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Arquitetura
Há histórias por trás das paredes para ouvir no Open House Lisboa.
A quinta edição da festa da arquitetura abre ao público 73 edifícios da cidade e é de entrada gratuita.
No Largo de São Vicente, em Lisboa, é habitual o reboliço de turistas, tuk tuks e elétricos que, diariamente, se fundem no quotidiano da gente que ali mora. Aquele que é um ponto de passagem no coração de Alfama contrasta com um edifício imponente que resiste à passagem do tempo. O mosteiro de São Vicente de Fora, exemplo da arquitetura maneirista portuguesa do século XVII, é um dos que convidam o público a entrar este fim-de-semana, 2 e 3 de Julho, à boleia da quinta edição do Open House Lisboa. Organizado pela Trienal de Arquitetura de Lisboa, o evento é de entrada gratuita e abre ao público 73 espaços da cidade, a maioria em estreia no roteiro.
É o caso do mosteiro de São Vicente de Fora, que guarda quatro séculos de história e sobreviveu a acontecimentos como o terramoto de 1755 e a dinastia espanhola. Quem entra no edifício dá imediatamente de caras com a única estrutura que resta do antigo mosteiro, a cisterna, um reservatório de águas pluviais alojado numa estrutura de pedra com profundidade que se pode ver através da uma janela gradeada. As escadas que levam ao piso de cima são ladeadas por um conjunto de ruínas do século XVI. “Os mestres de obra usaram a estrutura antiga como fundação da escadaria do novo mosteiro”, conta Luís Gaivão, guia da visita, que nos apresenta, depois, a sala da portaria.
Tida como a antiga entrada do mosteiro, é um espaço que prende imediatamente o olhar pelo teto de cores garridas e pelo circuito de azulejos que dá a volta à sala. Este é um elemento recorrente em todo o mosteiro, como vemos nos claustros que se abrem sob o céu de Lisboa. “D. João V quis colocar aqui mais de cem mil azulejos. É a maior coleção barroca de azulejos do mundo”, explica Luís Gaivão. Ali ao lado, as paredes da sacristia chamam a atenção pelo detalhe que contêm, mas o destaque vai para a figura de mármore do rei D. João V mandada talhar pelo próprio para eternizar o seu legado.
A subida continua em direção às torres da igreja, mas aqui os degraus estão rodeados de azulejos e deixam de ser um mero ponto de ligação para passar a fazer parte do todo arquitetónico. É aí que encontramos (ainda) mais azulejos, nomeadamente os 38 painéis das fábulas de La Fontaine que nos convidam a explorar as suas histórias. Então, saímos lá para fora, onde o olhar é forçado a ajustar-se à luz que enche o terraço. A vista sobre Lisboa proporciona uma perspetiva única sobre as sete colinas, mas o melhor ainda está por vir. “Mais 69 degraus”, incentiva Luís Gaivão. Ao chegar ao topo, temos a impressão de estar perto do céu e é difícil não notar o amontoado de casas com telhados cor-de-laranja, os barcos que salpicam o Tejo e o Castelo de São Jorge, com a bandeira de Portugal ondulando ao vento.
A imensidão da paisagem é a pausa perfeita para José Mateus, comissário do Open House Lisboa, convidar os lisboetas a tornarem-se turistas na própria cidade. “Temos a tendência de visitar outros sítios em profundidade, mas adiamos conhecer a nossa cidade porque achamos que só depois é que vamos ter tempo”, diz José Mateus. O evento pretende “abrir o olhar do público sobre Lisboa” e inclui no seu roteiro uma variedade de locais que vão desde apartamentos privados a escolas, museus, teatros e palácios. Alguns destes espaços não são acessíveis durante o resto do ano, mas o roteiro inclui também edifícios que estão abertos ao público mas que em condições normais cobram bilhete, como são os casos do Arco da Rua Augusta e do Palácio Nacional da Ajuda.
