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Carrilhão itinerante português já é o maior do mundo
Desde Maio do ano passado que 63 sinos em cima de um camião dão música pelo país fora, desde sons medievais e renascentistas ao rock ou até fado.
A família que criou o que é agora o maior carrilhão itinerante do mundo quer continuar a inovar, a rodar e, sobretudo, a tocar.
O primeiro e único carrilhão itinerante português, inaugurado em Maio na vila ribatejana de Constância, já realizou mais de 30 concertos em vários pontos do país. Capaz de tocar todo o tipo de música, este carrilhão itinerante esteve na Feira do Chocalho em Alcáçovas (Viana do Alentejo) e no aniversário da cerveja Sagres (Parque das Nações, em Lisboa), mas participou também em múltiplas actividades de Natal, entre outras iniciativas. Pelo meio, com o desmantelamento de um carrilhão itinerante que existia na Holanda, o português “Lvsitanvs” passou a ser o maior do mundo. E os mentores do projeto já preparam o I Festival Internacional do Carrilhão e do Órgão, que se vai realizar em Junho em Constância, prevendo-se que Portugal venha a receber também, em Julho de 2017, um pré-congresso mundial de carrilhão.
O projeto de criação de uma dos maiores carrilhões itinerantes do mundo começou a ganhar forma em 2004 na cidade de Alverca quando a nova Igreja dos Pastorinhos estava prestes a contar com o terceiro carrilhão português – depois do Convento de Mafra e da Torre dos Clérigos. Ana e Sara Elias, naturais daquela cidade a poucos quilómetros de Lisboa, tinham feito formação superior em carrilhão na Bélgica e nos Estados Unidos e o pai, Alberto, envolveu-se, também, de corpo inteiro no projeto de dotar a igreja com este equipamento – só possível graças a doadores privados e a empresas. Paralelamente, surgiu o sonho de criar igualmente o primeiro carrilhão itinerante português, que pudesse levar este tipo de música a qualquer local do país. Mas a tarefa revelou-se bem mais difícil do que esperavam.
O projeto até começou bem e, logo em 2004, foi distinguido com o Prémio Milénio (promovido pela cerveja Sagres e pelo jornal Expresso), que atribuiu uma verba de 50 mil euros. A família Elias concluiu, entretanto, que precisaria de um total de cerca de 350 mil euros para pôr a ideia a andar. Procurou apoios e patrocínios, convidou muitas entidades a darem nome a um dos 63 sinos, mas não foi nada fácil explicar o que pretendiam fazer com este carrilhão e defrontaram-se com muitas “incompreensões”. Um desentendimento com o pároco da altura em Alverca levou, entretanto, a família a procurar outro local para desenvolver a ideia e foi a Câmara de Constância a reconhecer a importância do projeto, dando-lhe todo o apoio. Nasceu, assim, a associação Centro Internacional do Carrilhão e do Órgão (CICO), constituída em 2012, com sede naquela vila ribatejana. Associação que candidatou o projeto do carrilhão itinerante a fundos comunitários e conseguiu uma comparticipação de 200 mil euros. Os perto de 100 mil euros que faltavam foram obtidos com um empréstimo bancário. No dia 10 de Maio do ano passado, o “Lvsitanvs” atravessou, finalmente, a fronteira portuguesa vindo da Holanda a bordo de um camião usado (adaptado para o efeito) conduzido por Alberto e Ana Elias. Os três dias seguintes foram de festa, logo na fronteira de Marvão e, depois, em Constância.
Concerto na Feira dos Chocalhos
Desde então, o projeto do carrilhão itinerante continua a não encontrar facilidades. A família Elias considera que o interesse vai crescendo paulatinamente e sublinha que, em sete meses, são já mais de 30 concertos, alguns deles solidários. Mas reconhece que não pode “adormecer” e que o projeto precisa de um dinamismo e de uma capacidade constante de inovar e de desenvolver novas actividades. “No mês de Dezembro tivemos muita atividade, especialmente em festas de Natal e sobretudo no Norte do País. Saímos todos os fins-de-semana. Nesta quadra de Natal, as pessoas do Norte parecerem-nos mais abertas a este tipo de coisas, talvez por estarem mais ligadas à Igreja Católica e às tradições”, sublinha Ana Elias, diretora da CICO. Nesta fase, o carrilhão itinerante passou por concelhos como Barcelos, Paços de Ferreira, Anadia e Pombal, entre outros. Mas o primeiro concerto fora de Constância foi, curiosamente, na vila de Alcáçovas (Viana do Alentejo), na Feira dos Chocalhos, em Junho, quando já se preparava a classificação dos chocalhos como património mundial.
