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E quando, um museu para a arquitetura portuguesa?

A Casa-atelier Marques da Silva foi reabilitada pelos arquitetos Alexandre Alves Costa e Sérgio Fernandez [Diogo Baptista]

Há, em Portugal, vários museus de artes e de ciências, e também do design, do teatro, das marionetas, do cinema, dos coches, da imprensa… Para quando um Museu Nacional da Arquitetura?

Parte dos arquivos de Álvaro Siza encontram-se já no Centro Canadiano da Arquitetura (CCA), em Montréal, onde o arquiteto se deslocou há pouco mais de uma semana para inaugurar uma exposição e falar das suas obras.

A Casa-atelier José Marques da Silva, no Porto, reabriu no penúltimo fim-de-semana, depois de (quase) terminadas as obras de reabilitação assinadas por Alexandre Alves Costa e Sérgio Fernandez (Atelier 15), e a fundação de que é sede continua a recolher espólios e arquivos de alguns nomes fundamentais da arquitetura na cidade; a Casa da Arquitetura, em Matosinhos, viu finalmente iniciadas as obras de transformação da antiga fábrica da Real Companhia Vinícola, que virá a acolher aquela instituição, depois que foi posto de parte o projecto que Siza realizou há uma década para a construção de um edifício de raiz; o Sistema de Informação para o Património Arquitetónico (SIPA), com sede no forte de Sacavém e que detém o mais extenso espólio português do sector, passou em Junho a ficar na dependência da Direcção-Geral do Património Cultural (DGPC), em vez do Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana; as fundações Centro Cultural de Belém (CCB), Gulbenkian e Serralves integram a arquitetura nas suas coleções e programação; o arquiteto Pedro Gadanho iniciou este mês o seu mandato à frente do projeto do Museu de Arte, Arquitetura e Tecnologia (MAAT), que a Fundação EDP vai construir junto à Central Tejo…

É sobre esta radiografia que esta segunda-feira, Dia Mundial da Arquitetura, o PÚBLICO aborda a questão da não existência em Portugal de um museu nacional para esta disciplina, sendo um dos raros países da Europa onde isso acontece. O que não significa que não se fale – e não se trabalhe – nesse projeto, em diferentes lugares, com diferentes ambições e sortes…

O arquiteto João Luís Carrilho do Graça – que atualmente mostra os seus trabalhos para Lisboa numa exposição no CCB – lembra que, após a Expo’98, foi dos primeiros a sugerir a transformação do Pavilhão de Portugal num museu da arquitetura. “Disse na altura – e continuo a achar isso – que é o espaço ideal para o efeito”, refere, lembrando não apenas a assinatura de Siza, mas também a contribuição que o edifício – que entretanto passou a ser gerido pela Universidade de Lisboa –, transformado em museu, poderia trazer para aumentar a ressonância internacional da arquitetura portuguesa.

O próprio Álvaro Siza fez há uma década um projecto para a Casa da Arquitetura (CA), em Matosinhos, que aspirava em transformar-se na referência nacional para o sector. O preço anunciado do projecto – cerca de 40 milhões de euros – e a crise económica foram as justificações invocadas pela autarquia para o adiamento da construção, que entretanto foi substituída pela instalação da CA na velha fábrica da Real Companhia Vinícola, com obras atualmente já em curso.

Nuno Sampaio, diretor executivo da CA, diz que Matosinhos não desistiu de vir a ter “um projecto de um Siza maduro” nesta que é a terra natal do arquiteto, e onde ele realizou as suas primeiras obras mais mediáticas, como a Casa de Chá da Boa Nova e a Piscina das Marés de Leça da Palmeira. Mas, agora, é nas futuras instalações da Real Vinícola que Sampaio projeta, a partir de 2017, a instalação dos acervos que já estão à guarda da instituição – entre os quais se encontram as citadas obras de Siza, maquetas e desenhos de Eduardo Souto de Moura e o projecto do Museu dos Coches, do arquiteto brasileiro Paulo Mendes da Rocha.

“A CA distingue-se de todas as outras entidades existentes em Portugal por se ocupar de três eixos fundamentais: conservar e tratar os acervos documentais; organizar o acesso a essas obras; programar atividades que celebrem a arquitetura”, diz Sampaio, insistindo em que a CA só cumprirá verdadeiramente o seu desígnio “se for uma instituição nacional” que esteja em rede com outras entidades do sector.

Eduardo Souto de Moura, que no início deste ano depositou parte do seu arquivo na instituição de Matosinhos, justificou na altura ao PÚBLICO a decisão por achar que a CA é “o embrião certo” para “uma instituição concreta e especializada” para esta disciplina que “passou a fazer parte da cultura portuguesa, e é apreciada lá fora”, principalmente a partir da obra de Siza, que “é o motor” desse reconhecimento.

“Eu optei pela Casa da Arquitetura. Tenho alguma experiência de arquivos internacionais, e há uma espécie de recomendação para que não se façam depósitos nas universidades – é como as bibliotecas, onde as obras completas do Júlio Dinis e do Sá de Miranda ficam cheias de pó”, diz o prémio Pritzker 2011.

José Mateus, presidente da Trienal de Lisboa, vê também na CA a instituição que, “neste momento, está mais empenhada, com actos concretos, em criar um Museu Nacional de Arquitetura”. Mas, considerando que a ausência desta instituição nacional “só pode ser resultado de uma lamentável falta de visão”, Mateus vê-a – "necessariamente apoiada pelo Estado" – como “um museu-arquivo com várias ‘entradas’”, e o resultado da “parceria entre entidades com atividade complementar”. “Deve constituir uma coleção e possuir espaços próprios de partilha ou mediação com investigadores e com a população não especializada”, acrescenta.