Enquanto curador, José Mateus quis apostar em “locais que funcionam como entrada na cidade de Lisboa e, também, a ideia de poder mostrar às pessoas aquilo que está para lá do que elas vêm”. O Farol do Bugio será um dos pontos em estreia e os visitantes poderão deslocar-se até lá em lanchas. Já no Aeroporto Humberto Delgado, as pessoas poderão conhecer “o percurso feito pelas suas malas”.
De cima para baixo
É de conhecimento geral que Lisboa é uma cidade de miradouros e o conceito de olhar a cidade de cima para baixo também foi uma preocupação. “É uma rede de mais de dez miradouros e edifícios que nos permitem ter uma fotografia nítida da cidade e do rio”, diz o comissário do Open House Lisboa. O conhecimento “bairro a bairro” é também uma das linhas da programação, com vista a perceber o modelo de cidade do século XX que pode ser apreciado nos Olivais, na Luz e em Carnide. “Os arquitetos destes projetos ainda estão vivos, por isso poderão dar-nos uma melhor explicação”, conta José Mateus. É, aliás, uma prioridade da organização que os guias da visita sejam investigadores ou arquitetos com “uma ligação direta ao edifício.”
Vagueamos, agora, pelas ruas estreitas de Alfama que brotam de vida, nos seus estendais e enfeites de Santo António tardios. No tranquilo Largo do Outeirinho, surge uma casa branca de aspeto futurista que é quase um elemento disruptivo. É a Casa em Alfama, projeto do arquiteto Pedro Matos Gameiro, que preferiu ocupar menos metros quadrados, dispensando parte do espaço de construção que tinha à sua disposição, e privilegiar a criatividade do programa. “Este largo tem uma relação com o anfiteatro que é Alfama e sobrepõe-se às Portas do Sol, por isso tentámos tirar partido disso”, explica o arquiteto. Ainda em fase de construção, a casa pretende vir a ser colocada no mercado do arrendamento turístico a curto prazo. O edifício tem “70% de espaços abertos” e uma piscina que parece ter sido ali encaixada à justa, mas que talvez por isso pareça ainda mais acolhedora.
Seguimos, por fim, para a Torre de Controlo Marítimo, em Algés, um edifício inclinado que parece cair sobre o azul do Tejo. Projetada por Gonçalo Byrne, foi inaugurada em 2001, e para a sua construção “foi feita uma análise da costa e de todos os seus pontos notáveis”, clarifica Rúben Castro, estudante de arquitetura. O também membro da equipa do Open House Lisboa explica que a inclinação da torre pretende que esta “seja uma linha em terra que se encontra com a linha do mar”. Os dois primeiros pisos têm apenas vista para terra, mas à medida que se vai subindo a torre vai-se abrindo para permitir uma maior vigilância do Porto de Lisboa. Degrau a degrau, subimos para a sala de reuniões, que seria apenas uma formalidade não fosse a parede do fundo “inclinada, para obedecer à estrutura do edifício”; passamos pela sala de registos com duas janelas que deixam avistar o Farol do Bugio e, no topo, encontramos a sala de controlo, uma âncora da segurança nacional que se abre agora, pontualmente, ao público. Há, ainda, um terraço que oferece uma vista de 360º sobre a cidade.
O Open House Lisboa é um roteiro de conhecimento pronto a mostrar que a arquitetura é para todos e, para isso, conta com 80 profissionais da área que aprofundarão o olhar de cada visitante. Haverá visitas guiadas com os arquitetos Bartolomeu Costa Cabral, Nuno Portas e Raúl Hestnes Ferreira e uma visita à Torre de Controlo Marítimo com Gonçalo Byrne. Apenas sete dos 73 pontos de visita precisam de marcação. E os dias maiores trazem horários alargados e, assim, a calma para apreciar as histórias por trás destas paredes.
por Maria João Monteiro [editado por Inês Nadais], in Público | 2 de julho de 2016
Notícia no âmbito da parceria Centro Nacional de Cultura | Jornal Público