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Trinta anos de Jovens Músicos "é obra"
O Prémio Jovens Músicos fez 30 anos com uma orquestra de talentos criada só para a ocasião.
Fez-se a arqueologia de um prémio que é "uma radiografia do ensino da música em Portugal".
A Fundação Gulbenkian esteve num frenesim desde sexta-feira com a realização do 6.º Festival Jovens Músicos, uma iniciativa da Antena 2 e da RTP que a instituição acolheu mais uma vez. Mas desta feita havia algo de especial: assinalavam-se os 30 anos do Prémio Jovens Músicos, criado em 1987 pela Radiodifusão Portuguesa. A organização do prémio, logo na abertura e na primeira cerimónia de entrega dos prémios aos vencedores das categorias que este ano iam a concurso, não escondeu o entusiasmo por se ter chegado a este "número redondo". "Trinta anos, é obra!", disse Luís Tinoco, que é diretor do prémio e do festival há já nove anos.
Este ano, mais do que soprar as velas, os 30 anos foram pretexto para uma ideia inédita: juntar cerca de 70 músicos premiados em diferentes edições do prémio e formar uma orquestra ad hoc que se apresentou no domingo no Grande Auditório da Fundação Gulbenkian, em Lisboa. Uma ideia que partiu do clarinetista Horácio Ferreira, também ele vencedor do prémio na categoria de clarinete e "Jovem Músico do Ano" em 2014. "Então não era giro juntar premiados de 30 anos neste festival?" Luís Tinoco entusiasmou-se com a ideia e nem sabia bem no que estava a meter-se... É que era preciso encontrar velhos e novos premiados, "mas não havia emails há 30 anos", lembra Tinoco. Foi uma carga de trabalhos descobrir onde paravam os premiados de edições passadas, muitos deles a viver fora de Portugal. Era preciso fazer uma verdadeira "arqueologia do prémio", como lhe chamou o diretor do festival. Mas a coisa fez-se, e surgiu a Orquestra Jovens Músicos.
Luís Tinoco só respirou de alívio, no sábado, quando viu todas as cadeiras ocupadas por músicos de todas as idades, diante do maestro Cesário Costa, no ensaio-maratona que durou quase um dia inteiro na Escola Superior de Música. Um deles era Alexandre Delgado, vencedor do prémio na primeira edição, em 1987.
"É lindo ver tantas gerações juntas aqui. Acho comovente", disse Alexandre Delgado, um violetista que considera que o prémio é "uma radiografia do ensino da música em Portugal" desde os anos 80, e um espelho do progressivo aumento de qualidade e quantidade de músicos no país. "A realidade é muito diferente hoje. Aproximámo-nos da Europa", diz Delgado. "E apesar dos anos da crise, em que andámos para trás, houve algo que ficou." Alexandre Delgado ganhou "um bom instrumento", novinho em folha, na sequência do prémio, que diz ter sido um estímulo muito importante para continuar. Porém, não seguiu apenas uma carreira como intérprete, é também compositor e faz muitas outras atividades em torno da música: "A excessiva especialização pode ser embrutecedora. É enriquecedor fazer outras coisas."
Outro dos antigos premiados presente nesta Orquestra Jovens Músicos é Mário Franco, bom exemplo de um "especialista em várias coisas": é bailarino e contrabaixista e nunca deixou ambas as atividades. "Ganhar o prémio foi um incentivo para fazer música. Este prémio é estimulante para nos aperfeiçoarmos, é um incentivo ao estudo ter o prémio como objetivo." Mário Franco não esconde uma certa emoção de estar aqui, ao lado de músicos com 18 anos. "Tanta gente ter dito que sim a participar nesta orquestra é significativo da importância que este prémio tem para nós", diz o contrabaixista.
Um jovem maestro
Novidade deste ano foi a abertura da categoria de Direcção de Orquestra, cujo vencedor foi Nuno Coelho, que se apresentou, com os seus 27 anos, à frente da Orquestra Sinfónica Portuguesa, numa tocante interpretação de Prelude a l'après-midi d'un faune,de Debussy. Nuno Coelho destacou a simpatia dos membros da orquestra, "sempre dispostos a ajudar", o que contribuiu para "uma ótima experiência". Ele já está "lançado": foi bolseiro da Gulbenkian e é atualmente maestro assistente na Orquestra Filarmónica da Holanda, mas reconhece que este prémio vai abrir-lhe outras portas em Portugal e no estrangeiro. Tem o sonho de dirigir ópera na Alemanha, e este prémio alarga a sua "rede de contactos". Os outros vencedores deste ano foram Marco Rodrigues, em trombone, e Mafalda Barradas Carvalho, em flauta (ambos no nível superior). No nível médio, os vencedores foram Agostinho Sequeira, que venceu em percussão, e Lia Yeranosyan, em violino.
Lia Yeranosyan nasceu na Arménia, mas veio aos dois anos para Portugal. Quando fomos falar com ela, depois da entrega dos prémios a que concorreram 267 músicos, ainda estava com um sorriso de felicidade nos lábios. "Foi surpreendente ter ganho, o nível dos concorrentes era muito elevado", disse. Quando soube do prémio, foi imediatamente contar à família e aos amigos. Lia tem 17 anos e está ainda no 12.º ano, no Conservatório de Música do Porto, mas quer ir "lá fora" e fala do futuro com nomes de países: Alemanha, Áustria, Holanda... "São países onde há boas oportunidades e bons professores", diz. O prémio vai permitir-lhe tocar com orquestras e fazer mais recitais, para além de lhe abrir perspetivas de bolsas para continuar. "Quero tocar numa orquestra profissional, mas antes ter outras experiências", diz Lia.
