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António Tavares e "O Coro dos Defuntos" vence Prémio Leya

Entre 1968 e o 25 de Abril, um modo de vida moribundo numa aldeia beirã vê Portugal e o mundo a mudar lá fora. Escolha do júri foi unânime.

António Tavares, o vencedor do Prémio Leya 2015 [DR]

 

O Prémio Leya 2015 foi esta terça-feira atribuído a António Tavares, pelo romance O Coro dos Defuntos. O júri escolheu esta obra, que começa em 1968 e termina no dia 25 de Abril de 1974, por unanimidade. Este é o galardão de maior valor pecuniário - 100 mil euros - para romances inéditos em literatura de expressão portuguesa.

António Tavares queria mesmo que este fosse o seu segundo romance, depois de ter sido já finalista do Prémio Leya em 2013 com o seu primeiro romance, As Palavras que me Deverão Guiar um Dia pela Teorema (do Grupo Leya). Sentiu, como disse ao PÚBLICO uma hora depois do anúncio do seu nome como vencedor deste prémio, que "era inevitável" escrever sobre o período de intensas mudanças que o país e o mundo sofreram entre 1968 e 1974. "No nosso país, isso significou muito - por um lado, o morrer de um regime e o renascer de outro. Chama-se Coro dos Defuntos porque a aldeia" no centro da história, no centro das beiras portuguesas, "fala como um coro. E esse coro, essas pessoas, já estão moribundas. Quase defuntos, porque logo a seguir vem o 25 de Abril, vem a liberdade, o varrer de novas ideias, o abalar das crenças e convicções do mundo rural. É a última geração que vive esse momento".

O premiado, de 55 anos, foi selecionado por um júri presidido por Manuel Alegre e composto pelos escritores Nuno Júdice, Pepetela e José Castello, e ainda por José Carlos Seabra Pereira, ensaísta e professor da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, Lourenço do Rosário, reitor do Instituto Superior Politécnico e Universitário de Maputo, e Rita Chaves, professora da Universidade de São Paulo. O júri elogia não só a “construção sólida” do romance que em momentos toca “o fantástico”, que conduz “o leitor através de uma escrita que inscreve em paralelo o percurso do país e o do mundo ficcional”, mas também a “diversidade de personagens” criadas por António Tavares, que é atualmente vice-presidente da Câmara Municipal da Figueira da Foz.

Em O Coro dos Defuntos “estamos enterrados na Cova da Beira”, diz, com “meia-dúzia de famílias” a ver o mundo lá fora. Os últimos momentos de um modo de vida. A obra, que toca ainda “o mundo da emigração na Suíça e nos Estados Unidos”, como descreve o júri, "é uma leitura que as pessoas que vivem numa aldeia do interior beirão fazem do mundo e do país" em anos de turbulência, explica o escritor. Pessoas "carregadas de preconceitos, de superstições, com o peso da moral católica e com a sua pouca instrução, [que] lêem este mundo de constante mudança”. E exemplifica com marcos temporais e sociais: “a queda de Salazar, o advento da Primavera Marcelista e um mundo a mudar com a conquista dos direitos dos negros na América, a conquista do espaço”. 

Para os membros do júri, que se reuniu segunda-feira e esta terça-feira de manhã na sede do grupo editorial, em Alfragide, para decidir o premiado, esta obra ainda por editar “reanima, com conhecimento empático e com ironia, uma ruralidade ancestral - flagrante nos ambientes e nos modos de viver, nos horizontes de crença e nos saberes empíricos, na linguagem e na imaginação mítica” sobre a qual se inscrevem “as notícias das transformações aceleradas do mundo contemporâneo”. António Tavares reflete sobre a dualidade entre o mundo voraz, lá fora, e os que estão na Beira - "tentei que [o romance] estivesse impregnado de uma grande ironia, mas também de muita ternura por essas pessoas", afiança. Respeitando o “saber muito próprio dessas gentes, muito ligado à terra”.

Escrito em cerca de dois meses, em contraste com o seu primeiro romance - que “saiu de um jacto, estava à flor da pele e na cabeça há muito tempo” em apenas 15 dias para o papel -, António Tavares deseja que O Coro dos Defuntos tem “mais maturidade”. O júri elogia a sua “forma inovadora na apresentação da voz narrativa”, da linguagem, e o autor explica que a construção da obra “implicou alguma pesquisa, ouvir pessoas e narrativas, foi trabalhada do ponto de vista da linguagem”. Debruçou-se de forma mais pensada sobre este livro, não só sobre os dados históricos mas sobre a sua estrutura, e sobre a voz narrativa explica que foi algo que lhe surgiu, que aconteceu, ter “alguém que vai contando a história ao narrador, que por sua vez vai interpretando os factos e os vai apresentando a quem lê". Com um lado pessoal -"histórias que eu ia ouvindo, de alguém que, tendo vivido numa aldeia deste género durante aquele período, me ia transmitindo as figuras e os figurões, as personagens e as leituras enviesadas do que era a realidade – temperadas pelas superstições, lendas, pela ruralidade". 

António Tavares nasceu em 1960 no Lobito, em Angola, tendo regressado a Portugal em 1975. Fez o liceu no Porto, é licenciado em Direito pela Universidade de Coimbra e pós-graduado em Direito da Comunicação pela mesma universidade, tendo tido como atividades a docência no ensino secundário (passando pelos Açores), a advocacia e o jornalismo - fundou o jornal regional A Linha do Oeste e a revista Litorais. Além de As Palavras que me Deverão Guiar um Dia, é autor de várias peças para teatro e ensaios - Trilogia da Arte de Matar, Gémeos 6, O Menino Rei; Luís Cajão, o Homem e o Escritor; Manuel Fernandes Thomás e a Liberdade de Imprensa; Redondo Júnior e o Teatro. Tem no prelo outro romance, a editar em breve, O Tempo Adormeceu sob o Sol da Tarde, que recebeu uma menção honrosa no Prémio Alves Redol em 2013.

O Prémio Leya é, a par do Prémio Camões - no mesmo valor, mas que distingue carreiras literárias -, o mais valioso atribuído na literatura de expressão portuguesa. O Meu Irmão, de Afonso Reis Cabral, um autor então com 24 anos, foi o romance vencedor do Prémio LeYa 2014. Antecederam-no Uma Outra Voz, de Gabriela Ruivo, em 2013, e Debaixo de Algum Céu, de Nuno Camarneiro, em 2012. O Prémio Leya 2011 foi entregue ao romance O Teu Rosto Será o Último, estreia literária do português João Ricardo Pedro, tendo também já sido distinguidos desde 2008, edição inaugural do galardão, o jornalista e escritor brasileiro Murilo Carvalho com o O Rastro do Jaguar, e O Olho de Hertzog, do moçambicano João Paulo Borges Coelho em 2009. Só 2010 foi um ano em branco na história do prémio, por decisão do júri – justificada pelos jurados por falta de qualidade dos originais a concurso. 

 


Por Joana Amaral Cardoso, in Público | 13 de outubro de 2015
Notícia no âmbito da parceria Centro Nacional de Cultura | Jornal Público

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