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No Alkantara, procura-se o passado que se perdeu pelo caminho

Entre 25 de maio e 11 de junho, o Festival Alkantara junta uma seleção de espetáculos de artes performativas que perguntam: em que ponto o presente se desligou do passado?

As Três Irmãs passa a chamar-se E se Elas Fossem para Moscou? (25 a 27 de maio, espetáculo de abertura no São Luiz) MARCELO LIPIANI

Basta dizer “o combate de boxe do século XX” para, melhor ou pior, se ter uma ideia de que se fala do encontro em Kinshasa entre Muhammad Ali e George Foreman em outubro de 1974, no então Zaire. Um combate tão elevado a clássico da cultura popular que teve direito a um nome de batismo que não caiu com o tempo: Rumble in the Jungle. Ora tendo coincidido com o ano da Revolução que pôs fim aos 48 anos de ditadura em Portugal, a artista Cláudia Dias chamou o dramaturgo galego Pablo Fidalgo Lareo para criarem juntos um espetáculo intitulado Segunda-feira: Atenção à Direita, em que a memória salta para o ringue e promete dar e levar pancada, e que, apesar de se estrear já com o Alkantara a laborar em pleno, é eleito pelo festival de artes performativas como um dos momentos que dará o tom a esta 14ª edição, a decorrer entre 25 de maio e 11 de junho, em várias salas lisboetas.

A seleção dos espetáculos deste Alkantara reflete, assim, a presença de artistas provenientes de “partes do mundo que, na sua história recente, viveram momentos drásticos de rutura”, conforme se lê na apresentação do festival, numa tentativa de regressar a esses pontos de cisão e perceber que o passado deve ser reclamado para o presente. Se esse mote está presente na peça de Cláudia Dias, apresentada no Teatro Maria Matos de 3 a 5 de junho, não é igualmente estranha às criações do coreógrafo congolês Faustin Linyekula (Artista na Cidade 2016) que, com o seu corpo, tem contado a história de um país em convulsão e transformação, apresentando aqui Sur les Traces de Dinozord (1 e 2 de junho, Culturgest) e The Dialogue Series: IV. Moya (4 e 5, Teatro São Luiz).

Provando a intocável atualidade dos textos de Anton Tchékhov, Christiane Jatahy e os tg STAN apresentarão as suas versões contemporâneas de As Três Irmãs e O Cerejal. No caso da encenadora brasileira, As Três Irmãs passa a chamar-se E se Elas Fossem para Moscou? (25 a 27 de maio, espetáculo de abertura no São Luiz) e as protagonistas são empurradas entre realidade e ficção, teatro e cinema, passado e presente, filmadas a representar numa primeira sessão (teatro) e observadas no ecrã na segunda (cinema). Se a emigração é trazida à baila em E se Elas…, O Cerejal (2 a 4 de junho, D. Maria II) pela fundamental companhia belga promete implodir Tchékhov e a relação com o tempo inscrita no texto.

A extensa programação do Alkantara passa ainda pelas apresentações de dois exemplos da dança contemporânea marroquina, Taoufiq Izeddiou (em tom de pesquisa espiritual) e Radouan Mriziga (explorando a dimensão simbólica no Islão), ou pela intensa partilha de uma reconstrução biográfica de RabihMroué, baleado durante a guerra civil no Líbano. Desde então, recorreu ao vídeo como terapia e, em palco, junta a este dispositivo uma reflexão sobre a História política recente do país. É também através do vídeo que o coreógrafo e bailarino israelita Arkadi Zaides procura um ponto de vista sobre o conflito israelo-palestiniano, a partir de material filmado pelos voluntários do B’Tselem Camera Project.

Junte-se ainda a continuação de Encyclopédie de la Parole, agora a Suite nº2 do espetáculo de abertura da última edição, em que Joris Lacoste orquestra um coro de palavras retiradas de discursos políticos, conversas telefónicas ou aulas de ginástica; a viagem subterrânea de La Nuit des Taupes em que Philippe Quesne esgravata até encontrar debaixo da terra uma família de toupeiras gigantes; a proposta de criação de regras de um jogo que medeiem as relações entre o Collectif Jambe (o mesmo de Germinal) e o público em Aqui Há Regras!; ou O Nosso Desporto Preferido, em que Gonçalo Waddington dirige cinco atores que sonham com a criação de uma espécie humana livre das suas necessidades básicas.

O Alkantara não se esgota nestes espetáculos (outros há ainda), prometendo uma edição para abanar certezas e estimular um pensamento menos formatado sobre as sociedades que construímos e em que vivemos – como aqui chegámos e se vale a pena insistir neste caminho.

 


por Gonçalo Frota, in jornal Público | 15 de abril de 2016

no âmbito da parceria Centro Nacional de Cultura | Público

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