UNESCO soma 24 sítios à lista do património mundial
Da Europa ao Extremo-Oriente, locais que evocam períodos tão distantes como o Império Romano ou a revolução industrial vieram agora juntar-se ao extenso rol de sítios que a UNESCO reconhece como património da humanidade.
Reunido em Bona, na Alemanha, desde o dia 28 de junho, o Comité do Património Mundial da UNESCO terminou esta quarta-feira a sua 39.ª sessão, na qual foram acrescentados mais 24 locais à longa lista de sítios classificados como património da humanidade.
Do local onde se crê que João Batista batizou Jesus, na atual Jordânia, ao berço da revolução industrial japonesa, das vinhas de Borgonha ao aqueduto do Padre Tembleque, no México, da milenar Susa, no Irão, a um complexo industrial norueguês, é uma lista eclética, quer em termos geográficos, quer no que respeita às épocas históricas que cada um dos lugares evoca.
O Comité do Património Mundial decidiu ainda aprovar três extensões de sítios já classificasos, incluido os Caminhos de Santiago, que já estavam na lista desde 1993, mas viram agora reconhecidas mais quatro rotas: o caminho costeiro, o caminho basco, o caminho do Norte, por Liébana, e o chamado caminho primitivo, utilizado pelos primeiros devotos vindos do recém-criado reino asturiano. Julga-se que o próprio Afonso II, o Casto, no primeiro terço do século IX, terá seguido este último trilho desde Oviedo até ao túmulo do santo.
Os outros dois sítios que beneficiaram de extensões são as áreas protegidas da região de Cape Floral, na África do Sul, um dos grandes centros mundiais de biodiversidade terrestre, e o parque natural vietnamita de Phong Nha-Ke Bang, cuja área classificada aumentou quase para o dobro, cifrando-se agora em mais de 126 mil hectares.
Os 24 sítios agora acrescentados à lista do património mundial são estes:
Climats de Borgonha
Sem correspondência exata noutras regiões, os climats de Borgonha, parcelas de vinhas cuidadosamente delimitadas de acordo com a sua história e as suas condições geológicas e climáticas particulares, são uma tradição multissecular. Há mais de mil climats, alguns com nomes ilustres e conhecidos, como Chambertin, Romanée-Conti ou Montrachet. A classificação abrange uma extensa área de cerca de 60 km, que inclui as vinhas, quintas e adegas, mas também a cidade de Beaune e dezenas de povoações, e ainda um segundo pólo constituído pelo centro histórico de Dijon.
Encostas, caves e lojas de Champagne, em França
Cobrindo todo o processo de produção e venda do champanhe, e a sua história desde o início do século XVII até ao presente, passando pela industrialização da bebida no século XIX, a classificação abrange as encostas de vinhas e os lugares de produção, com as suas caves, mas também os centros de distribuição e venda.
Ponte de Forth, na Escócia, Reino Unido
Inaugurada em 1890, atravessa o estuário do rio Forth perto de Edimburgo, na Escócia, e estende-se por mais de 2,5 km. Até 1917, quando perdeu esse estatuto para a ponte Quebec, no Canadá, foi a maior ponte ferroviária em vão do tipo cantilever. Inovadora no desenho, nos materiais e na escala, marcou a construção de pontes no período em que o comboio estava a impor-se como meio de transporte privilegiado para viagens de longa distância.
Speicherstadt, Kontorhausviertel e Chilehaus, em Hamburgo, na Alemanha
Exemplos do rápido crescimento do comércio internacional no final do século XIX e no início do século XX, a Speicherstadt e o quarteirão da Kontorhaus são duas zonas densamente urbanizadas do centro de Hamburgo. A primeira é uma vasta rede de armazéns portuários, construídos entre 1885 e 1927 sobre várias ilhas contíguas no rio Elba, e o segundo é uma área de cinco hectares que inclui vários grandes edifícios de escritórios relacionados com a atividade portuária. A classificação da UNESCO destaca a Chilehaus (Casa do Chile), um prédio modernista de dez andares projetado pelo arquiteto Fritz Höger, considerado um dos exemplos mais conseguidos do Backsteinexpressionismus, uma variante da arquitetura expressionista que se caracteriza pelo uso do tijolo.
