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Dentro do Museu de Grão Vasco, preparando a festa dos 100 anos
Faz hoje 100 anos que um decreto dava o sim ao nascimento do museu.
O retábulo de S. Pedro impõe. É a sala mais importante do museu e ninguém vai dizer o contrário nem por cerimónia ou nem por deferência com os demais artistas representados no acervo do Museu Nacional de Grão Vasco. Agostinho Ribeiro, o diretor da casa, elogia a obra, de costas para a janela. A cortina esconde três balões gigantes e dourados que perfazem um número: 100. O número de anos que a casa assinala hoje e que têm sido usados na peça "Pedro, Pedra e Grão" que o Teatro Viriato leva à cena lembrando o número de anos do Museu Nacional Grão Vascos. É deles que fala a exposição que hoje abre ao público e que pode ser vista até 26 de junho.
A 16 de março de 1916 saía o Decreto nº 2.284-C que tornava oficial a criação do Museu de Grão Vasco, com Francisco de Almeida Moreira à frente do seu destino. De casaca branca, sentado numa cadeira, com uma criança ao lado, e rodeado de colaboradores, aparece numa fotografia ampliada à entrada da galeria de exposições temporárias. "Muitos viseenses não conhecem a história [do museu]", explica o atual responsável, 13.º no cargo (e fazê-lo pela segunda vez). É esse objetivo desta mostra, em que dialogam fotografias de época e as obras que nela aparecem.
Com a expulsão das ordens religiosas e imbuído no espírito da I República, Almeida Moreira toma em mãos a decisão de albergar os tesouros guardados na Sé de Viseu, de onde vieram os retábulos de Vasco Fernandes, pintor que terá vivido entre 1475 e 1542 e totalmente desconhecido até 1502. É dessa altura a primeira colaboração, na oficina de Francisco Henriques. Surgem os primeiros registos da existência do pintor, casado e da zona de Viseu.
Dos 20 painéis pintados do retábulo da Sé resistem 14 e um deles, A Adoração dos Magos, contém aquela que Agostinho Ribeiro acredita ser a primeira representação das tribos indígenas na arte europeia, pouco tempo depois do achamento do Brasil. Um índio faz as vezes do rei Baltazar.
O retábulo de S. Pedro é a obra maior, e só Vasco Fernandes a assina) e é uma encomenda do bispo D. Miguel da Silva, um homem cosmopolita (e renascentista) que queria fazer de Viseu uma segunda Roma. Aqui se vinha e aqui se deixavam as indulgências, situa o diretor do museu. Estavam nas capelas laterais da Sé de Viseu e correspondem às catedrais de Roma.
Entre as obras estão também os quadros pintados em parceria com o discípulo Gaspar Vaz. Já nessa altura com a intenção de destacar a obra daquele é considerado o melhor dos pintores portugueses do Renascimento português. Neste museu encontram-se 22 tesouros nacionais, 19 são de Vasco Fernandes (apelidado de Grão Vasco muito tempo depois da sua morte).
Foi nos claustros da Sé que o museu começou. Só em 1938 começam a ocupar o Paço dos Três Escalões, este edifício que o arquiteto Souto Moura reabilitou e ampliou entre 2001 e 2003. "Só ficou a fachada", lembra a funcionária da loja do museu, há 32 anos a trabalhar no museu, sob uma pintura de 1893 de Columbano Bordallo Pinheiro. É outro artista muito representado no acervo do Grão Vasco, fruto da relação próxima com o diretor Almeida Moreira. De tal forma que tinha uma sala "a ele dedicada", nota Agostinho Ribeiro, apontando para outra foto em que se lê, precisamente, Sala Columbano.
Esta é a imagem que evidencia, também, o quanto mudou a maneira de mostrar arte nos museus. "Nesta altura, é mais próxima da vivência da casa-museu", explica, deambulando pelas salas, e mostrando uma série de desenhos preparatórios de Columbano Bordallo Pinheiro para o Palácio de São Bento.
É véspera do dia D e só falta colocar no sítio um samovar e pôr a correr um filme para tudo estar terminado. Cá fora, no Adro da Sé, colocam-se os pendentes que anunciam a nova exposição e a data histórica. "Somos um museu jovem com 100 anos", sublinha o responsável. E de âmbito nacional desde maio do ano passado. Em 2015, receberam 86 mil visitantes.
"Almeida Moreira tinha um pensamento muito centrado na ideia de museu que representa os territórios, os distritos", explica Agostinho Ribeiro. "Mas era importante acrescentar outras obras". E começa a nascer uma coleção forte de naturalistas, documentadas nesta exposição com um quadro de Joaquim Lopes. Seguem-se aquisições de Silva Porto, José Malhoa, Luciano Freire e outros artistas que continuam a ter lugar de destaque na exposição permanente. Uma sala -- comprida -- cheia de quadros, pequenos em dimensão mas muito relevantes, como o diretor salienta. "Melhor só no [Museu do] Chiado ou, talvez no [Museu] Soares dos Reis", defende. O último, pouco maior do que uma folha A4 é um trabalho de Amadeo Souza-Cardoso, "Mercado em Vila Cardoso, emprestado pela Casa-Museu Almeida Moreira, também em Viseu.
Depois de Almeida Moreira, entra em cena Russel Cortez, o diretor que lança no Museu de Grão Vasco a ideia de uma exposição mais parecida com um cenário. A exposição avança para o século XXI, e imagens do projeto concebido pelo prémio Pritzker Eduardo Souto de Moura a partir de um programa da historiadora Dalila Rodrigues, antiga diretora da casa. O arquiteto deu lugar de destaque a Vasco Fernandes, dispensando pendurar o retábulo de S. Pedro na parede e preferindo mostrar o seu reverso. Fica à vista um segredo: Grão Vasco usou múltiplas peças de castanho em vez de uma só como a pintura podia fazer pensar.
in Diário de Notícias, por Lina Santos | 16 de março de 2016
no âmbito da parceria Centro Nacional de Cultura | Diário de Notícias