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Os chocalhos já são Património da Humanidade numa "candidatura modelo"

Candidatura liderada pelo Alentejo foi aprovada pela UNESCO sem nenhuma objeção.

O fabrico de chocalhos precisa de proteção urgente.

A arte chocalheira já é Património Cultural Imaterial com Necessidade de Salvaguarda Urgente, título atribuído pela UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura. Candidatura foi aprovada em poucos minutos, sem qualquer objeção.

A decisão foi anunciada às 14h20 (hora de Lisboa) desta terça-feira pelo Comité Intergovernamental para a Salvaguarda do Património, que está reunido em Windhoek, capital da Namíbia, para enorme júbilo da delegação portuguesa presente na sala da conferência, chefiada por António Ceia da Silva, presidente do Turismo do Alentejo, e integrada pela embaixadora de Portugal, Helena Paiva. Os chocalhos, que se ouviram na sala para festejar, criam "uma paisagem sonora característica", disse a UNESCO.

A candidatura do fabrico de chocalhos, instrumentos usados para localizar e dirigir os rebanhos, foi liderada pela Entidade Regional de Turismo do Alentejo e Ribatejo (ERT), em parceria com a Câmara Municipal de Viana do Alentejo e a Junta de Freguesia de Alcáçovas. 

Com “alegria e emoção”, foi assim que o presidente da ERT recebeu a classificação do fabrico de chocalhos como Património Imaterial. A decisão da UNESCO, tomada em apenas cinco minutos, foi festejada de imediato pelos membros da delegação portuguesa. "É mais uma grande vitória para o Alentejo, para as nossas tradições, para aquilo que mais é valorizado na nossa identidade”, disse António Ceia da Silva logo após a aprovação da candidatura portuguesa, considerada pelo comité de avaliação da UNESCO como “modelo”.

O responsável pelo Turismo do Alentejo acrescenta tratar-se de uma “vitória para Portugal", com grandes repercussões para a região enquanto destino turístico. “Hoje temos um perfil de turista diferente, que procura cada vez mais os valores diferenciadores em cada território, e nós temos trabalhado para isso. Conseguimos o ano passado o reconhecimento do Cante Alentejano pela UNESCO e conseguimos hoje o Fabrico de Chocalhos”, disse.

Ceia da Silva acrescentou que, agora, “há um conjunto de obrigações, nós somos responsáveis pelo plano de salvaguarda” da arte chocalheira. 

A decisão da UNESCO deixou satisfeitos também os autarcas alentejanos que integraram a comitiva portuguesa na capital da Namíbia. O presidente da Câmara de Viana do Alentejo recebeu o anúncio da aprovação da candidatura com “emoção e alívio pelo fim da ansiedade”. Bernardino Bengalinha Pinto disse ao Público estar “muito contente pelo resultado, sem objeções, por ser uma candidatura exemplar” e esperar que o selo da UNESCO “contribua para o desenvolvimento do concelho de Viana do Alentejo”. O autarca enviou também “uma palavra especial para os chocalheiros, porque, sem eles, isto não acontecia”.

Já a presidente da Junta de Freguesia de Alcáçovas salientou que a aprovação da candidatura foi “o culminar de um trabalho” mas também o início de um novo ciclo. “Hoje foi o primeiro dia do resto das nossas vidas, é o começo. Agora temos que pegar nesta grande riqueza que os nossos antepassados nos deixaram e dinamizarmos o que aqui ficou”, disse Sara Pajote. A autarca alentejana garantiu ainda que não quer que esta atividade “volte a chegar ao ponto que chegou, de ter necessidade de uma salvaguarda urgente”. E acrescentou: “Agora é dinamizar, tentar que [aqueles mestres chocalheiros que lá estão] impulsionem outros a continuar esta arte.”

O diretor do Museu Nacional de Etnologia (MNE), Paulo Ferreira da Costa, congratulou-se com a classificação agora feita pela UNESCO. “Trata-se de uma decisão importantíssima", disse o responsável ao Público, pouco tempo após a decisão anunciada na Namíbia.

Tendo assumido a direção do MNE no passado mês de Março, Paulo Ferreira da Costa disse não ter conhecimento de que a instituição tenha sido ou não solicitada a intervir no processo da candidatura. “Mas o que é fundamental é a garantia, que a classificação agora dá, de que este património se manterá no futuro”, notou o diretor, estabelecendo um paralelismo com os outros bens classificados pela UNESCO e considerando que este “é um excelente instrumento para chamar a atenção pública para a necessidade de salvaguardar esse bem patrimonial”.

É a primeira vez que Portugal inscreve um bem cultural na lista do Património Cultural Imaterial com Necessidade de Salvaguarda Urgente.

Sobre a intenção dos responsáveis pela candidatura alentejana, nomeadamente Ceia da Silva, da ERT, de apostar na oferta turística e no artesanato como forma de salvaguardar esta arte que já não desempenha as funções utilitárias de outrora, Paulo Ferreira da Costa acha que essa não deverá ser “a única solução”. “Uma tradição deve ter um papel social, económico e também simbólico na sociedade que a produz”, diz, lembrando que a própria UNESCO tem vindo a alertar para que "o turismo, muitas vezes, pode ser prejudicial à perpetuidade de certos bens e culturas”.

