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Viajar pelo Tamisa ao som de Händel sem sair do Real Picadeiro
A 3ª edição da Rota das Artes, que começa hoje e termina a 23 de outubro, propõe cinco espetáculos, entre os quais uma "Flauta Mágica", de Mozart.
Bailarinos do Teatro Bolshoi acompanhados por dois pianistas, uma versão da Flauta Mágica de Mozart com marionetas, um passeio pelo rio Tamisa ao som de Händel e uma representação de Sonho de Uma Noite de Verão com atores que colaboram com a Royal Shakespeare Company são as propostas da edição deste ano da Rota das Artes. Uma edição mais ambiciosa que as duas anteriores e que a partir de hoje e até 23 de outubro vai ocupar o Real Picadeiro do Colégio dos Nobres do Museu de História e da Ciência, em Lisboa. No total serão oito apresentações dos quatro espetáculos acima referidos aos quais se junta um recital do pianista croata Ivo Pogorelich (dia 30 de setembro, às 21.00).
Sobre as propostas apresentadas, o programador Tito Celestino da Costa explica que a única preocupação é "dar espetáculos que as pessoas possam compreender o que vai acontecer. A música clássica tem um problema grave: descodificar-se para as pessoas que não conhecem. Tem que haver um trabalho de criar à volta de cada espetáculo uma linha de interesse e sugestão que seja evidente".
O primeiro espetáculo, Os Ballets e a Música (hoje e amanhã) é uma estreia absoluta e aposta em juntar no palco sete bailarinos solistas do moscovita Teatro de Bolshoi com dois destacados pianistas (Ludmila Berlinskaya e Arthur Ancelle). "Um desafio interessante quer para quem gosta de música quer para quem gosta de dança. No caso da dança, o que me interessa é que os bailarinos sejam obrigados a ouvir a música. Hoje em dia, na maior parte dos casos, [os bailarinos] já nem ouvem a música, contam tempos. A ideia de ter dois bons pianistas no palco que lhes fazem a música ao vivo e que têm a liberdade que um pianista normalmente tem, obriga-os a ouvir de facto a música e é um desafio muito interessante para ambas as partes".
Este espetáculo encerra uma outra curiosidade: é também uma "estreia absoluta das partituras em Portugal". O programador explica: "Uma das condições que os pianistas me puseram para fazer o espetáculo foi interpretarem grandes transcrições para piano da obra de Tchaikovsky.Tratam-se das transcrições da Bela Adormecida por Rachmaninov, uma encomenda do próprio Tchaikovsky - deu-me uma dor de cabeça gigantesca conseguir as partituras. Estavam escondidas num Museu em Moscovo". Foi graças à ajuda da pianista Berliskaya que as conseguiu localizar, e depois de fotografadas em Moscovo, enviadas para transcrição em Paris, logo à noite vão ser ouvidas em Portugal pela primeira vez.
Já em outubro, a Rota das Artes prossegue com a Flauta Mágica, de Mozart, numa versão cénica com marionetas do sueco Arne Högsander, que trabalhou com o cineasta Ingrid Bergman, tanto em cinema como no teatro. "As marionetas são lindíssimas e o espetáculo funciona um pouco como o teatro à japonesa: as marionetas estão em palco, os cantores estão vestidos de acordo com as marionetas e dão voz às marionetas, apenas um dos cantores vai à cena", revela um pouco Tito Celestino da Costa.
Esta terceira edição da Rota das Artes termina com Sonho de Uma Noite de Verão (a 22 e 23 de outubro, às 21.00 e às 16.00, respetivamente), por atores que colaboram com a Royal Shakespeare Company, ao som de Mendelsshon por uma orquestra dirigida por Stephen Barlow, marido de Joanna Lumley (a Patsy da série televisiva Absolutely Fabulous). E este pormenor não é avançado ao acaso: "é um maestro muito experiente que está muito familiarizado com o teatro". A apresentação de dia 23 será transmitida em direto para o Hospital da Luz, em Lisboa.
A Rota das Artes tem ainda uma vertente solidária: em todos os bilhetes vendidos, um euro reverte para ajudar o trabalho que o médico Denis Mukwege tem vindo a desenvolver junto das mulheres do Congo vítimas de violência.
O Tamisa em Lisboa
Um dos momentos altos da programação será o espetáculo Water Music, com uma única apresentação, no dia 15, às 21.00. "Sempre gostei da ideia de as pessoas puderem viver a Water Music tal como ela foi concebida [em 1717, por Handel], sem ser apenas em versão de concerto. Ela ganha uma magia particular quando imaginamos que estamos a viajar num barco ou num bergantim ao longo de um rio, ouvindo aquela música de fundo. A história desta obra é curiosa: foi encomendada pelo rei Jorge I de Inglaterra, vindo da casa alemã de Hanôver, algo que não agradou aos ingleses, claro, para tentar criar uma simpatia entre o povo e a aristocracia. E a história torna-se ainda mais engraçada porque Händel tinha pedido asilo artístico a Inglaterra e teve tanto azar que os príncipes alemães também foram parar à coroa inglesa", conta Tito Celestino da Costa. Por isso, esta composição é como que uma dupla reconciliação: do rei e da coroa com a sociedade inglesa e do rei com o próprio compositor.
Quanto ao espetáculo a apresentar no Real Picadeiro, "é feito com técnicas de projeção, teremos a orquestra em palco como se estivesse dentro de um bergantim e é a projeção atrás que nos dá a sensação de estarmos todos a viajar rio Tamisa acima e abaixo". Ou melhor, abaixo e acima, de acordo com as descrições da altura: "Há suites que sabemos que foram tocadas durante o dia quando iam para baixo e suites que foram tocadas no regresso, à noite. E vamos recriar esse ambiente, essa evolução do dia ao longo da viagem. E acabamos já de noite, com o lançamento do fogo artifício". Isto tudo no rio Tamisa, em plena Rua da Escola Politécnica, no coração de Lisboa.
Ficha de espetáculo:
Os Ballets e a Música
Bailarinos do Teatro Bolshoi acompanhados pelos pianistas Ludmila Berlinskaya e Arthur Ancelle
Hoje e amanhã, às 21.00
Picadeiro Real, Museu de História Natural e da Ciência, Lisboa
Bilhetes: Entre os 15 e os 55 euros
por Marina Marques, in Diário de Notícias | 23 de setembro de 2016
Notícia no âmbito da parceria Centro Nacional de Cultura | Jornal Diário de Notícias