteiro e José Rodrigues Miguéis, e também manuscritos deste último.
O segundo momento ocorreria logo a seguir ao anúncio do Nobel, em 1998, quando, além de outra documentação, Saramago doa alguns dos seus manuscritos, como o de O Ano da Morte de Ricardo Reis, acompanhado de textos preparatórios do romance, e duas versões do conto O Embargo.
Como tem vindo a fazer para os restantes espólios reunidos no Arquivo de Cultura Portuguesa Contemporânea – alguns doados, outros apenas depositados –, a BN irá digitalizando e disponibilizando os documentos que não exijam reserva de consulta – uma restrição que provavelmente se aplicará a parte da correspondência.
Iniciado em 1981 com espólios de seis escritores – Almeida Garrett, Eça de Queirós, Jaime Batalha Reis, Camilo Pessanha, Fernando Pessoa e António Pedro –, o Arquivo de Cultura Portuguesa Contemporânea inclui hoje fundos de cerca de meia centena de autores portugueses de várias gerações, de Ramalho Ortigão a Vitorino Nemésio, e de Mário-Henrique Leiria a Al Berto.
por Luís Miguel Queirós, in Público | 2 de dezembro de 2016 | Foto: Rui Gaudêncio
Notícia no âmbito da parceria Centro Nacional de Cultura | Jornal Público