Christianfeld, uma colónia da igreja moraviana na Dinamarca
Fundada em 1773 no sul da Dinamarca pela igreja moraviana, uma das mais antigas igrejas protestantes, a pequena povoação de Chrtistianfeld foi construída de acordo com um rigoroso plano, destinado a ilustrar o ideal urbanístico protestante. O seu nome evoca o rei Christian VII, que estimulou o projeto pagando 10% dos custos de construção e oferecendo um perdão fiscal de dez anos. Organizada em torno de um quarteirão central onde se ergue a igreja, a arquitetura é homogénea e despida de adornos, com edifícios de um ou dois andares em tijolo amarelo. A organização democrática da igreja protestante moraviana, com o seu pioneiro igualitarismo, reflete-se no planeamento da cidade, que abre para terrenos agrícolas e inclui um importante conjunto de edifícios de uso coletivo.
Paisagem de caça par force no norte da Zelândia, na Dinamarca
A 30 km de Copenhaga, e compreendendo as florestas de Store Dyreahve e Gribskov, e ainda o parque de caça de Jægersborg Hegn, é a região onde os reis dinamarqueses se exercitavam na caça par force, ou seja, com cães, ou à força de cães. Com as suas pistas de caça desenhadas em padrões ortogonais e os seus pavilhões de caça e marcos de pedra numerados, esta paisagem é um exemplo da aplicação dos princípios barrocos de intervenção paisagística a zonas de floresta.
Complexo Industrial de Rjukan-Notodden, na região de Telemark, na Noruega
Construído no início do século XX, é um centro industrial construído numa paisagem de montanhas e quedas de água, e inclui centrais hidroelétricas, fábricas, linhas férreas e habitações e instituições sociais dos trabalhadores.
Palermo árabe-normanda e as Catedrais de Cefalù e Monreale
Uma série de nove edificações civis e religiosas que datam da época do reino normando da Sicília, no século XII: dois palácios, várias igrejas e uma ponte, a aque se somam as catedrais de Cefalù e Monreale. No seu conjunto, são um exemplo de sincretismo entre o Ocidente e as culturas islâmica e bizantina, e o testemunho de uma frutuosa coexistência entre povos de diferentes origens e credos.
Éfeso, na Turquia
O que há de mais surpreendente nesta entrada de Éfeso, hoje em território turco, na lista do património mundial da UNESCO é o facto de ter tardado tanto. Fundada por colonos gregos no século X a. C., no local onde se teria erguido a capital da região de Arzawa no tempo do império hitita, Éfeso, terra natal do filósofo Heráclito, foi uma das dez cidades da Liga Jónica no período clássico da Grécia antiga e chegou a ser, no início da era cristã, a segunda cidade mais populosa do império romano, logo a seguir a Roma. Situada a poucos quilómetros da cidade turca de Selçuk, na província de Esmirna, é um importantíssimo sítio arqueológico, que vem sendo escavado desde os anos 60 do século XIX. O seu mais célebre monumento era o Templo de Artemisa, uma das sete maravilhas do mundo antigo, construído no século VI a. C., e do qual resta apenas uma solitária coluna desenterrada no século XIX. Éfeso é também uma das sete igrejas da Ásia Menor citadas no livro bíblico do Apocalipse, acolheu as pregações de S. Paulo e S. João Evangelista, e foi sede de dois concílios no século V a. C.. A Biblioteca de Celsus, do século II, dedicada a um grego que se tornou senador romano, ou a basílica de S. João, construída no século VI no local onde se crê que possa estar sepultado o apóstolo João, são outros dos muitos monumentos revelados pelos arqueólogos em Éfeso.