Uma instituição incontornável para essa mediação será o SIPA, em Sacavém, que desde Junho depende da DGPC. Reúne arquivos, documentação e maquetas de milhares de obras nas áreas da arquitetura, urbanismo, paisagem, turismo e até pintura mural. Nas mais de três dezenas de acervos de arquitetura, tem nomes como Cottinelli Telmo, Carlos Chambers Ramos, Pardal Monteiro e Nuno Teotónio Pereira.

João Carlos Santos, subdiretor da DGPC, faz notar que ao SIPA “não compete substituir-se a um possível museu”, mas assegura que este serviço está disponível para apoiar todas as iniciativas que visem “divulgar a qualidade da arquitetura portuguesa”, que será “o património do futuro”.

Outra instituição já no terreno há alguns anos, e com trabalho reconhecido nesta área, é a Fundação Instituto Marques da Silva (FIMS), pertencente à Universidade do Porto (UP). No penúltimo fim-de-semana, a fundação apresentou aos portuenses a obra feita de reabilitação da que foi a casa-atelier do arquiteto da Estação de São Bento e do Teatro São João, e que foi dirigida por Alexandre Alves Costa e Sérgio Fernandez.

No decorrer de uma visita guiada à moradia, paredes meias com o palacete da família de Marques da Silva, também património da FIMS, Alves Costa disse ao PÚBLICO que a reabilitação teve como preocupação primeira manter a integridade do projecto original, adaptando o edifício simultaneamente ao funcionamento como centro de documentação.

Registe-se que, para além dos espólios fundadores da família Marques da Silva (incluindo a sua filha, Maria José, e o genro, David Moreira da Silva), a FIMS guarda já arquivos de outros nomes maiores da Escola do Porto, como Fernando Távora, Alcino Soutinho e José Carlos Loureiro – os dois últimos resultantes de doações recentes, a que irão acrescentar-se as dos arquitetos João Queirós e Manuel Teles, e previsivelmente também o de Alfredo Matos Ferreira, recentemente desaparecido.

Maria de Fátima Marinho, presidente da FIMS, diz que a vocação da instituição é “continuar a recolher acervos, sobretudo ligados à Escola do Porto, com vista ao seu tratamento arquivístico, para que eles fiquem disponíveis para consulta e investigação”. Sobre a criação ou não de um Museu Nacional da Arquitetura, a professora da UP diz que isso passará mais pela colaboração entre várias instituições, como aquilo que, de resto, a FIMS está já a fazer com a CA ou com a Fundação Gulbenkian, nomeadamente, no caso desta, para a realização, em Paris, da grande exposição sobre os últimos 50 anos da arquitetura portuguesa, que ocorrerá na próxima Primavera.

A ideia de uma instituição única no país também não faz sentido para Alexandre Alves Costa, que nota que “o verdadeiro museu da arquitetura é a cidade, que, por natureza, é descentralizada”. Mas o arquiteto portuense vê a FIMS, na sequência até da sua associação orgânica com a UP (incluindo aqui a sua Faculdade de Arquitetura), como uma instituição que “tem um certo apelo” para os arquitetos, que “gostarão de ver os seus arquivos junto dos de Távora”, por exemplo. Lembrando que as obras de figuras como Manuel Marques, Viana de Lima, Januário Godinho, Arménio Losa ou Rogério de Azevedo estão já representadas nos arquivos da UP, Alves Costa vê com naturalidade que, no futuro, esses se associem aos que hoje se encontram na FIMS. “Seria o museu da arquitetura da Escola do Porto – e isso já me basta”, realça. Alves Costa nota, no entanto, que o crescimento dos acervos, e das atividades, na fundação obrigarão à construção de um edifício de raiz. “A fundação tem espaço para isso, e eu ficaria muito contente se o Siza fizesse para aqui um projecto”, acrescenta.

Por outro lado, Alves Costa vê com naturalidade que Lisboa centralize também numa instituição própria os testemunhos dos seus arquitetos, como Cassiano Branco, Manuel Vicente ou Raul Hestnes.

“Como vivo e trabalho em Lisboa, não me importava nada que [um futuro Museu Nacional da Arquitetura] fosse aqui”, responde Carrilho da Graça. “Mesmo se é verdade que o Porto é a capital da arquitetura”, acrescenta o arquiteto da Escola Superior de Música de Lisboa, relevando, no entanto, que “mais importante do que identificar um sítio seria apostar em vários sítios do país”. Para uma instituição a que prefere não chamar museu, “mas um centro que possa receber espólios e arquivos, organizar exposições e mostrar-se muito dinâmica”.

Já André Tavares, arquiteto, professor e editor, mostra-se pouco otimista quanto a concretização de um Museu Nacional de Arquitetura: “Há conteúdo, há público, há competência para o fazer. E até desconfio que haja condições económicas para viabilizar uma instituição com essa natureza. Mas não é fácil, e os fiascos sucessivos comprovam essa dificuldade”. “Será que faz sentido construir novas instituições, um futuro novo, quando nem sequer as que temos somos capazes de preservar? Não sei responder”, diz o vencedor do Prémio Távora 2015, que esta segunda-feira realiza, na Câmara de Matosinhos, a conferência decorrente da sua viagem ao Livro da Arquitetura.


por Sérgio C. Andrade, in Público | 5 de outubro de 2015
Notícia no âmbito da parceria Centro Nacional de Cultura | Jornal Público

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