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A integral das sinfonias de Beethoven numa temporada de fim de ciclo para a Metropolitana

Beethoven num retrato de Joseph Karl Stieler, de 1820, hoje na colecção da casa do compositor em Bona DR

Mega Ferreira e Pedro Amaral acabam mandato na associação que tutela OML a 31 de dezembro. Não sabem ainda se continuarão. O que sabem é que a orquestra chega a esta quarta temporada mais robusta e confiante. Com integrais de Beethoven e Mozart, com Ricardo Ribeiro e Artur Pizarro.

É a quarta temporada com a assinatura do compositor Pedro Amaral e com António Mega Ferreira como diretor executivo da Associação Música Educação e Cultura (AMEC), que tutela a Orquestra Metropolitana de Lisboa (OML), cuja programação 2016/2017 foi apresentada esta segunda-feira. Entre os pratos principais do menu que a formação começa a servir já em Setembro, e que reitera a receita das três temporadas anteriores, estão dois artistas convidados (o pianista Artur Pizarro e o designer e caricaturista André Carrilho), um projeto que junta a orquestra ao fadista Ricardo Ribeiro e a integral das sinfonias de Beethoven, “um imenso desafio” – quatro concertos em quatro dias consecutivos – que vai levar a OML a partilhar com o seu público em Lisboa, Sintra e Setúbal “nove grandes páginas orquestrais” da história da música, disse aos jornalistas o diretor artístico.

“É um projeto colossal que começámos a trabalhar já este ano e é o que tem mais peso nesta temporada”, explicou Pedro Amaral. É uma integral que permite à OML, acrescentou, revelar tanto a sua qualidade como a sua capacidade de resistência: “Cada vez mais uma orquestra, um artista, é um atleta de alta competição. Tem de demonstrar proeza técnica e física se quer mostrar a sua excelência.” E isto é verdade, garante, tanto para as sinfonias de Beethoven como para a restante temporada, com mais de 100 concertos. “Esta é, seguramente, das orquestras que mais trabalham.”

Quem também dá provas da sua capacidade de resistência e de resposta a desafios diversos é Artur Pizarro, que tem a seu cargo a abertura e o encerramento da temporada sinfónica, que tem por palco de referência o Centro Cultural de Belém (CCB): no espetáculo inaugural, a 25 de setembro, vai concentrar-se em Sergei Prokofiev (Concerto para Piano e Orquestra N.º 3), no que dá por terminada a oferta 2016/2017 (9 de Junho) vira-se para Franz Liszt (Concertos para Piano e Orquestra N.º 1 e N.º 2), tocando num instrumento contemporâneo do célebre compositor húngaro que nasceu em 1811. Pizarro participa também em dois projetos de música de câmara e apresenta-se ainda em concerto com a Orquestra Académica Metropolitana.

Na programação sinfónica, Pedro Amaral destaca ainda o concerto de 12 de fevereiro, em que a OML tocará sob a direção de Emilio Pomàrico, num programa que inclui dois Franz: um austríaco, Schubert, e outro sueco, Berwald, que “em meados do século XIX compõe obras de uma originalidade e de um génio absolutamente singulares”. Nem de propósito: a obra de Berwald que a Metropolitana vai tocar é, precisamente, a Sinfonia N.ª 3, A Singular. Mega Ferreira, melómano convicto, não tem dúvidas de que a obra do compositor sueco será para muitos uma verdadeira revelação. “Eu descobri-o num sábado à tarde particularmente ativo. Nunca tinha ouvido. É extraordinário.”

Casa arrumada

A temporada de 2016/2017, que como é habitual desde a chegada de Pedro Amaral e Mega Ferreira à AMEC se divide em três – sinfónica, barroca e clássica – volta a falar de “integral” com Mozart. Entre os 12 concertos que, na sua maioria, tomarão conta do Teatro Thalia, em Lisboa, por excelência o palco do reportório clássico da OML, está o que inclui todos os concertos para violino do compositor austríaco. Será a 14 de janeiro e é uma homenagem a Aníbal Lima, violinista e professor da Escola Superior de Música de Lisboa e da Academia Nacional Superior de Orquestra, ligada à AMEC, que completa 50 anos de carreira. O músico, que foi concertino da Orquestra Gulbenkian, dirigirá o espetáculo, que contará com alguns dos seus discípulos entre os solistas.

