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Três mil livros de Eduardo Lourenço ganham nova casa em Coimbra
Autor d'O Labirinto da Saudade despediu-se dos seus livros como "os filhos que a gente perdeu".
Eduardo Lourenço [Daniel Rocha]
A Câmara de Coimbra inaugurou este sábado a Sala Eduardo Lourenço, na Casa da Escrita, um espaço onde ficam três mil livros da colecção do intelectual, que aproveitou a homenagem para se despedir dos seus "filhos".
Antes da cerimónia começar, Eduardo Lourenço aproveitou para olhar para os livros já devidamente catalogados, presentes na sala com o seu nome, e afirmou sentir-se "honrado", mas ao mesmo tempo "um pouco viúvo". Os livros, com os quais tem uma relação "muito própria", foram a sua "companhia durante anos" e agora, ao despedir-se deles, sente que estes são "como filhos que a gente perdeu. Não um, mas milhares", disse.
"Chamava-lhes 'os meus caros inimigos'. Porque cada livro é uma espécie de sonho encarnado, que está fora de nós. Os livros não são pessoas tranquilas. São bichos de inquietação, fantasmas de toda a espécie". E, por isso, Lourenço considerou que "estar-se sem livros, é já ter morrido".
Agora, "a alma fica dividida por todos esses livros" que estão distribuídos por estantes no rés-do-chão da Casa da Escrita, salientou o autor d'O Labirinto da Saudade.
A opção de doar os livros à Casa da Escrita resume-se, em parte, à história da própria habitação. Esta moradia, no n.º 8 da Rua de João Jacinto, agora renovada com uma intervenção do arquitecto João Mendes Ribeiro, foi a antiga casa do poeta João José Cochofel e espaço de convívio da geração neo-realista, que também era a sua, recordou Lourenço.
Apesar das poucas visitas à casa enquanto estudante da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, nos anos 1940, lá encontrou uma biblioteca "extraordinária", com "tudo o que era interessante daquela época" e com livros que "só encontrava em referências bibliográficas". "Os livros são mais importantes do que nós próprios. São as nossas escolhas, as nossas paixões, histórias que nunca mais acabam. Se precisasse de um objecto para sonhar muito, tinha de me lembrar destes livros que estão atrás de mim", referiu, apontando para as estantes da agora Sala Eduardo Lourenço.
Com uma maior presença de literatura portuguesa, na sala há também História, literatura estrangeira, História de Portugal, Arte e uma Bíblia. Por entre as estantes, encontram-se Walt Whitman, Harold Bloom, José Eduardo Agualusa, Vassili Grossman, Miguel Torga, Cesário Verde, Rui Zink, Jorge de Sena, José Marmelo e Silva, Bernard-Henri Lévy, Fernando Namora, Antero de Quental, Rui Cardoso Martins ou Maria Gabriela Llansol.
Na cerimónia de inauguração da sala, o presidente da Câmara, Manuel Machado, dirigiu-se a Eduardo Lourenço como "um dos maiores intelectuais que viveu nesta cidade", considerando que a doação dos três mil livros "enriquece" Coimbra. "Hoje, Eduardo Lourenço faz parte da mitologia coimbrã", frisou.
por LUSA, in Público | 29 de novembro de 2015
Notícia no âmbito da parceria Centro Nacional de Cultura | Jornal Público