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O Portugal de Souto de Moura em sete pedaços na Garagem do CCB
Maquetas de 25 anos e filmes de projetos vivos.
“A qualidade dos meus projetos portugueses é maior do que a dos projetos lá fora”, diz o arquiteto que faz uma espécie de ponto de situação na carreira numa exposição em Lisboa.
A árvore que Eduardo Souto de Moura plantou está ali, maior e mais viçosa, no coração de uma das suas casas – são as estruturas que mais gosta de projetar. Ainda assim, foi uma grande estrutura, o Estádio Municipal de Braga, aquela “que mais [o] satisfez fazer”, diz na Garagem Sul do Centro Cultural de Belém (CCB), onde inaugurou esta terça-feira a exposição Eduardo Souto de Moura: Continuidade.
São sete projetos, num diálogo minimalista entre maquetas e vídeo, todos no território que melhor conhece. “A qualidade dos meus projetos portugueses é maior do que a dos projetos lá fora”, diz ao PÚBLICO.
Na penumbra da Garagem, iluminada a espaços por uma luz torrada, as obras sucedem-se. A do Tua (em curso), o Estádio de Braga (2004), o Metro do Porto (2001), a Torre do Burgo (2007), A Casa das Histórias Paula Rego (2008), a Casa na Arrábida (1994), onde a árvore que plantou cresce num pátio interior, e a Casa em Moledo (1991). São os territórios que escolheu com os comissários, os arquitetos António Sérgio Koch e André de França Campos, para fazer este ponto de situação na sua obra. E não há o hotel de Salzburgo ou os projetos na Bélgica ou na Suíça. “As pessoas têm e sentem empatias; eu sinto-me mais em casa” a trabalhar em Portugal, admite descontraidamente – há o cansaço das viagens, as “geringonças” em que tem de se meter para sair do seu Porto. E a proximidade que gosta de ter nas conversas com aqueles para quem faz as casas, para quem desenha os habitats.
A “continuidade” do título é escolha dos comissários, repete Souto de Moura, que também reitera como ela lhe apraz (e invoca mesmo o Poema Contínuo do seu poeta de eleição, Herberto Helder). No texto que acompanha a mostra, os comissários contextualizam que a forma como Souto de Moura usa as “regras e as ordens clássicas” com que aborda inicialmente os espaços em que vai trabalhar “demonstra a inquietação do arquiteto pela maneira como as suas obras estão inseridas no território”.
Numa casa ou num estádio, como o de Braga, aquele que o faz dizer que não há verdade na ideia de que os seus projetos são todos seus "filhos” por igual. “Se calhar, por não perceber nada de futebol, percebi que o estádio, e o Europeu, é feito para a televisão e não para jogar futebol. Os jogadores são atores num palco e fiz um palco com iluminação vertical, como num teatro”, descreve aos jornalistas durante a visita de imprensa no CCB.
O estádio, que para o crítico de arquitetura André Tavares é “uma das mais marcantes obras da arquitetura portuguesa, capaz de ombrear com o Mosteiro dos Jerónimos ou o Convento de Mafra”, foi um dos seus projetos feitos a correr, algo que diz ser tradicional em Portugal. “O problema número um é que a arquitetura, por mais computadores que haja, precisa de tempo”, diz ao PÚBLICO. “As pessoas têm a mania de que isto tem de ser muito rápido, porque ‘temos eleições’, ‘porque o meu filho vai casar’…, e fica tudo mal”, e isso vê-se. “A arquitetura precisa de tempo, porque tem um conjunto de pessoas que têm de ser conciliadas.”
Porém, “até ver, prefiro trabalhar por cá. Sou obrigado, para manter a contabilidade do escritório, a trabalhar lá fora". "Vá, da Suíça gosto”, riu-se, falando sobre o país onde deu aulas em várias cidades. Em Portugal, “perde-se dinheiro”. É uma de várias frases que o arquiteto vai lançando em forma de dichote: “O país está feio, mas não é culpa dos arquitetos; o país está feio porque os arquitetos não conseguem trabalhar”. “As boas obras têm de ter bons clientes”; “Quando cheguei ao Sul, tive de fazer janelas, se não morre-se assado”.
Souto de Moura tem entre a sua escolha destes sete projetos, numa mostra que surge a convite de Dalila Rodrigues (que entretanto saiu do CCB), responsável muitas primeiras vezes. Torre do Burgo: “Até aqui, só tinha feito casas de um piso, nunca tinha desenhado um elevador”. Casa na Arrábida: “A primeira vez na minha vida que fiz janelas, passei a vida a fugir dos buracos nos muros”, diz, contextualizando a “vertigem” de ser moderno e a sua educação “num certo neo-realismo” em que, “quando precisava de luz, cortava a parede”.
No fundo, são maquetas de 25 anos de trabalho. Um percurso em sete paragens pelo Portugal que pontuou e onde inicialmente “sacrificava bastante à estética” a sua atual predileção pela “comodidade” e “função”. Ao serem acompanhadas por vídeos do japonês Takashi Sugimoto, as obras ganham uma dualidade expositiva de luz e sombra – Miles Davis e o álbum preferido do arquiteto embalam In a Silent Way o visitante, que em nichos de cortiça escura (a Amorim é a patrocinadora da mostra) pode ver pequenos filmes da sua obra viva e vivida.
Os desenhos técnicos e as maquetas já os conhece de cor, diz Souto de Moura, mas os vídeos tornam-no espectador da sua obra. Descobriu-lhe “bastantes defeitos”. “Vidro a mais”, em algumas casas – “falta-lhes um bocadinho de intimidade”.
O arquiteto que a par de Álvaro Siza é responsável pelos dois Prémios Pritzker portugueses é saudado pelo seu mestre logo no início da exposição. Um texto recorda o recém-licenciado que venceria o concurso para projetar a Casa das Artes no Porto, no início da década de 80, já dono de uma “maturidade surpreendente” que, ao longo da sua carreira, “constrói poesia com um singular sentido prático, percorrendo os interstícios da exceção e do anonimato”.
Ao falar sobre a Casa em Moledo, Souto de Moura corrobora-o: “Gosto de fazer arquitetura anónima – a fingir que é anónima, que isto deu uma trabalheira; não há mentira mais declarada que esta”, ri-se.
por Joana Amaral Cardoso, in jornal Público | 21 de junho de 2016
no âmbito da parceria Centro Nacional de Cultura | Público