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Naná Vasconcelos, um percussionista genial
Morreu Naná Vasconcelos, um dos maiores percussionistas do mundo e da história da música do Brasil.
Nascido no Recife, Pernambuco, no dia 2 de agosto de 1944, Naná Vasconcelos tocava múltiplos instrumentos, do berimbau à queixada de burro. Durante a sua longa carreira, tocou ou gravou com músicos como Milton Nascimento, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Egberto Gismonti, Joyce ou Marisa Monte, no Brasil, e com nomes como B.B. King, Paul Simon, Talking Heads, Nigel Kennedy ou gigantes do jazz como Miles Davis, Don Cherry, Pat Metheny, Art Blakey Jan Garbarek, Tony Williams, Gato Barbieri ou Jean-Luc Ponty, durante os anos que passou nos Estados Unidos e na Europa. Atuou várias vezes em Portugal, a solo ou acompanhando outros músicos.
Naná Vasconcelos (o apelido ganhou-o da avó), de seu verdadeiro nome Juvenal de Holanda Vasconcelos, tinha sido internado no hospital Unimed III, no Recife, na sequência de complicações relacionadas com um cancro do pulmão, que lhe foi diagnosticado em 2015. Morreu na manhã desta quarta-feira, devido a uma paragem respiratória.
O futuro em Portugal
Natural de Olinda, de Sítio Novo, Naná iniciou-se na música muito novo, acompanhando o pai. Nessa altura, tocava maracas e bongó. A sua formação fez-se entre as músicas latinas então em voga nos cabarés e gafieiras (mambos, boleros, cha-cha-chas) e a música dos Estados Unidos, em particular o jazz, que ele ouvia na rádio Voz da América. E, logo que comprou a primeira bateria, tornou-se um baterista destacado na sua terra natal. Mas a sua carreira internacional, como lembra agora o Jornal do Commercio do Recife, no obituário do músico, começou com uma viagem para Portugal no início da década de 1960, com o Quarteto Yansã. Tinha pouco dinheiro, não conhecia ninguém no país que visitava e não tinha qualquer espetáculo marcado. Por sorte, meio perdido em Lisboa, encontrou na rua o célebre cantor brasileiro Agostinho dos Santos (que viria a morrer num desastre aéreo em 1973) e ele ajudou-o, como fizera já com outros músicos pernambucanos.
Quando Naná se instala no Rio de Janeiro, em finais da década de 1960, o seu principal objetivo era conhecer Milton Nascimento. E cumpriu-o, gravando depois com ele. Não só. Viria depois a tocar nos discos de Jards Macalé, Mutantes ou Gal Costa. Ao mesmo tempo, desmultiplicava-se naquilo que tocava, acrescentando outros instrumentos de percussão à bateria, entre eles o berimbau, no qual se tornou exímio. O impulso para isso, como ele explicou ao Jornal do Commercio, veio de Milton: “A música de Milton não era bossa, não era samba. Em vez de fazer o ritmo, comecei a improvisar, imaginar uma paisagem para aquela música, criar sons para ilustrar as letras das músicas.” Mas ouvir Jimi Hendrix influenciou a sua forma de tocar e improvisar no berimbau, dando-lhe uma alma que ele até aí não tinha: “Não era simplesmente um instrumento feito para ser tocado na capoeira. Era um instrumento para ser tocado. Escutando Hendrix vi que os instrumentos não têm limitações”.
Génio e trabalho social
Com mais de vinte discos gravados em nome próprio ou com o grupo de jazz Codona, do qual fez parte (o primeiro disco que gravou em nome individual foi Africadeus, de 1972, e o último foi 4 Elementos, de 2013), Naná Vasconcelos viveu durante duas décadas nos Estados Unidos e na Europa até voltar ao Recife, onde passou a morar em definitivo a partir de 1999. Classificado como Melhor Percussionista na lista anual da revista DownBeat durante sete anos consecutivos, Naná continuou a tocar e a gravar com músicos de várias áreas, que acolhiam com gosto e honra o toque de génio que conferia às percussões. Ao mesmo tempo envolvia-se em projetos sociais, como aquele que uniu crianças de três continentes (América do Sul, Europa e África) sob a designação de “Língua Mãe.” A propósito de crianças, declarou ele ao Jornal do Commercio online, em 2013: “Eu aprendi a fazer música na vida. Sou autodidata. Hoje eu me sinto feliz em poder ensinar. Gosto muito de trabalhar com crianças. Penso que elas devem ter toda nossa atenção. Elas são o futuro”.
Por Nuno Pacheco, in Jornal Público | 9 de março de 2016
Notícia no âmbito da parceria Centro Nacional de Cultura | Jornal Público