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Reservatório da Patriarcal. Uma porta para a Lisboa subterrânea
Perto do centenário cedro-do-buçaco, ex-líbris do Jardim do Príncipe Real, há umas escadas discretas que descem não se percebe bem para onde.
Quase não se dá por elas, nem pela placa que explica o que fazem ali. São a porta de entrada para o Reservatório da Patriarcal - e este é a passagem para uma Lisboa subterrânea quase desconhecida.
Se costuma andar na parte ocidental de Lisboa, estará provavelmente a caminhar sobre um pedaço dos 12 quilómetros de túneis do Aqueduto das Águas Livres que há deste lado da cidade. Só uma pequena parte é visitável, e um dos pontos de entrada é exatamente o Reservatório da Patriarcal - é dali que partem as visitas guiadas pelos 410 metros de túnel que vão até ao Jardim de São Pedro de Alcântara. O reservatório é a parte mais monumental: debaixo do chão do Príncipe Real levantam-se 31 colunas com mais de nove metros de altura. É nelas que assentam as abóbadas que têm por cima o lago que se vê no jardim, construído com o intuito de arejar as águas antes de entrarem no depósito subterrâneo. O reservatório ainda hoje fornece água ao lago.
Reservatório da Patriarcal porquê?
Antes do percurso, a história. E antes de começar a história do reservatório, muito antes disso, começa a da Patriarcal, onde aquele vai buscar o nome. No lugar que hoje é o Príncipe Real ergueu-se em tempos a Basílica Patriarcal de Lisboa. Começou a ser construída em 1756, logo após o terramoto, mas viria a arder, num violento incêndio, em 1769. A toponímia lisboeta guardou memória desse acontecimento: o Príncipe Real chegou a chamar-se Largo da Patriarcal Queimada e nas redondezas fica, ainda hoje, a Calçada da Patriarcal.
Depois de ter ardido no Príncipe Real (à data, Alto da Cotovia), a Basílica foi mudada para o Mosteiro de São Bento da Saúde (atual Assembleia da República). Passados dois anos...ardeu. E daí foi para o Mosteiro de São Vicente, onde...ardeu outra vez. Tanto incêndio acabou a despertar suspeitas que foram dar ao armador da basílica. Reza a condenação que Alexandre Franco Vicente - responsável por todas as armações da igreja, habitualmente bordadas a ouro - roubava as franjas de ouro e pegava fogo ao edifício para que desaparecessem no incêndio as provas do delito. Não teve um fim bonito: levado de rastos atado a um cavalo até ao Alto da Cotovia, foi amarrado a um poste e queimado vivo.
O projeto que tomou o lugar da Patriarcal também não teve um final feliz pela singela razão de que não teve um final. Em 1790 começaram as obras para se instalar no Príncipe Real o Erário Régio, uma espécie de antepassado do Ministério das Finanças, uma construção monumental que integraria também a Torre do Tombo. Nunca foi terminado. E há de ser o reservatório a aproveitar as fundações desta obra, e a pedra das paredes que ficaram meias, e que vem a ser reaproveitada para construir não só o Reservatório da Patriarcal, mas também o Reservatório da Rua da Verónica (na freguesia de São Vicente) e parte do Reservatório do Arco (na Rua das Amoreiras).
Com exceção de Alfama, que sempre teve nascentes naturais, a cidade de Lisboa debateu-se, ao longo dos séculos, com sérios problemas devido à falta de água potável. Foi essa dificuldade que levou à construção do Aqueduto das Águas Livres. E é ainda o mesmo problema que leva à construção do Reservatório da Patriarcal, projetado pelo engenheiro francês Louis-Charles Mary e terminado em 1864. A estrutura tinha como principal função regular a pressão da água entre o grande reservatório da Rua das Amoreiras e a canalização da zona baixa da cidade (ou seja, atenuar o efeito de pressão provocado pelo declive acentuado das colinas).
O Reservatório da Patriarcal foi desativado em 1949 e é hoje um dos núcleos do Museu da Água da EPAL, empresa responsável pelo abastecimento a Lisboa.
A Galeria do Loreto
A partir do reservatório, os visitantes - que são acompanhados por um guia da EPAL, no caso a historiadora Bárbara Bruno - seguem por um túnel com 1,96 m de altura, sempre em frente, depois à direita (até há placas de indicação pelo caminho) até chegar à Pia do Penalva. Esta, uma sala subterrânea com um pequeno tanque (a pia) central, fica por debaixo do cruzamento da Praça do Príncipe Real com a Rua do Século e funcionava como uma bacia de equilíbrio (com o mesmo intuito de retirar pressão à água que depois descia a colina). Distribuía água para o lado direito - o túnel desce pela Rua do Século até ao chafariz que ainda hoje ali existe, já sem água, abastecendo também o Palácio dos Carvalhos, do outro lado da rua. E distribuía água para o lado esquerdo, com um ramal que abastecia o chafariz da Praça da Alegria. O troço principal (que é mais antigo do que o próprio reservatório) vai em frente até ao Teatro Nacional de São Carlos, e é por aí que os visitantes seguem viagem até emergirem do chão, a meio caminho, em São Pedro de Alcântara.
A Galeria do Loreto é a única, das cinco grandes galerias de túneis do Aqueduto que atravessam Lisboa ocidental, aberta a visitas (aos sábados). Às sextas, no primeiro e no último sábado de cada mês é possível visitar um troço maior (1600 metros dos quase três mil que tem a galeria no total), com entrada junto à Mãe d"Água das Amoreiras.
por Susete Francisco, in Diário de Notícias | 11 de agosto de 2016
no âmbito da parceria Centro Nacional de Cultura | Diário de Notícias