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Nefertiti pode estar escondida no túmulo de Tutankhamon

Arqueólogo britânico Nicholas Reeves acredita que pode ter finalmente encontrado o túmulo da famosa rainha egípcia. Para já, diz ele, “é só uma teoria”.

O busto de Nefertiti que está em Berlim foi encontrado por uma equipa arqueológica alemã em 1912 [Berthold Stadler/AFP]

 

O busto que dela existe no Neues Museum de Berlim pôs gerações e gerações de arqueólogos e historiadores a referirem-se à rainha Nefertiti como uma das mais bonitas mulheres da antiguidade. Não é certamente por acaso que o seu nome significa qualquer coisa como “a bela que chegou”. A acreditar na nova teoria do egiptólogo inglês Nicholas Reeves, se não chegou, está para chegar.

Investigador da Universidade do Arizona e autor de livros como Akhenaten – Egypt’s False Prophet, Reeves publicou no final de julho um artigo que só agora chegou às páginas dos jornais generalistas em que defende que o célebre túmulo de Tutankhamon pode esconder uma passagem para outra câmara funerária, precisamente a de Nefertiti, a primeira mulher de Akhenaton, pai deste faraó-menino que Howard Carter deu a conhecer ao mundo em 1922, no meio de uma campanha arqueológica carregada de peripécias dignas de um romance policial.

Esta rainha da 18.ª dinastia, que viveu no século XIV a.C., é por muitos considerada a mais forte candidata a mãe de Tutankhamon, embora investigações recentes apontem no sentido contrário (há especialistas que defendem, por exemplo, que seria filho de Kia, a segunda mulher daquele que ficou conhecido como o faraó-herege, o rei que nasceu Amenhotep IV mas preferiu chamar-se Akhenaton).

No artigo The Burial of Nefertiti?, publicado no site do Projeto dos Túmulos Reais de Amarna, a capital que Akhenaton fundou, Nicholas Reeves revela que tem fortes indícios de que haja uma segunda câmara funerária escondida por trás das paredes decoradas da pequena câmara onde durante mais de três mil anos repousou o sarcófago de Tutankhamon, rodeado de milhares de artefactos que constituem um fabuloso tesouro que levou quase uma década a catalogar.

O egiptólogo explica que baseou esta hipótese que alguns já consideraram “demasiado arrojada” na observação rigorosa e demorada de fotografias a cores e outras imagens de altíssima resolução recolhidas com recurso ascanners 3D pela empresa Factum Arte, que no ano passado foi contratada para fazer um levantamento detalhado do túmulo de Tutankhamon com o objetivo de vir a construir uma réplica exata para servir o turismo, não muito longe do original.

As imagens disponibilizadas pela Factum Arte permitiram-lhe identificar na parede com pinturas rachas e fissuras que apontam para a existência, a oeste da câmara funerária do faraó que terá morrido aos 18 anos, de uma pequena sala sua contemporânea, semelhante à que Carter identificou. A norte, acredita Reeves, está outro portal, maior, que parece apontar para algo muito mais interessante – a continuação do túmulo que tem a designação técnica de KV62 (o túmulo de Tutankhamon foi o 62.º a ser descoberto no Vale dos Reis - Kings’ Valley, KV-, a necrópole da importante cidade de Tebas, a atual Luxor).

“Se aquilo que as imagens digitais sugerem vier a confirmar-se na realidade, as implicações são extraordinárias”, escreveu o egiptólogo. “Nestas profundezas inexploradas pode estar um enterramento anterior, o da própria Nefertiti, consorte celebrada, corregente e eventual sucessora do faraó Akhenaton.” Embora muitos o contrariem, Reeves defende que é hoje quase certo que a rainha tenha sido sepultada no Vale dos Reis, sob o nome de Smenkhkare. “Agora, pela primeira vez, estamos em posição de especular onde seria o seu túmulo”, acrescenta.

Mestres do engano

Há décadas e décadas que os egiptólogos procuram a sepultura de Nefertiti, mãe das  seis filhas de Akhenaton. E foram já vários os que julgaram ter descoberto os restos mortais desta rainha que viveu há mais de 3300 anos e que, depois da morte do marido, terá governando o Egito.

Se ela estiver, como defende Reeves, sepultada no Vale dos Reis, cai por terra uma das teorias que diz ser mais do que provável que o seu túmulo se encontre em Amarna, a capital de Akhenaton, o faraó que encabeçou uma verdadeira revolução cultural e religiosa, ousando, numa tentativa falhada, promover a crença num deus único ou pelo menos dominante, Aton.

