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Em Setúbal, Sardinha com seios em vez de escamas já é "estrela" na Festa da Ilustração

O ilustrador Nuno Saraiva inaugurou a sua exposição em Setúbal já depois da meia-noite, com uma visita guiada pelo seu trabalho dos últimos dez anos.

[Sara Matos / Arquivo Global Imagens]

Nuno Saraiva acabava de inaugurar a Festa da Ilustração de Setúbal a uma hora improvável: meia-noite. Mas com casa cheia. Lá foi apresentando as peças produzidas nos últimos dez anos, contando a história de cada uma. Do fado, à violência, da política ao "seu" bairro da Mouraria. Até que se descobre algo ao pé, que ao longe passa despercebido. Afinal, aquela imensa sardinha, símbolo das festas de Lisboa, não está coberta por escamas. São seios, às centenas dos quatros cantos do mundo. "Foi uma demorada investigação", revelou perante a risada geral. Mas é que foi mesmo.

"Nunca tinha visto tantas maminhas na minha vida", revelou ao DN o ilustrador, tendo feito um levantamento exaustivo para procurar criar uma volumetria através das cores dos seios numa homenagem à mulher e à mãe. "As maminhas africanas ficam em baixo para criar uma espécie de sombreado. As dos países asiáticos ficam por cima e as dos países nórdicos, muito branquinhas, ficam no meio para criar uma espécie de feixe luminoso", explica, depois de vários curiosos já terem fotografado o desenho.
Nuno Saraiva foi ao pormenor de colocar piercings e tatuagens em algumas das centenas de seios que, vistos à distância, passam por simples escamas desta Sardinha Maminha, assim se chama a obra. Mas para o autor é apenas mais um entre os muitos desenhos que percorrem as paredes da Casa de Cultura sadina.
Meia hora antes da abertura da exposição contava-se cerca de uma dezena de pessoas no Bar das Artes - no interior do edifício - com a gerente Natália Abreu a sugerir, via ardósia, a sangria repleta de frutos como a bebida "mais colorida" da festa. Em frente está a imagem de Bocage sobre a pergunta do momento: É preciso fazer um desenho? E não é que 20 minutos bastaram para que a Casa da Cultura ficasse cheia? Ao ponto do público não caber na sala onde seria oficialmente aberta a Festa da Ilustração de Setúbal, que reúne 17 exposições em vários edifícios públicos até 3 de julho. Presidente da Câmara, vereador, organizadores e autores viriam a ficar sentados no próprio estrado durante na cerimónia - chamemos-lhe assim - "mais formal, mas pouco" do evento.

"Nós queremos é pôr os nossos jovens a pensar e suscitar o interesse deles pela cultura. Investimos na participação deles no processo de cidadania. Acreditamos que a brincar chegamos lá", sublinhou a autarca Maria das Dores Meira, destacando que a promoção realizada nas escolas do concelho colheu centenas de simpatias. "E descobrimos miúdos com grande talento", insistiu.

Foi este o desígnio que levou Nuno Saraiva e Lord Mantraste aos estabelecimentos de ensino da região. "E conseguimos pô-los a pensar", acentuou Saraiva, confidenciado ter sido questionado sobre a rentabilidade da sua profissão. "Foste tu que fizeste estes desenhos? Quantos ganhas? Mas dá para se viver disto?", foram algumas das perguntas entre os jovens que também viriam a entusiasmar-se lançando-se ao concurso Desenha a Moeda, ganho por Martim Estanislau. O desenho sobre a forma como vê o futuro será cunhado numa moeda comemorativa de 5 euros, em 2017, mas as várias peças podem ser visitadas na Galeria do Banco de Portugal.

Também por isto, Maria das Dores Meira garante que a cidade "está dentro da festa", alertando que os próprios reclusos da prisão de Setúbal deram o "sim" e participaram no certame que terá um dos pontos altos a 25 de junho, no Museu do Trabalho Michel Giacometti, quando André Carrilho terminar ao vivo o projeto Desenhar em Cima da Conserva, com origem na loja Conserveira de Lisboa. "Vamos fechar com chave de ouro", diz o conserveiro Tiago Cabral Ferreira, após um projeto de 11 meses de desenhos ao vivo no espaço que detém no Mercado da Ribeira, aproveitando o painel onde a maioria dos lojistas prefere colocar os preços dos produtos.

De regresso à exposição. Já passa da uma da manhã quando Nuno Saraiva percorre a galeria com o DN, parando na ala mais politizada. "Que se lixe a troika" está por cima de um rosto bem conhecido e fez a capa do livro Este homem que era Salazar. Sem contar o fim do livro escrito por alguém clandestino, resume que "este Salazar de hoje desperta saudosismo e vai reunir depois o consenso da esquerda e da direita, conseguindo unir este pais pobre de valores". Ao lado lê-se "Tudo pela unidade da Nação, nada contra a unidade da Nação". Salazar 2015. E risos.

"A combinação das ilustrações é do Teófilo Duarte (designer e organizador do certame). Fico contente com o resultado", diz após os aplausos de quem assistiu a esta "hora zero" da festa dos desenhos e cartoons que junta a "nata" dos ilustradores nacionais, expressa na exposição que ontem abriu na Casa da Baía e que anuncia um catálogo que será a "bíblia" da atividade com as peças publicadas pelos autores em 2015. São mais 150 desenhadores e cerca de 400 obras. "Isto só é possível porque o país está mais descentralizador, mas isto é que deverá ser a normalidade no futuro", sublinhou Célia David, atriz e diretora do Teatro de Animação de Setúbal (TAS), para quem a adesão na tal hora improvável demonstra que "há mercado" fora de Lisboa para grandes eventos, onde inscreve a "versátil, crítica e muito portuguesa" exposição de Nuno Saraiva.


por Roberto Dores, in Diário de Notícias | 5 de junho de 2016

Notícia no âmbito da parceria Centro Nacional de Cultura | Jornal Diário de Notícias

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