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Zaha Hadid, a Pritzker que fez a arquitetura dançar
Deu nas vistas ainda estudante e deixa a sua marca na arquitetura em todo o mundo. Morreu ontem, aos 65 anos, em Miami.
É um lote seleto aquele que pode ostentar o título de starchitect, misto de estrela e arquiteto, uma descrição usada amiúde como crítica mas que assenta na perfeição a Zaha Hadid, que ontem morreu aos 65 anos. Antes de ter recebido o prémio Pritzker, o mais importante da arquitetura, e de ser tornado a primeira mulher a consegui-lo, em 2004, deu nas vistas recém saída da escola. Fez a primeira exposição em 1978, com projetos de estudante, no Museu Guggenheim, em Nova Iorque. Só 20 anos mais tarde começariam a materializar-se.
Apelidada de neofuturista, Zaha Hadid foi a primeira a aceitar que as suas ideias iam demorar anos a tomar forma. Disse-o, aliás, em certa ocasião, recorda o arquiteto e crítico Luís Santiago Baptista, autor do livro Zaha Hadid na Máquina do Espaço Tempo (Dafne, 2010). O que a fazia diferente, e o que a fez vencer o prémio Pritzer - foi a primeira mulher e a primeira muçulmana a ser distinguida - era essa vontade de dar movimento ao espaço. O jornal britânico The Guardian chama-lhe a rainha das curvas. Elas são uma marca da obra de Zaha Hadid, "essa dinamização dos volumes que se relacionam com a paisagem", como resume Santiago Baptista.
Traz para a arquitetura o que as vanguardas artísticas russas do início do século XX trouxeram para a pintura, situa o arquiteto e crítico. Estuda o suprematismo do artista Kasimir Malevich e também Wassily Kandinsky. "É uma profunda conhecedora desse período e dessa linhagem. Produz trabalho teórico que sobressai entre arquitetos. É o caso de The Peak in Hong Kong, de 1983.
O primeiro edifício com a sua assinatura, um prédio de habitação em Berlim, é construído entre 1986--1993. Não é, no entanto, a obra que melhor reflete o seu pensamento, segundo Luís Santiago Baptista. "Essa é a estação de bombeiros Vitra", em Weil an Rhein, Alemanha, de 1994, afirma ao DN.
A passagem do milénio é a reviravolta. "Nessa altura, todas as semanas ouvíamos que Zaha Hadid tinha vencido um concurso internacional". Antes, trabalhava quase sozinha, deu aulas e palestras por todo o mundo, fez curadoria de exposições.
Santiago Baptista fala numa primeira e numa segunda fase da sua vida profissional. A primeira, "mais artesanal e manual", corresponde a esses anos em que participa, sem vencer, em concursos internacionais. "Tem mais tempo, consegue desenhar mais, faz maquetas lindíssimas", explica, lembrando também a sua (menos conhecida) faceta como pintora. A segunda fase corresponde à entrada em cena do seu sócio, o arquiteto alemão Patrick Schumacher, e dos computadores como ferramentas de desenho. O gabinete batizado com o seu nome - Zaha Hadid Architects, sediado em Londres - projeta para todo mundo. Do Dubai a Nova Iorque, onde fez um arranha-céus, passando pelo Azerbaijão, onde fez o Centro Heydar Aliyev (2013) e o Qatar, onde desenhou um estádio para o Mundial de Futebol de 2022.
Entre os seus projetos mais bem recebidos, destacam-se MAXXI - Museu Nacional das Artes do Século XXI, em Roma (2009), o maior de todos, e o Centro Aquáticos dos Jogos Olímpicos de Londres (2011).
Perdeu no terminal de cruzeiros
Participou num concurso em Portugal para o Terminal de Cruzeiros de Lisboa, que venceu o português João Luís Carrilho da Graça. Fica a sua proposta, que pode ser vista até 29 de maio na Garagem Sul, na exposição Arquitetura a Concurso: Percurso Crítico pela Modernidade Portuguesa.
Envolveu-se em polémicas (como é o caso do estádio olímpico de Tóquio, que lhe foi retirado em 2015 e entregue a um arquiteto japonês, Kengo Kuma) e ganhou fama de ser uma pessoa de difícil trato. Acusação infundada, segundo John Seabrook em The New Yorker, que a descreve como sendo "terra-a-terra e exuberante". Estiveram juntos em 2009 quando ele escreveu um perfil da arquiteta e comprovou que Hadid não podia viver sem um assistente que desse resposta aos telefonemas, mails e mensagens que lhe chegavam a toda a hora. A notícia da sua morte foi confirmada ontem à tarde pelo seu gabinete. "Morreu subitamente em Miami nas primeiras horas da manhã. Tinha contraído bronquite no início da semana e sofreu um ataque cardíaco enquanto estava a ser tratada no hospital."
Zaha Hadid nasceu em Bagdad, a 31 de outubro de 1950. Cresceu num dos primeiros bairros de inspiração Bauhaus da capital do Iraque, então uma monarquia que se tinha recentemente libertado do controlo britânico depois de séculos sob domínio otomano. Recordou esses tempos no discurso de aceitação do Pritzker: "Uma crença indestrutível no progresso e um sentido de otimismo sobre o potencial de construir um mundo melhor." Houve lágrimas no público. Em 2010 começou a projetar o Banco Central do Iraque.
Estudou Matemática na Universidade Americana de Beirute, antes de mergulhar nos estudos de Arquitetura em 1972, na Architectural Association of London. Foi aluna de Rem Koolhaas e Elia Zenghelis e colaborou no OMA. Em 1979, começou a trabalhar em nome próprio, recebeu duas vez o prémio RIBA Stirling e foi condecorada Dama do Império Britânico pela rainha Isabel II em 2012, ao mesmo tempo que imprimia a sua marca no design - da moda ao mobiliário. Vivia sozinha num apartamento decorado com as suas telas, mobiliário da sua autoria, o guarda-roupa (que sempre chamou a atenção) a cinco minutos do trabalho.
Foi uma "inspiração", segundo a arquiteta Amanda Levete, autora do edifício que alberga o futuro Museu de Arte, Arquitetura e Tecnologia da Fundação EDP, em Lisboa. "Foi um extraordinário exemplo para as mulheres. Era destemida e todo-o-terreno - o seu trabalho era corajoso e radical."
por Lina Santos, in Diário de Notícias | 1 de abril de 2016
no âmbito da parceria Centro Nacional de Cultura | Diário de Notícias