Nigel Hetherington, um egiptólogo britânico que vive no Egito, citado pelo jornal The Telegraph, faz parte dos entusiastas da hipótese avançada pelo colega Nicholas Reeves, dizendo que tem potencial para ser “fenomenal”: “Os faraós eram mestres do engano. Eles não precisavam de raios laser nem de arame farpado [para proteger um túmulo], podiam desenhá-lo de forma a parecer que ele acabava ali e, na realidade, continuar”, diz Hetherington. “Descobrir um túmulo real agora e no Vale dos Reis seria fenomenal.”

As autoridades egípcias têm sido bastante mais reservadas, garantindo apenas que não foram tomadas ainda quaisquer medidas para testar a teoria de Reeves.

O investigador britânico está ciente de que a hipótese que agora lançou vai agitar as águas e dividir opiniões. Trabalhando há décadas em egiptologia está, aliás, habituado a que isso aconteça. Se os jornalistas lhe perguntam até que ponto está convicto de que conseguirá encontrar o túmulo de Nefertiti, este professor da Universidade do Arizona diz apenas: “Passei o último ano a tentar provar que estou errado. E quanto mais olhava para as imagens mais [esta teoria] fazia sentido.”

Apesar de visivelmente satisfeito com a possibilidade de resolver o mistério que envolve a rainha e de acrescentar mais informação ao que já se sabe sobre o mítico túmulo de Tutankhamon, Reeves é cauteloso: “Isto é uma teoria. Está muito bem fundamentada e baseia-se em dados fotográficos, mas é só uma teoria”, disse à estação britânica BBC.

Reeves explica que o passo seguinte será recorrer a um radar para fazer uma “análise geofísica completa, detalhada” – se o radar encontrar algum “vazio”, indicador de que é possível que a parede esconda outras divisões, é que as coisas se podem tornar complicadas.

Túmulo intrigante

Abrir uma câmara funerária selada há três mil anos levanta muitos problemas. Mas até que os investigadores possam propor às autoridades egípcias uma prospeção com minúsculas câmaras de fibra ótica, muito terá de ser feito. Será preciso, por exemplo, reunir uma série de especialistas internacionais que possam ajudar a determinar qual será a melhor estratégia para aprofundar a pesquisa. E tudo com o apoio do Ministério da Cultura egípcio. É lá que trabalha Ahmed Motawea, responsável pela secção arqueológica e, ao que tudo indica, um dos especialistas que olha com muito ceticismo para a hipótese avançada por Reeves: “Na minha opinião estas alegações não têm lógica porque Nefertiti vivia em Amarna, a capital de Akhenaton, e a sua relação com o Vale dos Reis e das Rainhas em Luxor foi cortada quando o faraó mudou o culto do deus Amon para Aton.”

Mas Reeves tem parte da informação acumulada ao longo de décadas por uma vasta e multidisciplinar gama de especialistas do seu lado. A configuração do túmulo de Tutankhamon sempre intrigou os egiptólogos, que se questionavam por que razão seria mais pequeno do que o dos outros faraós e por que estaria o seu eixo central inclinado para a direita. Uma das explicações avançadas passava pela possibilidade de ter sido desenhado para receber os restos mortais de uma rainha e não de um rei. O facto de a célebre máscara funerária do faraó ter as orelhas furadas e traços bem femininos também reforça esta hipótese (teria sido feita para a rainha?). Reeves defende agora que a câmara funerária de Tutankhamon pode ser, na realidade, a secção exterior de “um túmulo em forma de corredor dentro de outro túmulo” – o de Nefertiti, é claro.

O facto de a construção e a decoração do KV62 terem decorrido em várias fases, algo em que os especialistas parecem estar de acordo há já muito tempo, alimenta a teoria de Reeves. A confirmar-se, o jovem faraó teria sido sepultado no túmulo pré-existente da rainha. “Se estiver errado, estou errado”, disse Reeves à BBC. “Mas, se estiver certo, (…) o mundo ter-se-á tornado um lugar muito mais interessante, pelos menos para os egiptólogos.” Isolada, lembrou à revista The Economist, nenhuma prova é conclusiva, mas se todas juntas corroboram uma teoria é difícil ignorá-la.


por Lucinda Canelas, in Público | 13 de agosto de 2015

Notícia no âmbito da parceria Centro Nacional de Cultura | Jornal Público

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