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Ministro da Cultura estuda alteração da lei que não agrada a ninguém
Lei do sector empresarial local impõe rácio de receitas que autarquias dizem não fazer sentido no sector cultural.
Braga e Guimarães tentam evitar limitações que já levaram teatros da Guarda, Aveiro e Torres Novas a reduzir programação.
O ministro da Cultura está a estudar introduzir alterações à lei do sector empresarial local que permitam flexibilizar as regras que se aplicam às empresas municipais que gerem teatros e outro tipo de equipamentos culturais. A lei de 2012 exige um mínimo de 50% de receitas próprias nos orçamentos das instituições para que estas sejam viáveis, algo que as autarquias dizem ser difícil de cumprir neste sector. A regra já levou à extinção dos organismos que geriam os teatros da Guarda, Aveiro e Torres Novas, acabando por afetar a programação. As Câmaras de Braga e Guimarães tentam evitar problemas semelhantes nos seus teatros.
O assunto “está em fase de análise” pelo ministro da Cultura, adianta ao PÚBLICO fonte do gabinete de João Soares. O tema está a ser estudado pelo gabinete jurídico do ministério e o governante “acompanha-o com todo o interesse”, garante a mesma fonte. O Regime Jurídico da Atividade Empresarial Local define também que as empresas municipais têm que ter um mínimo de 50% de receitas com vendas e prestações de serviços, de modo a evitar que estas subsistam tendo apenas por base subsídios das próprias câmaras. Em cima da mesa está uma exceção a esta regra para as empresas do sector cultural.
É nesse sentido que apontam as propostas que as câmaras de Braga e de Guimarães entregaram ao Governo na última semana. “Sempre afirmámos que esta é uma má lei, que está a afetar de forma grave o normal desenvolvimento da atividade cultural e a aposta que temos feito neste sector”, sublinha ao PÚBLICO o vereador da Cultura vimaranense, José Bastos.
Também o Bloco de Esquerda anunciou, no final da semana, a intenção de propor uma alteração legal no sentido de excluir as empresas municipais do sector cultural das obrigações que constam daquele diploma. O principal argumento dos deputados bloquistas prende-se com a diferença de tratamento entre os teatros municipais e os teatros nacionais que “geram receitas próprias que cobrem apenas 7% a 10% dos gastos totais”, ao contrário do mínimo de 50% exigido às estruturas culturais geridas por empresas municipais. Além de “profundamente discriminatória”, esta “dualidade de critérios” acentua ainda mais "discriminação no acesso cultural entre as populações das grandes áreas metropolitanas e as do restante território nacional", lê-se na proposta.
Da forma como está, a lei do sector empresarial local parece não agradar a ninguém, e já fez algumas “baixas”. Face à incapacidade de cumprir os rácios exigidos pela lei, as câmaras de Aveiro, Guarda e Torres Novas extinguiram as empresas que geriam os respetivos teatros municipais, optando por internalizar no município os funcionários que trabalhavam nessas estruturas, bem como a gestão e programação dos equipamentos, ainda que por entre críticas dos autarcas. As regras da contratação pública e os constrangimentos financeiros dos municípios acabaram por criar algumas dificuldades na gestão, tornando mais difícil a contratação dos espetáculos, por exemplo, o que teve reflexos na intensidade da programação em alguns daqueles teatros.
Braga e Guimarães tentam agora evitar um destino semelhante. O Theatro Circo já teve ordem de extinção por parte do Tribunal de Contas (TdC), em Abril de 2014, num acórdão em que era chumbado o contrato-programa para a gestão daquele equipamento cultural, ao abrigo do qual a autarquia local devia transferir 660 mil euros durante este ano. O TdC voltaria a chumbar o contrato-programa da autarquia no ano seguinte, e todas as decisões que tem tomado são contrárias às posições da autarquia. A última foi conhecida na semana passada e, mais uma vez, recusa o último recurso do município.
O Theatro Circo mantém para já a sua atividade de forma regular, no ano em que assinala o seu centenário. O presidente da Câmara de Braga assumiu que a proposta de alteração à lei que subscreveu – e que já apresentou também na Assembleia da República – é a forma de “afastar o risco de extinção do Theatro Circo enquanto empresa municipal”.
O caso de Guimarães, sendo diferente, prende-se também com o Regime Jurídico da Atividade Empresarial Local. O Centro Cultural Vila Flor, bem como o museu de arte contemporânea Centro Internacional de Artes José de Guimarães, são geridos pela cooperativa municipal A Oficina. A primeira versão da lei não considerava as cooperativas como parte do universo empresarial local, ainda que as autarquias tivessem a maioria do capital, como era o caso.
Desse modo, o TdC chumbou as sucessivas soluções que Guimarães apresentou para a situação desde 2013, incluindo a concessão dos equipamentos através de concurso público. Uma alteração aprovada no Verão pelo anterior Governo estende as regras da lei 50/2012 também às régie-cooperativas, mas não resolveu os problemas de Guimarães, que continua à espera do visto para o contrato-programa estabelecido com a cooperativa A Oficina.
por Samuel Silva, in Público | 18 de janeiro de 2016
Notícia no âmbito da parceria Centro Nacional de Cultura | Jornal Público