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Siza reencontra-se com Serralves e abre arquivo a quem quiser perceber "o porquê das coisas"

Siza Vieira numa das salas da fundação que ele próprio desenhou  |  Pedro Granadeiro/Global Imagens


"Matéria-prima: Um olhar sobre o arquivo de Álvaro Siza" é a primeira exposição a reunir materiais de trabalho sobre 27 obras marcantes do arquiteto.

Esquissos, desenhos, fotografias, maquetes, pareceres, correspondência, projetos... Pela primeira vez, parte do arquivo de trabalho de Álvaro Siza Viera está disponível ao público e logo no Museu de Serralves - edifício que tem foi a primeira obra pública do arquiteto no Porto, a cidade onde vive e trabalha.

"Matéria-prima: Um olhar sobre o arquivo de Álvaro Siza", que foi inaugurada ao final da tarde e está patente na biblioteca do museu até 18 de setembro, é a primeira exposição a reunir materiais de trabalho utilizados na conceção e construção de 27 obras marcantes, dos 40 projetos em arquivo no museu, do vencedor do Prémio Pritzker de 1992.

"Esta exposição é para quem quiser estudar e compreender o porquê das coisas", explicou Siza Vieira, presente ontem na inauguração, em Serralves, onde explicou o processo de realização de alguns projetos.

Entre estes, alguns de sucesso, como precisamente o icónico museu de Serralves (1991-1999) ou o da Faculdade de Arquitetura da Universidade do Porto (1987-1993); mas também outros que geraram controvérsia, como a Cooperativa de Habitação de Lordelo, no Porto (1960-1963), ou até que nem chegaram a sair do papel, exemplo de dois projetos, com três décadas de diferença entre si, para a Avenida D. Afonso Henriques ("a Avenida da Ponte"), via de acesso ao tabuleiro superior da Ponte Luís Primeiro, junto à Sé Catedral, no coração da cidade do Porto.
"O que destaco nesta exposição é o conhecimento que ela permite sobre como se faz a arquitetura, que é um trabalho de equipa mas em que quem decide à partida é o "arquiteto número 1", que é o dono da obra. Há projetos que não se realizaram. Aliás, diria que a grande maioria: uns 70 a 80 por cento. Mas não são realizados por razões diferentes. Poucas vezes têm que ver com desinteligências entre o dono da obra e o arquiteto. É natural que haja alguma confrontação. Aliás, sem isso o trabalho é pobre. Umas vezes é por falta de dinheiro, outras por mudanças políticas, em que determinado sucessor rejeita um "filho" que não é seu. A não realização de determinado projeto é a única má memória que tenho do meu trabalho. Por exemplo, o primeiro projeto que fiz (1957) foram quatro pequenas casas de habitação em Matosinhos e é feio [estes edifícios de habitação podem ser visitados na segunda edição do evento Porto Open House, que se realiza no Porto, Matosinhos e Vila Nova de Gaia no próximo fim de semana]; mas olho para ele ainda com entusiasmo. Foi a primeira vez que vi um projeto sair do papel e tomar conta do espaço e também porque pude contactar com os operários na obra e perceber algumas dificuldades na execução... Acho que nunca nenhum cliente meu ficou zangado comigo por causa de uma obra. Isso é fundamental. A arquitetura é, antes de mais, um serviço prestado à comunidade, mas também algo que fica e que a cidade beneficia", afirmou Siza Vieira, após realçar em conversa com os jornalistas que com esta exposição "Serralves atinge uma tendência que hoje nos museus de arte contemporânea já é usual, que é incluir nos seus arquivos obras de arquitetura. O que há uns anos era impossível, porque a arquitetura era considerada uma arte menor ou não-arte".

 

Arquivo de Siza: "Uma riqueza para partilhar com o mundo"
O arquivo de Siza Vieira encontra-se distribuído pelo Centro Canadiano de Arquitetura, em Montreal, no Canadá, pela Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa, e por Serralves, no Porto, que recebeu 40 projetos, num total de seis mil plantas e mais de 60 mil documentos, que começaram a dar entrada no museu há cerca de seis meses. Juntas as três instituições cooperam na gestão do espólio e Álvaro Siza Vieira salienta a sua "satisfação" por parte dele ter ficado em Portugal, "ao contrário do que se chegou a dizer".

A presidente do Conselho de Administração da Fundação de Serralves, Ana Pinho, sublinhou que esta exposição vai marcar "a importância cada vez maior" que o museu quer dar à arquitetura como parte da programação, organizando debates e outros eventos ligados ao tema.

"Este é um dia especial para Serralves, desde logo porque temos a oportunidade de inaugurar uma exposição que se debruça sobre o trabalho de um dos arquitetos mais reconhecidos internacionalmente. Siza e Serralves já estão ligados para todo o sempre por este museu, que é muitas vezes apontado como um dos mais belos do mundo. Além disso, em breve ficarão ainda mais, quando se iniciar a construção da casa-cinema Manoel de Oliveira [projeto de Siza Vieira]", salientou Ana Pinho, com Suzanne Cotter, diretora do Museu de Serralves, a reiterar que este é "um começo de uma linha de programação": "Partindo deste modelo pioneiro de colaboração de Serralves com o Canadian Center for Arquitecture, de Montreal, e com a Fundação Gulbenkian temos um objetivo de permitir acesso ao arquivo para investigações, consulta e exposições. É uma forma de partilhar esta riqueza com o mundo e partilhar o processo de conceção da obra de Álvaro Siza Vieira."

André Tavares, o curador da exposição, destaca que em "Matéria-Prima: um olhar sobre o arquivo de Álvaro Siza" tem o privilégio contar a um público amplo a curiosidade que há sobre todo o processo de criação: "Estou a satisfazer ao público uma curiosidade que eu próprio tinha. Olhar as obras de Siza não nos conta toda a história da arquitetura. Esta exposição quer mostrar esse trabalho e mostrar os conflitos e as convergências com os clientes, a forma das encomendas, a natureza de alguns documentos. E esta exposição é apenas o começo..."

"Antigamente, os arquivos eram toneladas de papel atirados para um escritório", recordou Siza Vieira, antes de explicar em seguida que só há alguns anos uma arquiteta italiana que trabalha no seu atelier se interessou por organizar todo o espólio, o que facilitou de sobremaneira a inventariação do acervo que agora se encontra distribuído pelo Centro Canadiano de Arquitetura, em Montreal, no Canadá, pela Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa, e por Serralves, no Porto, que recebeu 40 projetos, num total de seis mil plantas e mais de 60 mil documentos, que começaram a dar entrada no museu há cerca de seis meses.

Para além de ter assinado o projeto do próprio museu de Serralves, Siza Vieira tem em mãos o projeto da futura Casa do Cinema Manoel de Oliveira, que será instalada no parque de Serralves e que depende do financiamento por fundos comunitários.

Siza abordou o tema para revelar que, da sua parte, o "projeto já está feito" e que o "processo de financiamento parece estar resolvido". "Só tenho pena que ele (Manoel de Oliveira) não o possa ver realizado. Viu-o projetado, acompanhou o projeto, e no meu espírito ele iria chegar aos cento e tantos anos a ponto de o ver acabado."


por Sérgio Pires, in Diário de Notícias | 16 de junho de 2016

no âmbito da parceria Centro Nacional de Cultura | Diário de Notícias 

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