“Diria que tem de haver um equilíbrio muito grande entre a promoção turística e também as utilizações que possam preservar e dar continuidade à função social e cultural” de um bem como a arte chocalheira.

Segundo a comissão científica da candidatura a património da humanidade, coordenada pelo antropólogo Paulo Lima, trata-se de uma arte iniciada há mais de dois mil anos - é possível encontrar chocalhos celtiberos do século I a.C. que são idênticos aos feitos atualmente - mas que agora está em risco de extinção. O fabrico tem uma dimensão nacional, mas a candidatura baseou-se num trabalho técnico e científico à volta da arte chocalheira da freguesia de Alcáçovas, centro do fabrico de chocalhos no país.

O senhor candidatura
Coordenador científico da candidatura dos chocalhos, o antropólogo Paulo Lima, esteve em várias candidaturas portuguesas a património imaterial da UNESCO. Integrou a comissão executiva da candidatura do fado e foi o coordenador científico da do cante alentejano. Foi o pai da ideia da candidatura da arte chocalheira, mas gosta de partilhar essa paternidade: “A ideia foi minha, foi da Ana Pagará [atual diretora do Mosteiro de Alcobaça], e juntámos uma pequena equipa que trabalhou durante algum tempo e que teve depois a generosidade da Entidade de Turismo do Alentejo para podermos instruir o dossier”, disse ao Público.

Segundo o antropólogo, a equipa científica, que integra também o professor Jorge Freitas Branco, “percebeu” que o chocalho é “interessante não apenas pelo objecto em si, mas pelo que representa, pela necessidade de preservação urgente”. Freitas Branco contou que a sua ligação à arte chocalheira se iniciou há uma década quando, como orientador de um doutorando, sugeriu os chocalhos como tema.

O fabrico de chocalhos é uma arte milenar que tem no território alentejano a maior expressão a nível nacional, especialmente em três municípios, Estremoz, Reguengos de Monsaraz e Viana do Alentejo, e com destaque para a freguesia de Alcáçovas.

O seu fabrico, refere o dossier de candidatura, é uma atividade metalúrgica associada essencialmente à pastorícia: "O chocalho português é um instrumento de percussão (idiofone) munido de um só batente interno. Este instrumento funciona da mesma maneira que um sino, e é habitualmente suspenso no pescoço dos animais com a ajuda de uma correia em couro. Este objecto está estritamente associado ao pastorícia, pois é utilizado pelos pastores para localizar e dirigir os rebanhos. A crença diz que este instrumento tem poderes protetores e mágico-religiosos. Os chocalhos criam uma paisagem sonora única e característica, de uma beleza rara, que procura um sentimento intemporal de bem-estar."

O plano de salvaguarda

A inscrição do fabrico de chocalhos na Lista do Património Imaterial com Necessidade de Salvaguarda Urgente implica um Plano de Salvaguarda, uma espécie de “caderno de encargos" que visa reverter a tendência de desaparecimento desta arte, garantindo a transmissão do saber-fazer e a sustentabilidade futura da atividade. Nesse capítulo, a candidatura portuguesa propõe um conjunto de medidas para promover o ensino do ofício, sendo a mais imediata a celebração de um protocolo, que está em preparação, com o Estabelecimento Prisional de Beja para que um mestre chocalheiro dê formação aos reclusos.

Criar um centro de interpretação da pastorícia e da metalurgia tradicional, em Alcáçovas, encorajar e criar viabilidade económica para esta atividade, promover a sua proteção jurídica e incentivar a investigação académica são os outros pontos principais do plano de salvaguarda apresentado no dossier português.

Uma candidatura que o relatório da UNESCO considerou preencher todos os critérios técnicos (cinco ao todo). Primeiro, porque o fabrico de chocalhos é uma “tradição” passada entre gerações, proporcionando um “sentimento de identidade e continuidade histórica” que permite às comunidades locais perceber essa arte como uma “herança cultural coletiva”. Depois, trata-se de um elemento em “perigo iminente” de extinção, pois a produção está hoje limitada a “menos de dez locais, incluindo Alcáçovas, centro dessa prática com quatro fabricantes em atividade”. Escreve-se também que o Plano de Salvaguarda proposto pela candidatura “responde às ameaças identificadas”, incluindo medidas concebidas em estreita colaboração com os agentes do sector, as comunidades e instituições envolvidas, “demonstrando forte potencial para melhorar a viabilidade do elemento de interesse e o rejuvenescimento no fabrico de chocalhos”.

O relatório de avaliação confirma que a instrução do processo da candidatura portuguesa “pode servir de modelo” pelo envolvimento dos agentes ligados a esta arte, que concordaram com a nomeação de forma livre, prévia e informada. Por fim, relativamente ao último critério, é confirmado que os chocalhos cumprem também o requisito de serem um elemento catalogado. “Está registado e detalhado num catálogo de inventário de Viana do Alentejo”, lê-se no documento.

O comité da UNESCO termina este relatório com um convite a Portugal, como Estado membro, a ter um “cuidado especial” para garantir a continuidade dos significados culturais do fabrico de chocalhos, “evitando as possíveis consequências não intencionais” do plano de salvaguarda, como, por exemplo, a excessiva exploração turística.

 


por Francisco Alves Rito (em Windhoek) com Sérgio C. Andrade, in Público | 01 de dezembro de 2015
Notícia no âmbito da parceria Centro Nacional de Cultura | Jornal Público

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