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Das ruas do Intendente para a festa nos corredores do Teatro Nacional

Companhia Limitada estreia "Estação Terminal", com mais de 75 participantes.

Reinaldo Rodrigues/ Global Imagens

Giovanni não se chama Giovanni. Chama-se José Carlos e vai fazer 63 anos. "Fiquei conhecido por Giovanni quando jogava futebol", conta com a sua voz sumida. Nascido em Lisboa, Giovanni teve "uma educação escolar muito oprimida, como era naqueles tempos" e "uma criação um pouco selvagem". As lesões interromperam-lhe a carreira como futebolista e ele não esconde que passou "por dificuldades muito grandes". Ele não conta muito mais, mas quase o podemos adivinhar. "Ando pelos mais por bairros antigos", diz. A coreógrafa Madalena Victorino encontrou-o no Intendente e trouxe-o para o Teatro Nacional D. Maria II. Giovanni nunca ali tinha entrado. Mas está a gostar de tudo. "Estou muito feliz por poder ser útil."

Em Estação Terminal, o espetáculo da Companhia Limitada que se estreia amanhã, Giovanni tem várias funções: dirige os espectadores para uma das cenas que acontece no átrio, diz umas falas e, por fim, tem um solo de dança. É um dos mais de 75 participantes neste espetáculo que acontece em vários espaços do Teatro Nacional, desde o Largo do Regedor ao gabinete do diretor artístico, passando pelos terraços, as arcadas do Rossio, as casas-de-banho, camarins, armazéns e corredores, até ao Salão Nobre.

A Companhia Limitada é um projeto que começou em 2012 em que a coreógrafa Madalena Victorino e o músico Pedro Salvador se propõem pensar a solidão na cidade. "Na primeira fase apontámos para a solidão dentro de casa e fomos no encalce, nesta zona do Intendente, de pessoas que vivem totalmente sozinhas e que não saem de casa, por razões físicas ou psicológicas. Essa primeira Companhia Limitada foi quase invisível porque nós fazíamos uma tourné pela casa das pessoas, eram espetáculos para uma só pessoa."

Depois, num segundo momento, "pensámos abordar a solidão na rua e fomos à procura de crianças e adolescentes e também adultos que vivem na rua. Fizemos um espetáculo de rua e de inverno." Foi em dezembro de 2014 e o espetáculo trazia um povo imaginário, Bú, que vinha de vários pontos do mundo (como as pessoas que habitam ali) e percorria alguns dos espaços mais "escondidos, abandonados e feios" do bairro.

Com este terceiro momento, completa-se a trilogia. É por isso que o espetáculo se chama Estação Terminal - por isso e também porque a estação de comboios do Rossio está mesmo ali ao lado. "É uma homenagem às 20 mil pessoas que entram e saem daquela estação e não vêm ao teatro. Mas que vão estar aqui dentro, através do som dos comboios, que se vai ouvir em todo o teatro", explica Madalena.

Desta vez, as solidões são mais complexas. São as solidões das pessoas que, por algum motivo, são colocadas à margem na sociedade. "Durante dois meses fomos conhecendo pessoas e nesses encontros fomos dançando e conversando." O envelhecimento, a reclusão em prisões, a identidade de género, o pertencer a uma cultura diferentes, a cegueira - estes foram alguns dos temas que surgiram e que acabaram por vir para o espetáculo.

"Quisemos pensar o fim indo mais longe. Indo ao encontro de pessoas especiais e trazendo-as para dentro do teatro, onde a sua personalidade e a sua vida se misturam com as matérias da dança, da representação, da música, da palavra", explica a criadora. Criaram-se ficções mas não personagens - "há personas, muito perto das pessoas mas ao mesmo tempo a caminho da personagem". E nos percursos pelos espaços mais marginais do teatro juntam-se intérpretes profissionais (André Amália, Ricardo Machado, Patrick Murys, Susana Madeira, Joana Guerra e outros) com os muitos convidados especiais - entre eles os membros do grupo de cegos da APEDV, do grupo da revista Cais e da Escola Superior de Dança.

Começa tudo com uma "fotografia de família" numa das portas laterais do teatro, como "um convite para que entremos na ficção", e termina com uma grande festa-orgia no palco principal da Sala Garrett, onde todos são convidados a beber um espumante, comer cajús trazidos pelos vendedores que costumam estar à porta do teatro, e dançar. "Nesse momento, o teatro deixa de ser teatro e transforma-se numa verdadeira festa."


por Maria João Caetano, in Diário de Notícias | 11 de maio de 2016

no âmbito da parceria Centro Nacional de Cultura | Diário de Notícias 

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