A programação barroca, que inclui nove propostas e passa sempre pelo Palácio Foz, volta a apostar na continuidade. Prova disso, diz o diretor artístico, é o concerto que junta o cravista Marcos Magalhães a Aapo Häkkinen (cravo e direção musical), artistas com quem a Metropolitana tem trabalhado nos últimos três anos (6 de novembro), e o de Páscoa (1 de abril), que conta com o coro Voces Caelestes. Em ambos o reportório passa por Johann Sebastian Bach.

O compositor alemão, haveria de admitir mais tarde Mega Ferreira, é, aliás, um dos grandes responsáveis pelo “crescimento espetacular de públicos” nos concertos da OML no CCB na atual temporada (a orquestra tocou as suas três Oratórias): “Bach é o grande santinho de todo o programador de música erudita.” Um êxito antecipado, ao contrário dos franceses que Pedro Amaral reservou para o concerto de 13 de maio – Lully, Rebel e Rameau. “Raramente o reportório barroco francês é interpretado por orquestra porque há uma enorme especificidade na sua leitura rítmica”, explica o maestro e compositor. “Uma colcheia escrita por um francês no século XVII não é o mesmo que escrita por um alemão ou um italiano.”

Entre os mais de 100 concertos da próxima temporada, que tomarão conta de palcos espalhados por 12 dos 18 municípios da área metropolitana de Lisboa, com duas apresentações extraordinárias no Coliseu do Porto, a OML tem um que deixa particularmente entusiasmado o seu diretor artístico – junta a orquestra a Ricardo Ribeiro e envolve uma peça original do libanês Rabih Abou-Khalil, já colaborador do fadista, composta a partir de Toada de Portalegre, um poema de José Régio que está entre os preferidos da voz de Hoje é Assim, Amanhã Não Sei.

Ricardo Ribeiro parece ter em Pedro Amaral um seguidor atento. O maestro elogia-lhe a capacidade para cantar ritmos complexos, “como se tivesse tido uma formação erudita, que não teve”, como se “tivesse estudado com a [Maria] Callas”: “Ricardo Ribeiro tem uma intuição extraordinária, do outro mundo.” Este concerto (24 a 26 de novembro) celebra a aproximação da OML ao São Luiz Teatro Municipal onde, entre 9 e 12 de março, a Metropolitana se juntará a outro fadista – Camané.

A temporada da OML que foi esta segunda-feira apresentada será a última deste “mandato” de Mega Ferreira e Pedro Amaral. Ambos cessam funções a 31 de dezembro, embora ponderem continuar se respeitadas determinadas “condições”. Sem entrar em detalhes, Mega Ferreira lembra que a decisão de renovar o mandato não depende de si, mas diz que, para ficar, terá de ver satisfeitas “algumas condições de funcionamento”, “de organização”, que lhe permitam trabalhar com mais tranquilidade. Pedro Amaral diz-se disponível para renovar se se mantiver a atual equipa diretiva, com Mega como executivo e Fátima Angélico como responsável administrativo-financeira.

Quando chegámos a orquestra estava numa fase de grande desgaste, hoje temos uma orquestra que toca robustamente”, defende o maestro. “O balanço artístico é altissimamente positivo”, concorda o diretor executivo da associação que tutela a Metropolitana – disse-o assim mesmo, “exagerado”, para que não restem dúvidas do caminho feito pela orquestra nestes últimos três anos, um período consagrado a uma “reestruturação” que implicou mexer numa casa desmotivada, com conflitos laborais e dívidas elevadíssimas. “Hoje a situação é muito mais saudável”, garante Mega Ferreira, dizendo, no entanto, que a gestão continua a ser “muito apertada” e que a temporada que agora se apresenta seria mais fácil de montar se, em vez dos atuais 280 mil euros, pudesse contar com 300 mil. “Ainda não passámos a barra, mas temos em vista entrar em velocidade de cruzeiro.”

A analogia náutica deve-se ao facto de a AMEC ter hoje uma situação mais estável. Os salários, que levaram um corte de 20% antes da chegada de Mega Ferreira, têm vindo a ser repostos, embora ainda não na totalidade, e o calendário de pagamento das dívidas à segurança social, à autoridade tributária e a fornecedores foi revisto (dos 40 mil euros que a associação pagava por mês só para abater a dívida em 2013, passou-se hoje para 12 mil).

Em 2017 a Orquestra Metropolitana de Lisboa faz 25 anos e, com a atual direção ou sem ela, parece estar para continuar. Fechou-se um ciclo, poderá vir a abrir-se outro: “O meu mandato termina a 31 de dezembro e ponto final”, disse Mega. “Talvez não [seja] ponto final parágrafo.”


por Lucinda Canelas, in jornal Público | 7 de junho de 2016

no âmbito da parceria Centro Nacional de Cultura | Público

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