Paisagem cultural das muralhas de Diarbaquir e dos jardins de Hevsel, na Turquia
Situada no sudeste da Turquia, junto ao rio Tigre, no chamado Crescente Fértil, a cidade muralhada de Diarbaquir, de população maioritariamente curda, foi um centro importante desde os períodos helenístico e romano. A classificação inclui quase 6 km de muralhas, com o seu castelo interior, e os jardins de Hevsel, uma zona verde que liga a cidade ao rio.
Necrópole de Bet She’arim, em Israel
Fundada por Herodes, a necrópole de Bet She’arim situa-se a cerca de 20 km da cidade israelita de Haifa e é uma extensa rede de catacumbas, escavadas no calcário, com mausoléus e sarcófagos ricamente adornados e com um grande número de inscrições em hebraico, aramaico, grego, ou ainda no dialeto de Palmira.
Betânia do Além-Jordão, na Jordânia
Na margem oriental do rio Jordão, a 9 km do Mar Morto, Betânia do Além-Jordão, Al-Maghtas em árabe, é o local onde se crê que Jesus de Nazaré foi batizado por João Batista. Lugar de peregrinação, o sítio arqueológico inclui o morro de Mar Elias, assim chamado por ser tradicionalmente apontado como o local de nascimento do profeta Elias, e a área mais próxima do rio, onde se erguem as igrejas dedicadas a S. João Batista.
Arte rupestre na região de Ha’il, na Arábia Saudita
Os melhores e mais antigos exemplos de arte rupestre neolítica na Arábia Saudita encontram-se em Jubbah, a noroeste da cidade de Ha’il, e em Shuwaymis, a sudoeste de Ha’il e perto da cidade de al-Hayit. Esta classificação é para ambos os locais: Jabel Umm Sinman, em Jubbah, e Jabal al-Manjor e Raat, em Shuwaymis. Esta região do sul do deserto de Nafud foi outrora um lugar muito procurado, porque no sopé do monte Umm Sinman existia um lago, hoje desaparecido, que garantia uma fonte de água fresca a homens e animais. Os antepassados dos atuais habitantes árabes deixaram gravados nas rochas traços da sua passagem, representando homens, animais e outras figuras, num conjunto de arte rupestre que cobre dez mil anos de história.
Susa, no Irão
Situado no sudoeste do Irão, Susa é um extenso sítio arqueológico nas imediações da atual cidade a que deu nome. As escavações no local puseram a descoberto ruínas de edifícios administrativos, palácios e casas de habitação e mostram uma fixação humana contínua desde o final do 5.º milénio a.C.. Centro da cultura elamita a partir do segundo milénio a.C., Susa integrou sucessivamente os impérios babilónios, persa e parta.
Paisagem cultural de Maymand, no Irão
Maymand, na província de Kerman, no sudeste do Irão, é habitada por pastores seminómadas que vivem em instalações temporárias durante a primavera e o outono e passam os meses de inverno em antiquíssimas cavernas artificiais na rocha. Antiga povoação de trogloditas (habitantes de cavernas), Maymand foi habitada ao longo de milhares de anos, tendo-se descoberto no local cerâmica com seis mil anos e gravuras rupestres que poderão ser ainda mais antigas.
Grande Montanha Burkhan Khaldun, na Mongólia
Situada na parte central da cadeia de montanhas Khentii, na Mongólia, onde as estepes da Ásia Central se encontram com as florestas de coníferas da taiga siberiana, Burkhan Khaldun é um lugar sagrado associado a antigas práticas de veneração de montanhas e rios, estimuladas pelo fundador do império mongol, Gengis Khan (1162-1227), que, segundo a tradição, terá nascido e morrido neste local.