Perguntámos a Luís Tinoco porquê este desejo de ir "lá para fora", se o ensino melhorou tanto em Portugal. O diretor do prémio acha natural: "Há um desejo saudável de 'ter mundo', contactar com outras realidades." Mas também nos explica que "as possibilidades de trabalho em Portugal não estão a acompanhar o ritmo da evolução do ensino". "Há um esforço de procurar condições de trabalho lá fora, porque não temos muitas orquestras em Portugal", diz. De qualquer forma, pensa que é um fenómeno comum, e brinca, comparando as artes com a medicina: "É preciso ter uma segunda e uma terceira opinião." Depois explica-nos melhor a ideia: "É que a expressão e a criação não são ciências exatas, e é preciso que se confrontem com outros métodos de ensino, na versatilidade que devem ter como músicos."
Um prémio, mas não um circo
Em relação à qualidade dos músicos que se apresentam a concurso, Luís Tinoco diz ter visto ao longo dos anos desenhar-se "uma curva claramente ascendente". "É evidente para os olhos de qualquer um. Portugal sempre teve músicos maravilhosos, mas os níveis de excelência são maiores, a quantidade é maior e a precocidade também – é mais cedo que se revelam." Os vencedores na categoria de música de câmara (nível médio) foram este ano os Viana Bones, um quarteto de trombones de Viana do Castelo com músicos muito jovens, todos à volta dos 17 anos: João Pedro Abreu, José Luís Rosas, João Braga e Miguel Alexandre Barros. "Em música de câmara temos de saber os pontos fortes e os pontos fracos de cada um. Somos todos importantes. O objetivo é criar um som de conjunto", explicam. "Também é preciso paciência para nos aturarmos uns aos outros", dizem, rindo. A alegria e a boa disposição destes quatro jovens é contagiante. Ao mesmo tempo sabem que o mais certo é que o grupo, formado na escola com o incentivo do professor Ricardo Pereira, se desfaça quando partirem para outras escolas, outras aventuras. E falam disso com naturalidade. Este prémio dá-lhes "ânimo para continuar". Sentem o reconhecimento do prémio como algo muito gratificante. E não esquecem o essencial: "Tocar com alma."
Com alma tocaram também os vencedores de música de câmara em nível superior, o Artium Trio de Francisco Lima Santos, Pedro Afonso Silva e João Guilherme Barata, abrindo o concerto com um famoso trio de Schubert e brilhando na tarde de sábado no Grande Auditório da Gulbenkian, que não é um palco qualquer para um jovem músico.
Também o jazz pisou o palco do Grande Auditório este ano. Um dos vencedores foi o grupo Home, uma criação de João Barradas, um extraordinário acordeonista de jazz com apenas 24 anos, que convidou grandes jovens músicos seus amigos (Eduardo Cardinho, Gonçalo Neto, Mané Fernandes, Ricardo Marques e Guilherme Melo) para um projeto com composições suas. "O prémio é um marco no estudo da música em Portugal. É uma etapa muito significativa na carreira dos músicos. É preciso participar pelo menos uma vez", diz-nos João Barradas, que considera o Prémio Jovens Músicos "o concurso de maior prestígio, pela multiplicidade de categorias, pelo júri, pelas orquestras convidadas, pelos alunos...".
Luís Tinoco sublinha que a importância deste prémio é não estar reduzido à "competição circense", mas ser um projeto integrado, procurando "uma rede de iniciativas, cumplicidades e colaborações entre intérpretes, programadores e criadores". Este ano houve também lugar para mais um prémio de composição atribuído pela Sociedade Portuguesa de Autores e pela Antena 2. O vencedor foi Pedro Lima Soares, cuja obra (...) e tu de mim voaste pudemos ouvir no concerto de encerramento do festival. Para além do dinheiro atribuído pelo prémio, a obra é estreada no Concerto de Gala e transmitida pela RTP e pela Antena 2. Lembra Luís Tinoco: "Quando eu estava a estudar composição, onde é que havia oportunidades destas?"
"Está mesmo a acontecer!..."
O Jovem Músico do Ano/Prémio Maestro Silva Pereira é o maior galardão atribuído no festival. O júri do concurso é presidido pela professora de Música Teresa de Macedo, viúva do maestro, e tem como vice-presidente o musicólogo Rui Vieira Nery. Escolhe os premiados no concerto de sexta-feira e distinguiu o percussionista Agostinho Sequeira, que nos fala da sensação de pisar aquele palco, no concerto de laureados: "Um momento emocionante, inexplicável. Quando entrei no palco, senti uma extraordinária intensidade humana." Agostinho Sequeira esteve a estudar desde dezembro passado e quando chegou o momento disse para consigo: "Está mesmo a acontecer!..." Agora Agostinho está no Conservatório de Amesterdão e quer aproveitar o prémio para se projetar: "Quero dar-me a conhecer ao mundo."
Agostinho Sequeira deu um espetacular concerto na sexta-feira, repetindo depois a proeza no Concerto de Gala no domingo. Aplausos calorosos, que Agostinho, com os seus 18 anos, mal sabia como agradecer. Agradece também à equipa de produção do prémio e do festival, mas também não esquece a importância que teve a sua escola: "Quero agradecer à Metropolitana e ao meu professor Marco Fernandes, em particular, por me terem dado condições e ajudado nos projetos que queria fazer. Se não fossem eles, não estaria aqui. Escreva isto." Aqui está, Agostinho. Parabéns.
por Pedro Boléo, in jornal Público | 27 de setembro de 2016
no âmbito da parceria Centro Nacional de Cultura | Público