As cartas com os pedidos de empréstimo foram enviadas há dois anos e durante a última semana e meia o resultado das negociações instalou o bulício no museu: "Foram mais de 40 pessoas que vieram [das diferentes instituições] acompanhar os quadros. A cada uma foi preciso dar-lhes uma data para assistirem à abertura da caixa em que o quadro é transportado, verificarem o seu estado ao ser retirado, ser pendurado, e a cada uma é preciso pagar a viagem, a estada... Para além do investimento financeiro é também muito complexo coordená-las todas. É uma operação logística muito complexa de transporte, seguros, correios, calendários, porque temos de montar tudo numa semana e meia".
E há indecisões mesmo até à última hora. "Almoço no Restaurante Fournaise (O Almoço dos Remadores), do Art Institut de Chicago, pintura icónica de Renoir em pleno período impressionista, por exemplo, só no último momento tivemos a garantia do seu empréstimo", relata Guillermo Solana.
A preparação da exposição foi, "para mim, toda uma descoberta", adianta. "Claro que conhecia Renoir, mas há tantos tópicos sobre o pintor, e acabei por descobrir muitas coisas." E é isso que quer partilhar com os visitantes.
"Antes de mais, independentemente do gosto de Renoir coincidir ou não com o nosso e mesmo que considerem algumas pinturas do artista demasiado açucaradas ou até kitsch, quero que os visitantes vejam a pintura e se esqueçam que estão a ver crianças com muitos lacinhos ou senhoras com muitos folhinhos e sombrinhas. Porque Renoir é um pintor fantástico mesmo quando cria quadros demasiado açucarados."
Uma visita à distância
Para mostrar estas características menos conhecidas de Pierre-Auguste Renoir (1841-1919), Solana organizou a exposição em seis núcleos. "Na entrada há quatro retratos pré-impressionistas e em seguida temos duas salas, as que o público vai gostar mais, com os seus anos impressionistas, de 1869 a 1879. Com o título Impressionismo, público e privado, aí estão as famosas obras que já referi, vindas de Chicago e de Lisboa, entre outras. Segue-se uma sala com o núcleo Retratos por encomenda, onde sem qualquer ordem cronológica se mostram trabalhos seus desde os anos 1880 até quase ao final da sua vida." Esta foi uma temática importante na obra do artista porque, explica o curador, quando Renoir, no final dos anos 1870, "decidiu deixar o grupo impressionista porque pensava que aí não alcançaria êxito comercial, como necessitava de viver da pintura, optou pelo retrato. Nos anos 1880 consegue que muitas das melhores famílias de Paris lhe encomendem retratos, sobretudo de senhoras e crianças".
A visita à distância prossegue: "Depois há uma pequena sala dedicada a Prazeres quotidianos com [quadros de] mulheres anónimas, em espaços interiores, a tocar música, lendo, fazendo uma trança ou desenhando. Segue-se uma sala dedicada a Paisagens do Norte e do Sul, onde são apresentadas obras de pequeno formato que Renoir pintava para seu próprio prazer, como um escape em contraponto aos retratos que lhe encomendavam."
Na sala dedicada ao tema A família e o seu ambiente há retratos dos seus três filhos e, claro, da mulher, Aline, grávida ou amamentando. "Na última secção, em Banhistas, reunimos cerca de 15 nus, desde um da etapa impressionista até um dos últimos que criou, nos anos 10 do século XX. Aí se vê a tendência para a monumentalização do corpo feminino, deixando o impressionismo para trás e bebendo mais das influências de Miguel Ângelo, Ticiano ou Rubens."
Celebração da vida
E porquê Intimidade? "Porque associamos sempre Renoir ao bulício e às festas ao ar livre - como O Baile no Moulin de la Gallete, ou La Grenouillère. Ainda que essa seja uma parte importante da sua obra, a maior parte é dedicada à intimidade: figuras femininas, muitas vezes em espaços interiores quase sempre um pouco alheadas, ou em pares, que estão no seu próprio mundo, sem se preocuparem com o espectador, absortos, a namorar, ou a tocar música, ou a ler. A maior parte do esforço de Renoir foi transmitir essa sensação de intimidade. E ao mesmo tempo fazer que o espectador possa ter acesso a isso, se sinta convidado, se sinta incluído nesse mundo íntimo".
Uma grande diferença em relação a outros artistas seus contemporâneos: "Degas ou Manet, por exemplo, cultivaram um olhar distanciado, observavam as suas personagens de longe. Mas Renoir é um pintor de empatia, que se aproxima e se identifica com as pessoas e as coisas que pinta, e transmite essa empatia ao espectador para que ele se sinta em sintonia com o que vê." Uma forma de pintar que, assegura, "está associada à sua conceção otimista da vida. A sua pintura é uma celebração da vida, do prazer de estar vivo, do prazer de respirar, de ver, de ouvir, de tocar. É um canto à vida".
por Marina Marques, in Diário de Notícias | 17 de outubro de 2016
Notícia no âmbito da parceria Centro Nacional de Cultura | Jornal Diário de Notícias