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Um dia (inesquecível) com Arpad e Helena

"Vieira da Silva e Arpad Szenes. Um dia em Yèvre. Fotografias de Maria do Carmo Galvão Teles" é o nome da Exposição.

© Maria do Carmo Galvão Teles

O casal a folhear o livro oferecido pelas galeristas Maria Nobre Franco e Maria do Carmo Galvão Teles

 

Uma sessão fotográfica inesperada na Maréchalerie, casa de campo do casal de artistas, é agora partilhada por Maria do Carmo Galvão Teles no Museu Arpad Szenes-Vieira da Silva. Como se de um álbum de família se tratasse.

"Foi muito inesperado. Nós íamos apenas para uma reunião, escolher quadros, como se faz com todos os artistas e acabámos num dia de amizade, num dia de família." A desenvolta tranquilidade das palavras de Maria do Carmo Galvão Teles recorda esse dia de final de verão, em 1984, quando inesperadamente fotografou o casal Maria Helena Vieira da Silva e Arpad Szenes na casa de Yèvre, cem quilómetros a sul de Paris. Do único rolo de 36 fotografias que na altura tinha consigo, mostra agora 24 das imagens captadas nesse dia, na sala de exposições temporárias do Museu Arpad Szenes-Vieira da Silva, em Lisboa.

"As fotografias foram todas tiradas sem preparação ou encenação", conta em frente a uma Vieira da Silva naturalmente sorridente. "E é engraçado ver, agora na montagem da exposição, que a maior parte está mesmo na ordem em que as tirei", recorda a fotógrafa, que a 13 de dezembro completou 78 anos.

Uma série de coincidências levou "a esse dia inesquecível", diz com um sorriso aberto. Estávamos em 1984 e Maria do Carmo foi desafiada por Maria Nobre Franco a ser sua sócia na abertura de uma galeria de arte. "Pela mesma altura - realmente, há coincidências... - o Mário Cesariny estava a fazer o livro Vieira da Silva, Arpad Szenes e o Castelo Surrealista. Combinámos com ele lançar o livro na nossa galeria [Valentim de Carvalho] e que melhor para inaugurar a galeria do que uma exposição do casal?"

Foi essa a exposição inaugural, em 1985, de uma galeria que viria a ser um marco para as artes plásticas na década de 1980. "Aquela exposição foi muito curiosa porque eram quadros muito pouco conhecidos na altura, obras pintadas durante os anos da Segunda Guerra, período durante o qual o casal esteve em Portugal e no Brasil", recorda Maria do Carmo.

Para preparar a exposição, combinaram ir ter com o casal à La Maréchalerie, como é conhecida a casa de campo do casal, em Yèvre-le-Châtel. "Era só uma reunião, uma parte da manhã, para escolher os quadros que viriam a Lisboa. Começámos a ver as coisas todas e conversámos imenso. Foi uma coisa muito extraordinária, foi um dia inesquecível para mim. Na realidade houve uma empatia tão grande sobre o que considerávamos importante na pintura, no que haveríamos de fazer na galeria", partilha a fundadora da ARCO, onde ensinou fotografia e audiovisuais.

No meio dessa conversa, Arpad perguntou-lhe o que fazia para além da galeria. "Quando lhe respondi que era fotógrafa profissional ele exclamou: "Fotógrafa? Sem máquina?"" É claro que Maria do Carmo tinha a sua Nikon consigo. Mas, "prevenida que eles não gostavam nada de que os fotografassem, só muito especialmente, nem a tinha ao pé de nós quando começámos a falar, nem ia preparada para fotografar, tinha um rolo na máquina, era tudo quanto eu tinha, de 36 fotografias".

E então aconteceu o que Maria do Carmo não previra: "Vai buscar a máquina", pediu-lhe o pintor nascido em Budapeste em 1897 e que aos 29 anos se casou com a artista portuguesa. "Quando regressei com a máquina, disse-me que podia fotografar tudo o que quisesse. E foi assim, fui andando por ali e fui fotografando. A única fotografia que não foi absolutamente espontânea foi a última que fiz: a de Arpad sentado na cadeira. Fui eu que lhe pedi que se sentasse ali. Mas foi essa a única preparação, nada mais. Já foi no final da tarde."

Sim, porque a reunião da manhã prolongou-se por um almoço, a convite de Maria Helena, que continuou até ao lanche por sugestão de Arpad: ""Não se vão embora porque eu agora tenho de fazer a sesta. E depois lanchamos." É claro que dissemos que sim. Fomos com a Vieira ver os dois ateliês dos artistas, andámos a passear por Yèvre."

"Uma daquelas fotografias em que eles estão os dois em pé junto à mesa, é porque vamos começar a lanchar", localiza Maria do Carmo. Uma mesa que surge em várias fotografias a preto e branco nas raras ocasiões em que Vieira da Silva se deixava fotografar. E que só em 2015 Marina Bairrão Ruivo, diretora do museu desde 2008, descobriu que, afinal, era azul e castanha.

Mas o dia não ficou por ali: "Lanchámos, mais conversa e a dada altura diz ele, "mas ainda não se vão embora que eu também quero que jantem". Foi um dia completo."

Mais de 30 anos depois, as fotografias, as últimas de Arpad, algumas das quais publicadas no livro Um Dia em Yèvre, lançado em 1995 numa homenagem a Arpad nos dez anos da sua morte, são agora expostas pela primeira vez. Sem qualquer voyeurismo. Como Maria Nobre Franco escreveu num texto que acabou por não entrar no livro e que agora serve de introdução à exposição, "o que a Micucha [Maria do Carmo] cria para nós é um álbum de família. Relaciona-nos com os artistas. Como se estivéssemos lá. Através do visor da máquina fotográfica, o relacionamento está estabelecido: Arpad e Vieira, os nossos amigos, em casa. Com a simplicidade e a humildade de um olhar de grande fotógrafa".

 


in Diário de Notícias | 6 de fevereiro de 2016

Notícia no âmbito da parceria Centro Nacional de Cultura | Jornal Diário de Notícias

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