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Casa-estúdio Carlos Relvas: um templo dedicado à fotografia
Assinalando o Dia Mundial da Fotografia que se celebra a 19 de agosto, visitamos "o mais perfeito estúdio fotográfico do mundo", que fica na Golegã.
"O mais perfeito estúdio fotográfico do mundo está na Golegã, em Portugal, e foi construído pelo senhor Carlos Relvas." A tradução livre dos pergaminhos apresentados em francês pela guia Elvira durante a visita à Casa-Estúdio Carlos Relvas não deixa quaisquer dúvidas sobre o pioneirismo desse homem do Ribatejo.
E o recurso à língua francesa nada tem a ver com o facto de ser esta a nacionalidade que mais procura conhecer este espaço, a cem quilómetros de Lisboa, antes com a forma como foi referido em várias revistas, jornais e tratados de fotografia em França, após a sua apresentação na Grande Exposição Internacional de 1889 (aquela em que foi inaugurada a Torre Eiffel e foram mostradas as grandes inovações tecnológicas da segunda metade do século XIX).
O edifício em si foi apresentado, através de fotografias, como uma grande invenção, e a Sociedade Francesa de Fotografia, na altura o grupo mais elitista a nível de fotógrafos do mundo e ao qual Carlos Relvas pertencia desde 1869, reconhece isso mesmo, atribuindo-lhe a Medalha de Ouro. Uma entre várias do percurso deste ribatejano, nascido em novembro de 1838, que logo no início da década de 1860 se começa a interessar pela fotografia.
Filho de um abastado proprietário da Beira Interior que se instalara com sucesso no Ribatejo, logo fez um primeiro estúdio no local da atual casa, "onde começa a fazer experiências". Por isso, quando em 1871 "se lança de alma e coração a realizar esta casa, sabe o que quer".
Trinta e três toneladas de ferro fazem a estrutura da casa de dois pisos, que no andar superior da fachada nascente é completamente revestida a vidro - paredes e telhado. No interior desta grande galeria envidraçada, um sistema de cordas permite mexer as cortinas por forma a que Carlos Relvas pudesse tirar o maior proveito possível desse flash natural que é o sol. Pelo contrário, no piso térreo, são poucas as janelas, "correspondendo à outra parte necessária para a realização da fotografia: a preparação dos negativos, com as câmaras escuras e claras e os laboratórios".
Na fachada virada para o jardim, Elvira assinala alguns pormenores decorativos: os bustos dos franceses Daguerre e Niépce, dois pioneiros da fotografia mundial, réplicas de medalhas que Carlos Relvas ganhou e, sobre o lado direito, um anjo, com uma máquina fotográfica debaixo do braço. "Uma clara alusão ao desejo de Carlos Relvas de elevar a fotografia a arte principal, num momento em que está a nascer e ainda não se pode comparar com as outras artes clássicas", afirma.
Ele que se assume sempre como fotógrafo amador, ou seja, que não ganha dinheiro com a fotografia, "inventando, inclusivamente, um papel onde vai imprimir diretamente as suas imagens" ou ainda uma "lanterna mágica" que funcionava a velas e que servia para projetar os cenários que precisava para os inúmeros retratos e autorretratos que realizou na imensa galeria do primeiro andar. Foi aí que Carlos Relvas fez o retrato tanto de mendigos como da rainha D. Maria Pia. Os cenários, que subiam e desciam como no teatro e na ópera, já lá não estão, mas ainda são apresentados alguns dos adereços e material fotográfico que há mais de cem anos era do mais moderno que existia, vindos diretamente de Paris.
Não são muitas as fotografias expostas, mas lá está a da Casa-Estúdio, realizada por Carlos Relvas em 1876, e que lhe valeu a medalha de ouro em Paris em 1889 ou ainda uma fotografia de exterior, de 1868, com pessoas e animais. Uma raridade, explica a guia, face às dificuldades técnicas existentes: seria necessário manter a posição por cerca de três minutos para que o colódio, a mistura química então usada, fixasse a imagem nas placas de vidro. Placas que são mais de 12 mil no espólio da casa-estúdio, "uma das maiores coleções da Europa em termos de fotografia e testemunho histórico e artístico deste período inicial da história da fotografia que só começou a ser estudada depois de a Casa-Estúdio abrir como museu, a 20 de abril de 2007", sublinha a guia.
"Mas estimamos que tivessem chegado a ser mais do dobro", refere, lembrando que a casa esteve fechada durante todo o século XX, tendo deixado de ser utilizada após a morte de Carlos Relvas, em 1894.
in Diário de Notícias | 19 de agosto de 2016
Artigo editado no âmbito da parceria Centro Nacional de Cultura | Jornal Diário de Notícias