Teatro
Evocação histórica dos dois Teatros de Faro (I) - O Teatro Lethes
Tem interesse cotejar, no ponto de vista histórico e arquitetónico, as duas principais salas de espetáculo teatral de Faro, tanto pelos edifícios em si e na sua funcionalidade artística, como na perspetiva do que representa esse cotejo na própria evolução urbana, económica e cultural da cidade e do país.
E isto porque a existência e o historial de um teatro reflete diretamente e reciprocamente, as mudanças que entretanto vão decorrendo: neste caso através do cotejo e das implicações significativas dos dois Teatros de Faro, o Teatro Lethes e o Teatro Municipal, também chamado Teatro das Figuras.
O primeiro ocupa um edifício do século XVII, transformado em teatro no século XIX. O segundo foi inaugurado em 2005. Vejamos hoje o primeiro, e em próxima crónica o segundo.
O edifício do Teatro Lethes remonta pois ao século XVII e corresponde, com poucas alterações no exterior, ao antigo Colégio dos Jesuítas que se instalam na cidade em 1599. Lá se mantêm até 1769: e exatos 10 anos decorridos, o edifício retomou a sua vocação religiosa, abrigando a Ordem dos Carmelitas, até 1834. Ficou a tradição de um impressionante conjunto de talha entretanto desaparecida. E o exterior mantem fortes vestígios da traça original.
Mas em 1843 o edifício é adquirido por um médico italiano, Dr. Lázaro Doglioni, nascido em Veneza em 1778. Quis o destino que em 1804, embarcado a caminho de Inglaterra, Lázaro tenha naufragado ao largo do Cabo se São Vicente. Sobreviveu e fixou-se no Algarve. E nesse ano de 1843 adquire o Convento devoluto e inicia trabalhos de transformação/adaptação a Teatro. Para isso, contou com o apoio de um sobrinho também médico, Justino Comano, chegado a Faro em 1840.
O mais extraordinário é que o Teatro Lethes fica na família até 1951, tendo começado a funcionar também como cinema no início do século. Naquele ano, entretanto, é vendido à Cruz Vermelha. E manteve, não obstante o ciclo de transformações, o caráter arquitetónico exterior do Convento e a estrutura interior de sala de espetáculos dos séculos XVIII/ XIX, com a rede de camarotes adequada à dimensão da sala.
José Carlos Vilhena de Mesquita descreve as adaptações da antiga Igreja e Convento a sala de espetáculos. “No lugar do altar-mor ficava a Sala Verde do teatro e no coro da Igreja que se situava junto à frontaria, erigiu-se o respetivo palco” (in “O Teatro Lhetes”, 1988, pág. 24).
No início do século passado fazem-se novas adaptações, com intervenção de José Filipe Porfírio. Mas, tal como refere Paulo de Almeida Fernandes no “Portugal Património” que temos aqui citado, “o teto é a parcela mais importante do sistema decorativo: sob um cenário celestial exibem-se quatro figuras mitológicas (duas masculinas e duas femininas) a tocar flauta, clarinete, harpa e violoncelo, sob o regozijo de uma superior figura alada, que lhes lança coroas de louro em sinal de glória a aplauso”… (ed. Círculo de Leitores, vol. IX, 2008, pág. 322).
E assim perdura até hoje o Teatro Lethes: como noutro lado escrevi, “o aspeto continua a ser algo insólito, com a velha e poderosa fachada jesuíta encimada pela divisa Monet Obletanto e com a sala de traça romântica, frisa, três ordens de camarotes e uma belíssima alegoria à música no teto e na boca de cena” (in “Teatros de Portugal”, ed. Inapa, 2005, pág. 73).
Em próximo texto evocaremos o moderno Teatro Municipal de Faro, também conhecido por Teatro das Figuras.
DUARTE IVO CRUZ