Sítios Tusi na China Situados em áreas montanhosas do sudeste da China, os três sítios englobados nesta classificação são as ruínas do castelo de Hailongtun, na província de Guizhou, a cidade de Tangya Tusi, na província de Hubei, e a antiga cidade de Yongshun Tusi, na província de Hunan. Todos eles dão testemunho do singular sistema de dinastias locais que governou as minorias étnicas nesta região da China até ao início do século XX. Os Tusis eram os chefes locais apontados pelo governo imperial.
Jardim Botânico de Singapura, em Singapura
Inaugurado em 1859, após uma primeira tentativa falhada nos anos 20, o Jardim Botânico de Singapura, no centro da cidade, ocupa uma gigantesca área de 74 hectares e é um importante centro de investigação e conservação de plantas. Mantendo muitas das suas estruturas originais, permite seguir a evolução dos jardins botânicos tropicais criados pelos colonizadores britânicos. A sua pincipal atração é o Jardim Nacional das Orquídeas, a única área de acesso pago, que conserva mais de mil espécies e cerca de dois mil híbridos de orquídeas.
Sítios da revolução industrial japonesa do período Meiji
Um conjunto de 11 sítios, quase todos situados no sudoeste do Japão, que testemunham o rápido processo de industrialização que marcou o país no período Meiji, entre os meados do século XIX e o início do século XX, muito centrado na indústria do aço, na construção naval e na extração de carvão. O imperador Meiji (1852-1912) subiu ao trono em 1867, aos 14 anos, e o seu reinado coincide com a transformação de um Japão essencialmente feudal numa potência capitalista.
Áreas históricas de Baekje, na Coreia do Sul
Baejke, um dos três reinos que partilharam a península coreana atingiu o seu apogeu no século IV e foi derrotado em 660 por uma aliança da monarquia rival de Silla com o Japão e a China governada pela dinastia Tang. O conjunto que agora entrou na lista do património mundial abrange oito sítios arqueológicos e inclui muitos fortalezas, templos e palácios que testemunham o período final do reino de Baekje.
Missões de San Antonio no Texas, Estados Unidos da América Abrangendo cinco missões construídas no século XVIII ao longo de um trecho do rio San Antonio, no sul do Texas, o conjunto inclui estruturas arquitetónicas e arqueológicas, terras de cultivo, casas de habitação, igrejas, celeiros e sistemas de distribuição de água. Erguidas por missionários franciscanos, estas missões testemunham o empenho da coroa espanhola em colonizar, evangelizar e defender a fronteira norte do que era então a Nova Espanha.
Aqueduto do Padre Tembleque, no México
Construído no século XVI no planalto central mexicano por iniciativa de um frade franciscano espanhol, natural de Toledo, Francisco Tembleque, este aqueduto é considerada a mais importante obra de engenharia hidráulica quinhentista em todo o continente americano. E inclui a arcada mais alta alguma vez construída num aqueduto.
Paisagem cultural e industrial de Fray Bentos, no Uruguai
Localizado a oeste da cidade uruguaia de Fray Bentos, este complexo industrial teve origem numa fábrica construída em 1859 para processar carne produzida nas vastas pradarias adjacentes. Conservando edifícios e equipamentos oitocentistas, o sítio ilustra toda a cadeia da indústria da carne, da criação e gado ao processamento, empacotamento e distribuição.
Montanhas Blue e John Crow, na Jamaica
A classificação abrange uma extensa área montanhosa e florestal no sudeste da Jamaica, que serviu de esconderijo aos índios Taínos e depois aos escravos africanos fugidos, os quilombolas, originalmente levados para a Jamaica por negreiros espanhóis e portugueses. Com a floresta a providenciar tudo o que necessitavam para sobreviver, os quilombolas resistiram à colonização europeia nesta região isolada, onde construíram uma rede de trilhos, acampamentos e esconderijos. Uma experiência que os levou a desenvolver uma forte ligação espiritual às montanhas, ainda hoje observável em ritos religiosos e danças tradicionais.
por Luís Miguel Queirós, in jornal Público | 9 de julho de 2015
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