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"Mea Culpa" de Carla Marisa Pais vence Prémio Literário Revelação Agustina-Bessa Luís

Com o romance Mea Culpa, Carla Marisa Pais, aos 37 anos, sagrou-se vencedora da 9ª edição  do Prémio Literário Revelação Agustina Bessa-Luís, por maioria do Júri, presidido por Guilherme d'Oliveira Martins. O Prémio foi instituído, pela primeira vez, em 2008, pela Estoril Sol, no quadro das comemorações do cinquentenário da Empresa.

 

Ao eleger Mea Culpa, o júri considerou tratar-se de “um romance que transporta o leitor para um duro patamar de existência humana e social. Miséria e decadência sob formas violentas que vão do incesto a diversos modos de servidão, circunscrevem relações humanas envenenadas por injustiças e desesperos”.

O Júri reconheceu, ainda, que “a linguagem do romance é ela própria atraentemente crua e distanciada, embora sem nunca perder o sentido da sua orientação literária, quer na riqueza vocabular e imagística quer no alcance da construção narrativa, quer ainda no modo como a memória da poesia acaba por ocupar uma espécie de espaço de luz em vidas dela afastadas”

De acordo com a ata que distingue o original de Carla Pais, Mea Culpa(…)  “é um romance feito de muitas dores humanas, mas também de esperança”.

A autora, Carla Marisa Pais, nasceu em Leiria, residindo presentemente em Paris, onde trabalha.

Não tem formação académica superior, porque “terminei o 12º ano à noite pois a vida não me permitiu fazer de outra forma”. E conta sobre si: “Casei cedo. Fui mãe cedo. Tive pequenos trabalhos, fui presidente da Associação de Pais da freguesia de Regueira de Pontes durante 4 anos e responsável do departamento pós-venda numa empresa de material elétrico até ao dia em que decidi que a educação dos meus filhos não podia tocar o incerto. Em outubro de 2012, completamente desiludida com o rumo do país, fiz as malas, carreguei um camião com os restos que sobraram de uma vida e mudei-me para Paris, onde vivo até hoje. Onde sou feliz até hoje”.

Carla Pais trabalha na capital francesa como empregada de escritório num Centro de Formação à Distância.

“A paixão pelos livros - revela -, porque não há outra palavra para descrever a minha cegueira por literatura, foi-se acentuando, agravando, com o avançar da idade. A partir de uma determinada altura, escrever tornou-se tão necessário como ler. Em 2013 ou 14 (não estou certa), confiando na recomendação de um crítico literário que muito aprecio, descobri a escritora Herta Muller, a sua prosa tão poética e tão crua em simultâneo, e resolvi fabricar um conto (“A alma do Diabo”) que concorreu e ganhou o Prémio Literário Horácio Bento Gouveia 2015, na Madeira. Nesse mesmo ano, ganhei também o 3º lugar do Prémio Poesia Agostinho Gomes, com o poema “Assimetria dos lábios”.

Mas faltava-lhe o desafio do romance e para “provar a mim mesma que seria capaz de escrever um romance. Um bom romance, um romance com a qualidade que exijo dos escritores que admiro. Foi daí que nasceu Mea Culpa. Dessa exigência. Dessa vontade de conseguir”.

Confessa, porém, que  “escrever esse romance só foi possível porque o Rui Nunes escreve livros sublimes, porque o Herberto Hélder decidiu desconcertar o mundo com a sua poesia, porque o Saramago nos ensinou um novo Evangelho, porque António Lobo Antunes nos afunda numa literatura sem filtros, porque, independentemente das agruras, Portugal dá à estampa uma nova geração de escritores que muito promete: Ana Margarida de Carvalho, Afonso Cruz, Valter Hugo Mãe, Nuno Camarneiro, Valério Romão entre todos os outros que não menciono mas que admiro igualmente. E são muitos!”.

Cita entre as suas leituras Allen Ginsberg, Philip Roth, Bernard Malamud, Marguerite Duras, Laurent Gaudé, Philippe Claudel ou Mathias Enard (entre muitos, muitos outros) que “tiveram uma importância descomunal na minha construção como leitora e consequentemente como “escritora”.

O romance Mea Culpa demorou nove meses a ser escrito – “o tempo exato de um parto”. Mas “passados seis meses sem lhe tocar, reescrevi-o porque tinha saudades dos meus personagens, que vingaram e foram construídos a partir da minha revolta para com o julgamento alheio, o facilitismo que temos em julgar o outro pela aparência, pelo nome, pelo sangue de família, pela forma como olha ou fala. A capacidade e o impulso que o Homem tem para condenar, espezinhar, humilhar, para demonstrar poder, insensibilidade, arrogância diante dos que considera, aparentemente, mais fracos, dos que não carregam nomes que os protejam”.

Carla Pais é frontal e reprova “a necessidade que a sociedade tem de julgar e condenar é tão grande que quanto mais civilizados nos acharmos mais imorais nos tornamos”.

Foi, por isso, “a partir desta minha ira que apareceu o personagem principal, Amadeu Jesus, um homem a quem não chega carregar o nome do filho de Deus. Este personagem quer amar uma mãe e não pode, quer amar uma mulher e não pode, quer amar a poesia e não pode, quer amar a vida e não pode. Não pode simplesmente porque nasceu do lado errado da aldeia. Nasceu do lado torto da sociedade”.

Pelo contrário, a personagem feminina, Briosa, “é criada no seio das montanhas, no seio de nenhures onde desenvolve o instinto de sobrevivência através dos sinais que o corpo lhe envia. No dia em que toca a “civilização” perde todas as defesas. É mais ou menos o que acontece às crianças quando crescem, perdem a capacidade de sonhar. Esta personagem foi inspirada numa pastora do interior a quem a mãe proibia de ir à escola e que fugia de bicicleta precisamente para conhecer o mundo do lado de fora das montanhas”.

Carla Pais ficou surpreendida com o Prémio – “nunca me passando pela cabeça arrecadar o galardão. Ainda assim precisava de tentar; saber se aquilo que escrevera podia ser apreciado por um júri. Foi por isso que concorri ao Prémio Agustina Bessa Luís”.

Quanto aos tempos livres, Carla Pais adora “andar de bicicleta, normalmente faço 10 km por dia” e viaja sempre que pode - “gosto imenso de pegar na minha família, nos meus livros, no meu computador e ir passar 3 ou 4 dias fora de Paris. Conhecer outra gente, outras terras onde existem histórias por contar. Regresso quase sempre com personagens novos na cabeça”.

É este o perfil, a traço rápido, da vencedora do Prémio Revelação Agustina Bessa-Luís - 2016, autora de um romance realista e telúrico.

O Júri que o atribuiu, além de Guilherme d’Oliveira Martins, que presidiu, em representação do CNC – Centro Nacional de Cultura, integrou José Manuel Mendes, pela Associação Portuguesa de Escritores; Maria Carlos Gil Loureiro, pela Direção Geral do Livro e das Bibliotecas; Manuel Frias Martins, pela Associação Portuguesa dos Críticos Literários; e, ainda, Maria Alzira Seixo e Liberto Cruz, convidados a título individual e Nuno Lima de Carvalho e Dinis de Abreu, em representação da Estoril Sol.

O Regulamento do Prémio Revelação, a partir desta edição, deixou de estabelecer um limite de idade para os concorrentes, mantendo, contudo, a exigência de serem autores portugueses, com um romance inédito e “sem qualquer obra publicada no género”.

A iniciativa conta, desde o primeiro momento, com o apoio da Gradiva Publicações, que assegura a edição da obra vencedora, através de um Protocolo com a Estoril Sol.

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