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A lavandaria de Pompeia já reabriu, mas só para visitas

Trabalhos de conservação e restauro custaram mais de 100 milhões de euros e tornaram visitáveis seis edifícios da cidade romana sepultada pelo Vesúvio há dois mil anos. Reflexo do renascimento de um dos sítios arqueológicos mais visitados do mundo, garante o primeiro-ministro italiano.

Já não é possível deixar lá uma túnica para lavar ou um pedaço de tecido para tingir, mas a Fullonica di Stephanus, uma lavandaria de acordo com os padrões de uma cidade romana do século I, acaba de reabrir. Fica em Pompeia, cidade no golfo de Nápoles engolida pela erupção do Vesúvio em Agosto de 79, e já está aberta aos visitantes.

Depois de ter sido notícia em 2008, quando o governo italiano declarou “estado de emergência” devido à degradação daquele sítio arqueológico na sequência de anos de subfinanciamento para manutenção e novos trabalhos de conservação, e em 2010, quando pelo menos duas das suas estruturas ruíram, obrigando ao seu encerramento temporário, Pompeia volta agora aos jornais e televisões, mas por um motivo bem melhor. Chegou ao fim a primeira fase de um complexo programa de restauro que custou mais de 100 milhões de euros e que devolveu a esta cidade sepultada pelas cinzas e redescoberta em meados do século XVIII seis edifícios, incluindo a casa de um rico mercador e uns banhos públicos.

À reabertura destes seis edifícios, que incluem ainda uma típica domus (casa romana) de classe média e um criptopórtico, presidiu o primeiro-ministro italiano, Matteo Renzi, que fez questão de garantir aos jornalistas que “a beleza está de volta a Pompeia”.

Anos de quase abandono
Nos últimos anos o sítio arqueológico, classificado como património mundial em 1997 pela UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura, na sigla em inglês) foi seriamente prejudicado por falta de investimento, má gestão, roubos constantes, colapsos de estruturas, entre elas a Casa dos Gladiadores, e greves de pessoal sucessivas. Parte dos problemas, lembrava recentemente o diário espanhol El País, deve-se à ação da Camorra, a mafia napolitana.

Em 2013, o próprio órgão das Nações Unidas para a Cultura lançou um ultimato a Itália para que interviesse com urgência na conservação da cidade, ameaçando, caso nada acontecesse, incluí-la na lista do património da humanidade em risco, o que acontece sobretudo com bens situados em zonas de guerra.

Explicava ainda o jornal espanhol que os “filtros” que as autoridades tinham colocado nos concursos para as obras, procurando evitar que as empreitadas fossem adjudicadas a empresas controladas pelo crime organizado, atrasaram o processo – o governo tinha de investir as verbas disponíveis antes de Dezembro de 2015 -, quase impedindo que fossem gastos os 105 milhões de euros adjudicados para o Grande Projecto Pompeia, nome dado a esta intervenção que foi paga, na sua maioria, por fundos europeus (apenas um quarto do montante saiu dos cofres italianos).

“Itália está em condições de dizer basta às obras incompletas”, disse Matteo Renzi, tomando o programa de conservação de Pompeia como símbolo de um país que não se rendeu à crise e que está a “relançar-se”: “Itália deixou de chorar”, acrescentou o primeiro-ministro.

As seis casas recuperadas

As habitações agora reabertas permitem ao visitante ficar a conhecer ainda melhor o quotidiano daquela cidade próspera que o Vesúvio transformou numa grande necrópole. Graças ao trabalho dos conservadores restauradores, as figuras de Hércules, Narciso e Apolo nas paredes pintadas de salas e quartos ganharam nova vida, assim como os mosaicos bicolores que adornam os pavimentos, com animais e figuras da mitologia, escreve o diário espanhol ABC.

Na casa de Paquius Proculus – os edifícios são conhecidos pelo nome do proprietário – há um pequeno corredor de acesso à rua decorado com um cão de guarda e o chão está revestido de mosaico branco e negro com perus e outras aves. Na de Fabius Amandius, que tem dois andares, merece destaque um tanque para aproveitar as águas pluviais, muitíssimo decorado.

Em duas das habitações mais luxuosas, a de Sacerdos Amandus e a do Efebo (assim conhecida devido a uma escultura de um adolescente que ali foi descoberta), o visitante é confrontado com o drama que viveram os moradores de Pompeia, perante o fim que se avizinhava, incapazes de fugir. Na primeira, onde há uma sumptuosa sala de jantar decorada com cenas mitológicas em que estão representados Ícaro ou Andrómeda, nove esqueletos de homens, mulheres e crianças amontoam-se junto a uma das portas – a família tentou abandonar o edifício que estava prestes a ruir. Na segunda, casa de comerciantes, há um espaço de refeições no jardim, rodeado de colunas e marcado por pinturas com motivos egípcios e eróticos.

Longe do recolhimento doméstico destas domus está a referida lavandaria. Explica o diário britânico The Guardian que este edifício terá sido especialmente concebido para o efeito, sendo organizado segundo as particularidades de cada fase de trabalho. São hoje visíveis os tanques para lavar túnicas e as bacias para tingir tecidos. Nas traseiras, os empregados esfregariam a roupa em grandes tinas e há ainda vestígios da zona onde se passava a ferro com a uma prensa. Na Fullonica di Stephanus (que poderíamos traduzir por Lavandaria Stefano) há até uma área para armazenar a urina que era recolhida nas casas de banho públicas e usada para tirar nódoas difíceis (depois de fermentada, produz amoníaco, substância que consta ainda hoje de vários produtos de limpeza).

Em Pompeia, um dos destinos arqueológicos mais populares do mundo – teve 2,6 milhões de visitantes em 2014, segundo dados divulgados na página oficial da cidade -, os trabalhos de restauro só deverão estar concluídos em 2017. A partir daí, explicou o ministro da Cultura italiano Dario Franceschini, citado pelo diário El País, deverá entrar em velocidade de cruzeiro, sendo sujeita apenas a intervenções de manutenção. As seis casas agora reabertas são um ponto de partida para o muito que ainda falta fazer.

 


 

por Lucinda Canelas, in Público | 28 de dezembro de 2015
Notícia no âmbito da parceria Centro Nacional de Cultura | Jornal Público

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