Poucos dias depois, o carrilhão itinerante esteve no Parque das Nações, em Lisboa, na festa dos 75 anos da cerveja Sagres. Desde então já passou por variadíssimos pontos do País, incluindo Sintra, Abrantes, Tramagal, Curia e outras localidades. A CICO tem desenvolvido contactos com inúmeras autarquias e empresas e diz que faz orçamentos de acordo com as distâncias e com as características do concerto solicitado. Normalmente, quando se justifica, oferece um segundo concerto à mesma entidade. O carrilhão itinerante pode tocar ao ar livre, mas também em espaços fechados, a solo ou com outros instrumentos e agrupamentos. Tem feito, inclusivamente, alguns espetáculos com um grupo de música medieval e renascentista, mas está habilitado a tocar desde música clássica a rock ou até fado.
No próximo mês, o carrilhão itinerante voltará a Lisboa para uma iniciativa original, organizada por uma confraria gastronómica, que pretende recordar os antigos transportes fluviais de alimentos do Montijo para a capital. O carrilhão estará no cais do Montijo à partida e seguirá para o Terreiro do Paço, onde já estará a tocar no momento da chegada das embarcações. Já em Junho, Constância acolherá a primeira edição do Festival Internacional do Carrilhão e do Órgão. Uma iniciativa que deverá ter periodicidade anual e que a autarquia espera que venha a constituir mais um atrativo para levar visitantes ao concelho. Depois, em Julho de 2017, a vila deverá receber o pré-congresso mundial de carrilhão. De cinco em cinco anos deverá realizar-se um congresso mundial sobre esta matéria. O congresso de 2017 já estava marcado para Barcelona e está definido que haverá um pré-congresso na semana anterior, em Portugal, que deverá mobilizar cerca de 300 pessoas, para concertos e palestras sobre o tema.
Maior do mundo
Entretanto, o “Lvsitanvs” ganhou o título de maior carrilhão itinerante do mundo. Ana Elias explica que este carrilhão itinerante holandês era “demasiado grande”, o que complicava o seu transporte e a sua própria audição ao ar livre. “O som que produzia era demasiado elevado. Foi vendido para uma igreja, o que significa que o nosso Lvsitanvs é, agora, o maior carrilhão itinerante do mundo”, sublinha. O carrilhão tem um peso total de 15 toneladas, distribuídas por 63 sinos. O maior pesa 1353 quilos e o mais pequeno 4,8.
“As coisas têm corrido de acordo com o que esperávamos. No entanto, às vezes tenho medo que o facto de estar a correr bem nos leve a adormecer um pouco e isso não pode acontecer, temos que procurar sempre novas iniciativas e novas formas de apresentar o carrilhão”, sustenta Alberto Elias, frisando que em breve até deverá passar por Portugal um espetáculo que associa a música do carrilhão à eletrónica.
Ao mesmo tempo, Ana e Sara Elias procuram transmitir os seus conhecimentos a novos carrilhanistas. Já tiveram quatro alunos em Constância. Dois deles viajaram recentemente para o Líbano e têm, atualmente, duas alunas de carrilhão na CICO.
Peripécias de oito meses
Oito meses na estrada com o camião que transporta o maior carrilhão itinerante do mundo já forneceram várias peripécias. A dada altura, no concelho de Paços de Ferreira, um habitante convenceu-se que aqueles eram os novos sinos de que se falava para uma igreja da região. Teimou e teimou nessa convicção. Alberto Elias diz que ainda o tentou convencer que não era assim e explicar-lhe o que era um carrilhão itinerante, mas o homem não se deixou demover e lá ficou convencido de que eram mesmo os novos sinos da “sua” igreja.
Mais complicado foi o episódio ocorrido no adro de uma Igreja do Sardoal. A CICO explica, sempre, que o camião com o carrilhão pesa um total de 22 toneladas, mas, naquele caso, a calçada do adro estava "fresca" e o camião começou a "afundar-se" de tal forma que não conseguiu sair do local. Foi preciso recorrer a uma retroescavadora que, depois de muito esforço, lá retirou o camião.
por Jorge Talixa, in Público | 28 de fevereiro de 2016
Notícia no âmbito da parceria Centro Nacional de Cultura | Jornal Público