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Fernando fotografou um edifício que a lava desfez. O público premiou-o

Sede do Parque Natural da Ilha do Fogo, em Cabo Verde, destruída pela erupção vulcânica em dezembro de 2014  |  FERNANDO GUERRA

Retratou a sede do Parque Natural da Ilha do Fogo, Cabo Verde, que já não existe. Ontem venceu o Architiker A+. Arquiteto, quando começou a fotografar perguntaram-lhe se "também fazia casamentos ao fim de semana".

Quando Fernando Guerra começou a fazer fotografia de arquitetura com o seu irmão Sérgio, em 1999, as pessoas estranharam. "Nós éramos arquitetos, por que é que estávamos a fazer fotografia? Perguntavam se também fazia casamentos ao fim de semana... De repente, passados 16 anos, o mundo mudou, toda a gente tem uma máquina fotográfica no bolso, e de repente tornou-se fashion ser fotógrafo, que não era, a não ser que fossemos o [Mario] Testino, a fotografar moda..."

Quando ontem falámos com ele, Fernando acabara de ganhar o Prémio do Público, categoria de Fotografia, da plataforma americana Architizer A+. Estava em Genebra, na Suíça, e esperava a luz certa para fotografar a estação de comboios, para apanhar o fluxo de pessoas que passavam, e esperava que saíssem de cena uns camiões. Ali ficaria até ao final do dia, o mesmo em que se soube que ele vencera o prémio com a série de fotografias em que captou a sede do Parque Natural da Ilha do Fogo, em Cabo Verde.

O edifício, projetado pelo ateliê de arquitetos OTO, formado por André Castro Santos, Nuno Teixeira Martins e Pedro Teixeira, deveria ter sido a história feliz que, a princípio, foi. Inaugurou em março de 2014 "com dias de festas incríveis". "As senhoras que se veem nas fotografias estavam à espera do primeiro-ministro [José Maria Neves] para o receber a cantar." Ele esteve lá três dias. "E passado uns meses acabou. Aquela zona toda estava a começar a ter algumas coisas. De repente foi tudo embora."

Aquele que foi considerado um dos edifícios de 2015 pela plataforma Archdaily durou sete meses. Em dezembro, a erupção vulcânica que ocorreu na ilha destruiu-o ali, naquela cratera a 1800 metros de altitude em que se reúne uma população de cerca de 1200 pessoas, em Chã das Caldeiras. "Parecia que uma picareta tinha desfeito o edifício, como um tremor de terra", recorda o fotógrafo que no ano passado venceu o prémio Arcaid Images, com fotografias de diferentes projetos, entre eles o edifício na Ilha do Fogo. Ele e Sérgio - a dupla FG+SG - trabalham hoje com arquitetos como Siza Vieira, Gonçalo Byrne, João Luís Carrilho da Graça, o brasileiro Arthur Casas ou, até há pouco, a iraquiana Zaha Hadid, que morreu em março.

 

Siza Vieira e Vhils

Falemos de Siza, que Fernando não se cansa de elogiar. Ou fotografar. O primeiro trabalho que fez com ele foi em 2005, em Seul. "Esteve um temporal permanente, a chover o tempo todo. Não podia ser pior a estreia absoluta. Mas isso fez com que a montanha em que a galeria estava ficasse completamente encharcada. E essa chuva ao cair da montanha fez uma cascata." Desde então, o fotógrafo não deixou de captar a obra e o homem, que "continua na sua cadeira, com o seu lápis, a desenhar as coisas todas: ele podia ter um ego enorme, mas não tem." A estreia foi igual com Vhils (Alexandre Farto). Ele e Guerra já se tinham "namorado no Instagram" e o primeiro convidou-o para fotografar a sua recente exposição em Hong Kong, que inaugurou no "pior temporal dos últimos 50 anos ali". As fotografias tinham de sair, e saíram. E basta olhar para as três acima, no Fogo, para compreender como a fotografia de Guerra é habitada. Não é clínica, como muito do que se vê em arquitetura. Têm gente, e têm vida.

"Eu luto freneticamente há 16 anos para isso. Para mim a fotografia de arquitetura tem de ser habitada. Tento fazer fotografias de edifícios que são impossíveis de repetir. Porque se é só fotografar o alçado..." Diz que, agora, a estética da fotografia de arquitetura mudou, e já mostra gente. "Apanhou-me na curva, porque já ando atrás das pessoas há 16 anos, tenho 45." Fernando continua a falar a partir da estação de comboios, onde diz ser "parado por polícias de meia em meia hora: parece um cinto de explosivos, mas são lentes [da câmara]." Conta que começou a fotografar aos 16 anos e que poupava a mesada para comprar rolos KodakChrome 64 - "que todos os fotógrafos da National Geographic usavam". Tinham de ser revelados em Espanha, e ele esperava duas semanas para ver as fotografias. Quiçá ganhou aí a paciência que lhe permite esperar um dia inteiro pela luz de uma grande fotografia.

Agora, veio o Prémio do Público da Architizer, onde mais de cem categorias estavam a concurso. Está um dia mau para fotografar em Genebra. Como outrora em Seul e em Hong Kong. Mas "não há desculpas, não podes chegar ao fim e dizer que a culpa é do tempo". A fotografia vai sair.

 


por Mariana Pereira, in Diário de Notícias | 14 de abril de 2016

no âmbito da parceria Centro Nacional de Cultura | Diário de Notícias

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